Tragédia Anunciada

Tragédia Anunciada

Primeira morte confirmada por dengue em Ribeirão Preto no ano alerta para avanço da doença no município; conscientização é a principal forma de combate à proliferação do mosquito

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Texto: Isabella Mengelle
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O ano de 2020 começou com um anúncio prematuro e trágico sobre a dengue em Ribeirão Preto. Em apenas 15 dias, a Secretaria Municipal da Saúde confirmou a primeira morte em razão da doença: uma menina de oito anos, natural de São Simão, que passava férias na cidade, na casa do pai. A notícia veio acompanhada de dados alarmantes. Na primeira quinzena do ano, foram confirmados 120 casos da doença em Ribeirão Preto — outros 580 são investigados. Os números, divulgados na quinta-feira, 16 de janeiro, são de um levantamento realizado pelo Departamento de Vigilância Epidemiológica da Secretaria Municipal da Saúde.

A escalada dos sintomas da primeira vítima da doença foi rápida. Em entrevista coletiva realizada no dia 16 de janeiro, o secretário da Saúde de Ribeirão Preto, Sandro Scarpelini, confirmou que o primeiro atendimento da menina na rede pública foi realizado na terça-feira, 14 de janeiro, em apesar de apresentar os sintomas de dengue e ser diagnosticada imediatamente, a menina apresentava um quadro estável, razão pela qual foi liberada para casa. Na quarta-feira, 15 de janeiro, ela voltou pela manhã à Unidade de Pronto Atendimento (UPA) da avenida 13 de Maio, na zona leste de Ribeirão Preto, para realizar os exames de acompanhamento da doença, e ainda estava bem. Na tarde do mesmo dia, a garota voltou à UPA apresentando sangramento intestinal, sofreu uma parada cardíaca e, mesmo sendo transferida para a Unidade de Emergência do Hospital das Clínicas, morreu.
Distribuição de casos de dengue em investigação e confirmados em Ribeirão Preto
A Secretaria da Saúde ainda investiga se a menina, que não teve o nome divulgado, teria contraído a doença em São Simão, onde residia com a família, ou em Ribeirão Preto. Ela estava hospedada na casa do pai, localizada no bairro Jardim Procópio, na Zona Norte. Em 2019, a essa região foi a segunda área da cidade com mais casos confirmados da doença, totalizando 3,8 mil pessoas contaminadas, perdendo apenas para a Zona Oeste, onde foram confirmados 4,4 mil casos.

Proliferação do mosquito
O Aedes aegypti, mosquito transmissor da dengue, não é originário das Américas. O primeiro registro da existência do inseto foi no Egito, país africano, em 1762. Ele teria vindo para o Brasil no século XIX, durante a era colonial, transportado pelos navios negreiros, e teria sido erradicado no século XX por conta do combate à febre amarela, que também é transmitida pelo mosquito. Apenas em 1980 o Brasil voltou a contabilizar casos de dengue, e o registro oficial de ocorrências de chikungunya e zika no país começou somente em 2015. 
Eliminação de criadouros do mosquito Aedes aegypti é fundamental no combate à doença
O Aedes aegypti se adapta com facilidade ao clima tropical brasileiro — com calor intenso e períodos de chuvas alternados com curtos tempos de seca, viabilizando o surgimento de criadouros em ambientes com água parada, como garrafas plásticas, pneus velhos e vasos de plantas. Além disso, a deficiência na coleta de lixo nas cidades favorece muito o aumento de incidência de criadouros ao ar livre. 

A estimativa da Secretaria Municipal da Saúde é de que 80% dos focos e criadouros do mosquito da dengue estejam localizados dentro das casas. Assim, a principal medida a ser tomada no processo de combate à doença é a conscientização e a colaboração da população no combate à doença, vistoriando as casas e eliminando, semanalmente, focos de água parada. Mesmo assim, de acordo com o Secretário, a perspectiva para 2020 não é favorável.

 Tipos da doença
A dengue é “uma doença febril grave, causada por um arbovírus”, de acordo com a classificação do Ministério da Saúde. Arbovírus são vírus transmitidos por picadas de insetos e mosquitos. Ao todo, existem quatro tipos diferentes do vírus da dengue, chamados de sorotipos um, dois, três e quatro. Cada pessoa, ao ser infectada, pode ter os quatro sorotipos da doença, e a infecção por um deles pela primeira vez gera imunização permanente. A contaminação pode afetar todas as faixas etárias da mesma forma, mas os riscos de desenvolvimento e morte são maiores em pessoas mais velhas. Pessoas acometidas de doenças crônicas, como diabetes e hipertensão, também fazem parte do grupo de risco, mesmo que façam tratamento e acompanhamento das doenças.

A primeira morte confirmada em Ribeirão Preto por dengue em 2020 foi classificada como tipo dois da doença, que é considerado um dos mais agressivos. De acordo com o levantamento realizado pelo Departamento de Vigilância Epidemiológica da Secretaria de Saúde de Ribeirão Preto, é este tipo de vírus que vem circulando pela cidade e por todo o Estado de São Paulo desde o ano passado. 

A dengue tipo dois era popularmente conhecida como “dengue hemorrágica”. O Ministério da Saúde revisou o termo para “dengue severa”, uma vez que nem todos os quadros mais graves evoluem necessariamente até o ponto de causar hemorragia. A maior gravidade da contaminação da dengue tipo dois está relacionada à superposição de vírus, ou seja, uma segunda infecção. Ainda que todos os tipos de dengue sejam perigosos e possam apresentar uma evolução rápida, nos casos de dengue severa, sintomas como sangramentos de mucosas e hemorragias e queda no número de plaquetas podem levar o paciente à morte mais rapidamente do que a dengue leve. 

Sentindo na Pele
A estudante Débora Rayane Brandão Filadelfo, 22 anos, contraiu dengue duas vezes no mesmo ano e destaca o mal estar pelos sintomas. “A primeira vez foi mais severa. Tive febre alta, não conseguia sair da cama e tinha muita dor abdominal. Só fui diagnosticada quando apareceram as manchas e a coceira pelo corpo, já no final dos dez dias. Na segunda vez, também tive febre, muita dor de cabeça e dor no corpo, mas os sintomas foram mais leves e duraram menos tempo”, relembra. 

Isabela Aparecida Vidoto, 18 anos, também foi diagnosticada com dengue. A estudante acredita que a administração pública poderia intensificar as ações de combate e prevenção ao mosquito transmissor da doença para evitar novos casos. “Acho que é preciso conscientizar população para todos entenderem a gravidade do problema. Na semana passada, quando apareceram manchas no meu braço, já fiquei preocupada de ser dengue novamente. A preocupação é muito grande e a insegurança, também”, afirma. 


Combate
A Secretaria da Saúde de Ribeirão Preto intensificou as ações de bloqueio mecânico ao mosquito Aedes aegypti, transmissor da dengue e outras doenças, desenvolvido em toda a cidade durante o ano. O bloqueio mecânico consiste na realização de mutirões de limpeza realizados todo final de semana pelos agentes de combate às endemias. Durante os mutirões, são realizadas visitas em residências, comércio, indústria e identificação de focos positivos para proliferação do mosquito. Além disso, são realizadas orientações à população e ações educativas em escolas.

Durante os mutirões de limpeza feitos no segundo semestre de 2019, foram recolhidas mais de 126 toneladas de materiais que serviam como criadouros para o mosquito. Mais 2,2 mil focos dentro de residências foram eliminados pelos agentes durante as visitas em residência. Em todo o ano de 2019, mais de 700.000 imóveis foram visitados.

Essas ações de bloqueio mecânico, contudo, não são suficientes para garantir a diminuição no número de casos. Atualmente, Ribeirão Preto encontra dois obstáculos no controle da proliferação do mosquito. O primeiro deles consiste no fluxo migratório, que ultrapassa 1 milhão de pessoas vindas dos municípios da região e que circulam pela cidade todos os dias, como no caso da menina de oito anos, residente de São Simão.
Sandro Scarpelini afirma que a nebulização está suspensa desde o segundo semestre de 2019, por problemas nos lotes adquiridos pelo Ministério  da Saúde
O segundo problema consiste na indisponibilidade do produto utilizado no processo de nebulização das vias da cidade. A nebulização é a aplicação de um veneno do mosquito transmissor, realizado por uma equipe especializada da Secretaria de Saúde. A autorização para compra do produto é de exclusividade do Ministério da Saúde, e segundo Sandro Scarpelini, Secretário da Saúde de Ribeirão Preto, houve um problema com um dos lotes adquiridos pelo Ministério, razão pela qual a nebulização está suspensa desde o segundo semestre de 2019.

A atuação da população dentro de casa é primordial no combate à dengue. Para isso, a recomendação oficial do Ministério é para que haja um cuidado com água acumulada, onde se desenvolvem os criadouros, como vasos de plantas, pneus, garrafas e piscinas sem uso ou com manutenção periódica. Além disso, proprietários de imóveis que estejam desocupados também precisam realizar visitas periódicas às propriedades para garantir que não existam criadores esquecidos ali dentro.

Alto Índice
A maior incidência de casos de dengue registrados na história de Ribeirão Preto foi no ano de 2016, com mais de 35 mil casos confirmados, segundo informações da Secretaria Municipal da Saúde. Em 2019, a cidade registrou 14.189 casos confirmados e três mortes decorrentes da doença, o que, apesar de parecer melhor do que o recorde de 2016, ainda são números alarmantes. 


No Estado
Em 2019, o quadro geral do Estado de São Paulo foi epidêmico, com 442 mil suspeitas de dengue registradas. O número de suspeitas de chikungunya foi de 1.570 e de zika, 694 casos. As duas doenças também são transmitidas pelo mosquito Aedes aegypti, vetor da dengue. O estado também registrou a segunda maior média de casos em todo o país: 1,1 mil casos a cada 100 mil habitantes, perdendo apenas para a região Centro-Oeste. Em Ribeirão Preto, a incidência das duas últimas doenças no ano passado foi baixa: ao todo, foram registrados cinco casos de chikungunya durante todo o ano e nenhum caso de zika vírus. Por esse motivo, o foco da Secretaria Municipal da Saúde é voltado para os casos de dengue, embora as formas de transmissão e de combate das três doenças sejam as mesmas. No país, foram registrados mais de um milhão de casos prováveis registrados em 2019, e 754 mortes confirmadas no ano passado.

Em 2020, dos 645 municípios paulistas, o sorotipo dois foi detectado em Andradina, Araraquara, Barretos, Bauru, Bebedouro, Catanduva, Espírito Santo do Pinhal, Indiaporã, Ipiguá, Itajobi, Mirassol, Pereira Barreto, Piracicaba, Pirangi, Ribeirão Preto, Santo Antônio de Posse, São José do Rio Preto, Uchoa e Vista Alegre do Alto. 

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