Pressão nos alimentos

Pressão nos alimentos

Inflação de itens da cesta básica foi de 27% no último ano, com alta significativa em produtos essenciais, como arroz e feijão; a tendência é que os preços continuem em patamar elevado

No último ano, a cesta básica teve reajuste de 27% em São Paulo segundo estudo feito pelo Núcleo de Inteligência e Pesquisas do Procon-SP, em convênio com o Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese). Se em março de 2020, o custo da cesta básica era de R$ 798,10 aos paulistas, saltou para R$ 1.013,66 no mês passado. E a pressão nos preços veio justamente de produtos essenciais na alimentação, como arroz e feijão. Somente os itens de alimentação aumentaram 29,3% de preço em um ano. Em março de 2020, a cesta básica de alimentos custava R$ 687,97. No mesmo mês deste ano, R$ 889,90.

“Os motivos encontrados que justificam as oscilações nos preços dos produtos da Cesta Básica são inúmeros, como: problemas climáticos, questões sazonais, excesso ou escassez de oferta ou demanda pelos produtos, preços das commodities, variações cambiais, formação de estoques, desonerações de tributos, entre outros”, explica o Procon-SP.

Em um ano, o arroz teve reajuste de 82,63%, segundo a pesquisa. “O preço médio do pacote de 5kg do arroz passou de R$ 12,78 em fevereiro de 2020 para R$ 23,34 neste ano. Os motivos da significativa elevação nos preços do arroz foram a desvalorização do Real frente ao dólar, que aumenta o custo de produção interna e estimula as exportações; a diminuição da área plantada nos últimos anos e a queda nos estoques reguladores. Porém, desde janeiro deste ano, a preferência das beneficiadoras, entretanto, foi liquidar o arroz em estoque, com preços inferiores aos verificados em semanas anteriores, o que justifica um recuo no preço médio nos últimos meses”, descreve o órgão.

Já o óleo de soja teve reajuste de 93%, a maior alta da cesta de alimentos entre 2020 e 2021. O preço médio da embalagem com 900ml passou de R$ 3,86 para R$ 7,45, respectivamente. “O atraso na colheita causou incertezas quanto ao volume que seria produzido. Em seguida, houve a competição entre compradores internos e externos e, também, a desvalorização do Real frente ao dólar contribuiu para estimular as exportações. Enquanto internamente ocorria a procura por derivados de soja, as exportações do farelo e do óleo de soja eram favorecidas, devido à menor disponibilidade na Argentina. O baixo estoque e o pouco volume de soja no Brasil ainda causaram uma disputa atípica entre as indústrias locais que chegaram a ofertar preços acima dos preços do produto exportado.”

 

Impactos

Segundo o economista José Carlos de Lima Júnior, especialista em agronegócio, a pandemia também teve impacto direto nessas variações. A influência da atual situação sanitária, de acordo com o especialista, ocorreu em três frentes. “A primeira, com a redução nas atividades econômicas devido quarentena, várias indústrias tiveram suas produções paralisadas, o que ocasionou a diminuição na oferta de vários insumos. Diminuição em insumos implica em encarecimento dos estoques disponíveis. Pior se torna quando estes insumos são importados, o que nos leva a segunda causa: perda de valor da moeda Real”, explica.

Ainda segundo José Carlos, o adiamento das reformas estruturais necessárias ao país, que acrescidas da menor arrecadação tributária com paralisação econômica, lançaram dúvidas nas contas públicas do Brasil que já vem em escalada desde os anos 2010. “Dívida pública alta e falta de coordenação pelo governo federal no combate à pandemia jogaram contra a moeda Real, fazendo com que o câmbio disparasse, com o consequente encarecimento de fertilizantes e todos os demais insumos importados e que são necessários à agricultura e pecuária.”

O economista explica que o terceiro ponto é que o Brasil já vinha com uma baixa taxa de investimento, tanto pelo setor privado como público, desde 2014. “Sob esse contexto, a pandemia somente agravou uma situação interna que já estava delicada há seis anos, principalmente com o alto endividamento. Se considerarmos que os investimentos já estavam reduzidos, com a disparada do câmbio a limitação se tornou maior para os empresários. E ainda que o Banco Central tenha diminuído os juros, os empresários endividados preferiram utilizar, no meu entender corretamente, essa queda no juro para pagar suas dívidas. O resultado foi que mesmo com juro histórico baixo, a taxa de investimento permaneceu baixa.”

Resultados desfavoráveis

Segundo Rodrigo Canesin, empresário do setor supermercadista e representante regional da Associação Paulista de Supermercados (Apas), a cesta básica está pesando mais no bolso do consumidor de baixa renda. “Principalmente neste momento de falta de auxílio emergencial que retornou neste mês de abril.”

José Carlos de Lima Júnior também explica que o impacto é visível nos dois lados do mercado, o da oferta e o da demanda. “No lado da oferta, que são as indústrias e empresas produtoras, Real depreciado significa que será preciso mais dinheiro para fazer compras de insumos e investimentos. Assim, empresários reavaliam a necessidade desses desembolsos, adiando em muitos casos. A consequência será uma baixa produtividade futura. Junto a essa situação, a própria paralisação via quarentena fez com que os custos fixos das empresas disparassem, sendo a parte visível as demissões de funcionários.”

Na demanda, pessoas desempregadas deixam de consumir, sendo essencial a ajuda financeira oferecida pelo estado. “No entanto, aqueles que continuaram empregados, se viram obrigados a repensar seu estilo de consumo. E ainda que tivesse feito uma mudança, acabou sentindo os efeitos na diminuição da oferta, com o encarecimento dos produtos”, explica o economista.

Controle

Ainda na avaliação do especialista, há anos o Brasil tem investido cada vez menos. “E investimento é diferente de consumo. Investimento é um dinheiro que o empresário ‘planta hoje’ para dar resultados amanhã. Esse resultado é a produtividade. Quanto maior for a oferta de produtos, menor será o custo unitário desse produto. Infelizmente, as taxas de investimento no Brasil têm sido baixas, e em grande parte causada pela insegurança institucional que o país vive com os seus desgovernos há anos. Um país que não oferece segurança institucional, torna-se o único responsável pela criação do risco que espanta a vontade do empresário. Quem investiria do seu próprio dinheiro se tivesse receio com o que pode acontecer? Acaso alguém construiria uma casa em um local que pode ser interditado pela Justiça a qualquer momento? É preciso entender que o dólar não sobe. O que acontece é que o Real cai. Real caindo, câmbio dispara.”

Tendência

Como não é possível recuperar toda uma atividade produtiva do dia para noite, pois as empresas dependem de suprimentos fornecidos de uma para outra, o economista acredita que, sob esse contexto, os preços dos alimentos ainda se manterão elevados por mais um tempo.

Já segundo o Procon-SP e o Dieese, há um sinal de queda em alguns índices. No mês de março deste ano, em relação a fevereiro, a alimentação apresentou queda de 0,41% nos preços. “Em fevereiro de 2021, por exemplo, a cotação média do quilo do arroz era de R$ 23,34 e, em março de 2021, passou para R$ 22,65. A retração foi de 2,96%. Compradores pouco ativos no mercado; priorização da colheita em detrimento das negociações, por parte dos produtores; e, o próprio avanço na colheita do arroz influenciaram na queda das cotações do grão.”

Dos 39 produtos pesquisados, na variação mensal, 25 apresentaram alta, 13 diminuíram de preço e 1 permaneceu estável.

Segundo uma pesquisa realizada pela Associação Paulista de Supermercados (Apas), o setor apresentou uma deflação de 0,5% no início do ano, depois do aumento do índice de preço de 18,5% em 2020. “Sem o auxílio emergencial neste início do ano, houve uma queda no poder de compra dos consumidores. O arroz registrou deflação no início do ano, depois de quatorze meses de aumentos, e teve queda de 4%, mas se mantém muito acima dos patamares no início de 2020”, explica o empresário do setor Rodrigo Canesin, representante regional da Apas.

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