Repatriação de recursos

Repatriação de recursos

O Regime especial de regularização cambial e tributária permitiu o retorno de recursos financeiros de brasileiros mantidos no exterior em uma relação de ganho entre Receita Federal e contribuinte

Encerrou, no último dia 31 de outubro, o prazo para contribuintes aderirem ao Regime Especial de Regularização Cambial e Tributária (RERCT), que possibilita a regularização de ativos mantidos de forma irregular por brasileiros no exterior. 

De acordo com os dados divulgados pela Receita Federal, foram regularizados R$ 169,9 bilhões em ativos, os quais geraram uma arrecadação ao Fisco de R$ 46,8 bilhões. 

O advogado Gabriel Mercadante Soares, especializado em estruturação patrimonial, sócio de um importante escritório de advocacia da capital, esteve à frente do projeto e faz um balanço do resultado. “O programa foi um sucesso porque, de certa maneira, colocou Fisco e contribuintes em uma relação de ganha-ganha, o que é algo raro para os parâmetros tributários brasileiros”, apontou Soares. 

Sobre os desdobramentos do programa e uma eventual segunda rodada, suscitada há pouco pelo governo, Gabriel enfatiza que a prioridade deve ser concluir o ciclo da regularização, considerando que o problema mais relevante, agora, é a busca de eficiência e de adequação para incorporação destes ativos à realidade de seus proprietários. 

“A grande maioria destes ativos eram mantidos pelas famílias no exterior como um patrimônio apartado dos demais, em estruturas societárias adequadas para outro cenário, com uma organização tributária ineficiente diante da nova realidade.
Por esta razão, o momento agora é de auxiliar nossos clientes a refletirem sobre a melhor forma de incorporar esses ativos ao patrimônio comum, considerando, claro, as necessidades e peculiaridades de cada caso. Embora seja o imperativo da vez, verdade seja dita, isso é o que chamamos de um ‘problema bom’ de se resolver”, concluiu o advogado. 

Lei de Repatriação

Quem possui valores em conta, bens ou qualquer tipo de recurso no exterior é obrigado a informar na Declaração de Imposto de Renda e, a depender do valor, ao Banco Central do Brasil, que esses recursos estão em outro país. Quando o contribuinte não faz essas declarações, está cometendo crimes contra a ordem tributária e evasão de divisas. As punições dependem da gravidade dos crimes e podem levar à prisão. Daí a importância da Lei de Repatriação — 13.254/16, que determinou que os ativos remetidos ou mantidos no exterior fossem regularizados, após o pagamento de Imposto de Renda de 15% sobre o saldo, além de multa de igual percentual. Com isso, o custo nominal para a regularização foi de 30% do montante remetido ou mantido de forma irregular no exterior. A partir daí, e da entrega da declaração de regularização (“Dercat”), são anistiados os crimes. A lei prevê regularização de valores contidos em depósitos bancários, instrumentos financeiros, operações de empréstimo e câmbio, participações societárias, ativos intangíveis, aeronaves e veículos em geral. Ficam excluídas da possibilidade de regularização as obras de arte, joias, antiguidades e material genético de produção animal. Passado o prazo de regularização previsto na Lei 12.254/16, o governo já estuda a vigência de um novo projeto para o início de 2017. A matéria é defendida pelo governo como forma de ampliar a adesão de contribuintes que têm recursos no exterior não declarados e que queiram, voluntariamente, regularizar sua situação. Estados e municípios também têm interesse, visando aumentar a parcela de dinheiro a arrecadar com o pagamento de impostos e de multas.

ENTENDA O PROCEDIMENTO DE REPATRIAÇÃO
 

Por que a Receita Federal fez essa ação de repatriação agora? 
Gabriel Soares: Leis para regularização ou repatriação de ativos não declarados já foram implantadas com sucesso em vários países do mundo como Itália, Portugal, Alemanha e França, por exemplo. É uma forma eficiente de incrementar a arrecadação, principalmente em momentos de crise econômica, quando as receitas domésticas despencam. Soma-se a este fator um movimento global de transparência que tem forçado governos, instituições financeiras, empresas e contribuintes a adequarem suas práticas. Existem, hoje, vários acordos internacionais que preveem uma troca automática de informações dos contribuintes entre entes financeiros e governos (Foreign Account Tax Compliance Act - FATCA, Common Reporting Standard - CRS), o que praticamente encerra a máxima do sigilo internacional. Neste cenário, o que se fez por aqui foi criar uma janela de oportunidade que atendesse aos interesses do fisco e, de certa maneira, também aos interesses dos contribuintes.

 Isso deve se repetir de forma sistemática?
Gabriel Soares: Alguns países repetiram, sim, mais de um programa dessa natureza, embora isso não signifique uma prática sistemática. O que se pode dizer, com certa segurança, é que as rodadas posteriores sempre se apresentam de forma mais restritivas ou mais caras aos contribuintes se comparadas às primeiras. Veja como exemplo o projeto de reabertura do programa brasileiro para 2017, em que se prevê uma alíquota de imposto e multa de 17,5% cada, ou seja, 35% de taxação nesta nova fase contra 30% do programa que se encerrou há apenas alguns dias.
 
Qual a vantagem da repatriação de recursos? Exemplifique essa relação ‘ganha-ganha’ com o Fisco, o que isso quer dizer na prática?
Gabriel Soares: É importante lembrar que a legislação brasileira permitiu (e permitirá) apenas a declaração de ativos de origem econômica lícita, ou seja, de bens e valores remetidos ou mantidos no exterior que tenham origem em atividades econômicas permitidas por lei. Parece um mero detalhe técnico, mas, na verdade, estamos falando de pessoas comuns, empresários, famílias, executivos, médicos, industriais, comerciantes e outros profissionais que, em algum momento da vida, optaram por remeter ou manter parte de suas economias no exterior com receio dos riscos e das turbulências da economia brasileira, o que, convenhamos, não foram poucas nos últimos 20, 30 anos. Em regra, essas famílias não estão dispostas a enfrentar um processo criminal ou o risco de encarar uma multa que pode chegar a até 150% na ocorrência de uma autuação fiscal. Daí a relação de “ganha-ganha” trazida pela anistia, pois, em última instância, os benefícios são mútuos.
 
Qual o cuidado que se deve ter na incorporação de ativos do exterior ao patrimônio comum? 
Gabriel Soares: Este é, em minha opinião, um dos pontos mais interessantes do tema. Considerando que grande parte desses recursos foram remetidos ao exterior há muitos anos, devemos considerar, também, que, ao longo desse tempo, muita coisa aconteceu por aqui, tanto do ponto de vista legal quanto do ponto de vista íntimo destas famílias. Pessoas que eram proprietárias destes ativos faleceram, envelheceram, se casaram, separaram, tiveram filhos, encerraram suas empresas, criaram novas, contraíram dívidas, mudaram de país, em resumo, uma série de situações ocorreu e algumas delas podem afetar diretamente a forma como esse patrimônio é incorporado aos demais, após sua declaração. Do ponto de vista legal, estruturas que foram criadas no passado, principalmente pelos bancos, com o intuito de alocar esses ativos de forma segura, como por exemplo os trusts, offshores, fundações e outras, após a regularização passam a ter uma importância secundária. Algumas dessas estruturas custam caro e não oferecem mais a mesma utilidade do ponto de vista fiscal, societário e sucessório. Deverão, portanto, ser repensadas e reestruturadas. 
 
Fazer isso fora dessa ação de repatriação não é aconselhável?
Gabriel Soares: Esse ponto é bastante técnico e requer cuidado no entendimento. As pessoas que mantém ativos não declarados no exterior cometem crimes de natureza tributária e cambial, são coisas distintas. É possível, sim, declarar esses ativos mediante pagamento do imposto de renda com base na tabela de incidência, acrescido de multa de mora e juros Selic, no entanto, esta forma de regularização diz respeito aos aspectos exclusivamente tributários, não resolvendo, a princípio, as questões de natureza penal relacionadas aos crimes cambiais, como a evasão de divisas, por exemplo. 
 
Qual a sua orientação para quem não conseguiu atender ao prazo e tem recursos a serem repatriados?
Gabriel Soares: As pessoas que se enquadram nos requisitos de admissibilidade para adesão ao programa de regularização, mas que deliberadamente optaram por não aderir, sem dúvida terão de lidar com um nível de risco e de exposição bastante significativos. Isso varia um pouco em razão da natureza dos ativos mantidos no exterior e também da jurisdição em que se encontram sediados esses ativos. De qualquer forma, é uma exposição de risco elevadíssima e não deve ser desconsiderada a adesão imediata ao próximo programa, se houver. Àqueles que optarem por não aderir a um eventual novo programa de regularização me parece que a melhor recomendação seja rezar. E procurar um bom advogado. 

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