Administração pública eficaz
Guilherme: “a principal falha do gestor público brasileiro é encarar o bem público como um privilégio particular”

Administração pública eficaz

Guilherme Moretti defende a qualificação profissional como forma de atingir uma administração pública eficaz, da mesma maneira que acontece na esfera privada

Direito, administração e gestão pública são as áreas de atuação de Guilherme Moretti. O novo coordenador da Pós-Graduação em Administração Pública do Centro Universitário Estácio é também coordenador da Pós-Graduação em Direito na mesma instituição. O currículo conta, além da graduação nessas duas áreas, também em Engenharia Elétrica, pela Universidade Federal de Uberlândia, onde concluiu os três cursos superiores e uma especialização em Gestão Pública Municipal. Guilherme é mestre e doutorando em Administração de Organizações pela Universidade de São Paulo (USP) de Ribeirão Preto. Também atua como sócio do Escritório Guilherme Moretti Sociedade de Advogados. Na entrevista a seguir, o professor faz uma avaliação sobre os principais desafios enfrentados pela gestão pública atual, em todos os âmbitos do governo, e aponta alternativas para superar esses embates. 

Revide: Quais são os principais desafios que a gestão pública, de forma geral, enfrenta hoje?

Guilherme: Os principais desafios que a gestão pública enfrenta, hoje, são: ética dos agentes públicos, principalmente dos agentes políticos; crise da representatividade, pois, embora estejamos vivendo em um estado republicano, a maioria das pessoas não se sente representada; redução da arrecadação, o que impacta o orçamento público; descontinuidade das políticas de governo, quando um grupo político rival assume o poder; e, por fim, o atendimento de interesses particulares em detrimento dos interesses públicos.
 
A gestão financeira é o foco de atenção mais importante em organizações públicas?

O objetivo de qualquer organização, seja pública ou privada, sempre é transformar custo em valor. No caso das organizações privadas, geralmente, o valor é o lucro dos acionistas, já no caso das organizações públicas, o valor deve ser o bem comum. O único jeito de conseguir atingir esse bem comum é sendo efetivo na gestão financeira. As organizações que não focam na eficiência financeira não conseguem atender às necessidades da sociedade.
 
Quais são os principais instrumentos de planejamento para manter o órgão público financeiramente saudável?

A reforma do Estado com a proposta de construção de um Estado Gerencial, iniciada no governo FHC (Fernando Henrique Cardoso) e coordenada pelo economista e ex-ministro da Administração Federal e Reforma do Estado, Bresser Pereira, trouxe para a gestão pública uma série de ferramentas que já se mostrava efetiva nas organizações privadas, tais como: gestão por resultados, na competição administrativa por excelência, foco na responsabilidade social da função pública, profissionalização e reciclagem constante dos funcionários públicos, práticas de “accountability” (responsabilidade com ética) e publicidade e transparência das ações dos agentes públicos, o que permite maior controle, inclusive, social.

Em períodos de crise, que tipo de despesa não cabe no orçamento municipal? Como devem ser direcionadas as estratégias para redução de despesas?

Não existe uma fórmula mágica, mas, assim como na inciativa privada, deve-se cortar tudo aquilo que está sobrando. Deve-se gastar somente aquilo que se arrecada. Deve-se colocar menos pessoas para fazerem mais. Isso significa: as pessoas têm que render mais, ou seja, o trabalho deve ser equivalente a muito mais do que era no passado. É isso que acontece na iniciativa privada. Quando tem “downsizing” — ou reestruturação administrativa —, os que ficam têm que assumir as tarefas dos que saíram e todos fazem, pois também não querem ser os próximos da lista. Assim deve ser no órgão público, principalmente nas prefeituras, que já têm um orçamento extremamente enxuto. Ao pensar nos Estados e na União, deve-se também cortar os privilégios da classe política e dos altos cargos do Poder Judiciário. Isso não é mais compatível com a situação atual do Brasil.
 
Na prática, quais são as diferenças mais evidentes encontradas na gestão pública e na gestão privada?

A principal diferença entre gestão pública e privada está no valor almejado por essas organizações: enquanto, nas privadas, o principal valor que se busca é o lucro dos acionistas, nas públicas, o valor deve ser o bem comum. Infelizmente, de modo geral, a geração de valor nas organizações públicas fica comprometida pela falta de eficiência. Vemos algumas instituições, como, por exemplo, a Receita Federal, que se modernizou e desburocratizou muito nos últimos anos. No entanto, ainda temos organizações públicas extremamente ineficientes, muitas vezes, por falta do uso de ferramentas de gestão. É o caso da educação básica e da saúde pública, que não conseguem atender à grande demanda social.
 
As privatizações voltaram a entrar na pauta do país com a discussão em torno das empresas públicas e privadas. Uma é melhor do que a outra ou o que determina a eficiência é a forma de gestão?


As privatizações são importantes quando o Estado não está conseguindo ser eficiente na gestão. A privatização não deve ser usada apenas como meio arrecadatório do Estado. Deve-se avaliar se, de fato, o Estado não tem capacidade de fazer uma gestão efetiva e, assim, cumprir com a função social daquela organização. No passado, já tivemos exemplos de privatizações atingiram a função social, como foi caso da telefonia no Brasil. Após a privatização do setor, os serviços melhoraram e democratizaram. No entanto, tivemos privatizações desastrosas, como foi o caso da Vale do Rio Doce, vendida a preço de banana para a iniciativa privada. Hoje, vemos o Governo Federal desesperado para arrecadar a fim de cobrir os gastos públicos que ele mesmo não foi capaz de controlar.  Isso é preocupante, pois ele acaba colocando à venda organizações que, hoje, são eficientes e lucrativas para o Estado, como é o caso do aeroporto de Congonhas, em São Paulo. Com base nisso, fica evidente que as organizações públicas podem ou não ser eficientes. O que vai determinar isso é a forma de gestão.
 
Quais são as falhas que os gestores mais cometem na administração pública?

A principal falha do gestor público brasileiro é encarar o bem público como um privilégio particular.  O que é público deve ser usado com cuidado e com a consciência de que pertence a uma coletividade. Devem ser colocadas à frente das organizações públicas pessoas que realmente sejam qualificadas para a posição e não simplesmente por pertencerem a um determinado grupo político.  Temos vários casos de agentes públicos que usam de seus cargos e posições para levarem vantagens pessoais. Temos uma classe de funcionários públicos extremamente elitizada, com salários incompatíveis com os dos profissionais da inciativa privada e com a renda média da população brasileira. Isso acontece com o funcionalismo de modo geral: enquanto alguns são extremamente privilegiados, outros têm condições extremamente precárias. Como exemplo, temos os salários dos professores da educação básica, que são cerca de 10% dos salários dos juízes em início de carreira. Se compararmos com os salários, verbas e privilégios dos deputados, a discrepância é ainda mais gritante.  
 
De que forma esses equívocos podem ser contornados para alcançar uma gestão mais profissionalizada?


Deve-se exigir qualificação para ingresso em qualquer cargo público, principalmente, os comissionados, pois se supõe que os aprovados em um concurso tenham a qualificação esperada. Deve-se, inclusive, reduzir ao máximo a quantidade de cargos comissionados e caracterizar como nepotismo partidário a prática de indicações de pastas da administração pública para esse ou aquele partido.
De acordo com Guilherme, o que determina se organizações públicas são ou não eficientes é a forma de gestão 
Você acredita que a gestão profissional, com especialistas ocupando pastas públicas, seria mais eficiente que o modelo adotado hoje?

Sem dúvida. Tal como na inciativa privada, é importante buscar o mais qualificado para ocupar cada cargo. 

Em Ribeirão Preto, quais as políticas públicas implantadas pelo governo Duarte Nogueira que merecem ser destacadas?

O Duarte Nogueira assumiu a Prefeitura de Ribeirão Preto em meio a um verdadeiro caos financeiro e político, com salários atrasados, funcionários desmotivados e a população descrente na classe política. Nunca na história da cidade outro grupo foi pego com práticas tão corruptas e que prejudicaram tanto o erário. Nos primeiros meses do atual mandato, foi possível ao prefeito apenas tentar colocar a casa em ordem, buscando o equilíbrio dos cofres públicos e a reorganização da estrutura municipal. Assim, ainda não foi possível à prefeitura realizar ações que impactam direto a vida dos ribeirãopretanos.
 
A Prefeitura e a Câmara de Vereadores de Ribeirão Preto estão tentando implantar corregedorias, controladorias e ouvidorias. Você considera isso válido? Quais os benefícios que podem ser alcançados?

Caso sejam instaladas corregedorias, controladorias e ouvidorias, realmente com autonomia e independência, elas permitirão à sociedade maior fiscalização dos atos dos poderes Legislativo e Executivo de Ribeirão Preto, além de criar mais um canal de comunicação com a sociedade, que poderá fazer denúncias e acompanhar as soluções de problemas acusados e investigados. 
 
 É possível que, através da atuação dos setores fiscal e fazendário, o município consiga progredir, mesmo nesses períodos de queda na receita?

Esses setores devem ser extremamente criativos para aumentarem a receita. Precisam criar mecanismos de recuperação de créditos como, por exemplo, as execuções das dívidas ou, ainda, a proposta de programas de refinanciamento de dívidas. Isso, além de dar oportunidade para que cidadãos e empresas fiquem em dia com a Fazenda Pública, o que ainda permite um aumento de receita nesse momento de crise.

Nas organizações públicas, quem são os principais personagens envolvidos diretamente na saúde financeira do município?

Todos os órgãos da administração pública são responsáveis pela eficiência no uso do dinheiro público, no entanto, as decisões mais importantes para destinação de recursos estão nas mãos do Poder Executivo e sua equipe. No caso das prefeituras, o prefeito e o secretário da Fazenda.
 
De que forma eles estão se preparando para fazer uma gestão financeira eficiente nas organizações públicas?

Esse é um problema. Muitas vezes, temos apenas políticos ocupando esses cargos e não gestores. Quando o prefeito é um bom político, mas não tem prática de gestão, ele deve se cercar de uma equipe extremamente capacitada para auxiliá-lo nas melhores decisões.
 
A área da administração tem sofrido interferências de várias áreas correlatas (coaches, psicólogos e consultores) que vendem novas teorias. O senhor considera isso válido ou, na prática, poucos resultados são alcançados?

Vamos ter certeza da efetividade a médio e longo prazos, mas considero sempre válidas novas teorias que buscam tornar as situações melhores do que são hoje. O acúmulo de conhecimento de diferentes áreas tende sempre a colaborar com a evolução das organizações. É assim com a iniciativa privada e tende a ser assim também com as públicas.
 
Recentemente, o Centro Universitário Estácio realizou o 6º Seminário de Gestão Pública Fazendária. Qual a sua avaliação sobre o evento?

Eventos como esse são de grande importância para o setor público, pois proporcionam um espaço de compartilhamento de conhecimento e de boas práticas. Eles tendem a mostrar o que de melhor está acontecendo em diferentes lugares. Isso permite o aprimoramento da gestão pública. 

Entrevista Guilherme Moretti | Texto: Máisa Valochi Fotos: Júlio Sian

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