A alavanca do agronegócio

A alavanca do agronegócio

O professor Marcos Fava avalia que os indicadores são favoráveis ao desempenho do agronegócio em 2017, que deve alavancar outras atividades econômicas, mas o setor sempre está exposto aos riscos

Professor titular da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA) da USP de Ribeirão Preto, Marcos Fava Neves respira agronegócio durante as 24 horas do dia. Residente em Ribeirão Preto, o professor é ativo participante dos eventos nacionais e internacionais focados em agronegócio. É o autor do “Ribeirão Preto: Capital Brasileira do Agronegócio”, denominação encontrada em totens nas entradas da cidade.

É membro do Conselho da Orplana, maior entidade do país representante de fornecedores de cana-de-açúcar, e integra o conselho científico e participa de projetos de pesquisa da Markestrat, junto com outros 50 pesquisadores. Fora o campus da USP ribeirãopretana, onde leciona oito disciplinas de graduação e duas de pós-graduação (mestrado e doutorado) a cada ano, Fava dedica-se também à Universidade de Buenos Aires, desde 2006 e à Universidade de Purdue, nos EUA, desde 2013. Em ambas é professor visitante internacional. Para avaliar a situação do agronegócio brasileiro, o professor concedeu a entrevista a seguir.

O agronegócio é mesmo a salvação da economia brasileira em 2017 ou há riscos? 
Vem sendo o salvador nos últimos 15 anos e será mais ainda neste também. Teremos um ano melhor para a economia mundial, para a economia brasileira e para o agronegócio. O mundo deve crescer 3,5%, puxando o mercado de alimentos, o Brasil saiu da marcha ré e está na direção correta, deve crescer 2% no ultimo trimestre deste ano e 3% ano que vem. Na Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD), a projeção é de que um maior crescimento dos EUA puxará também a economia mundial, mas essa alta americana deve chegar perto de 2%. 

Seja qual for, o crescimento mundial ajuda a recuperar os preços das commodities?
Sim. Ajuda na recuperação dos preços das commodities e melhoram os termos de troca dessas com outros bens industriais. Além disso, recupera também o saldo comercial brasileiro, dá força à moeda ajudando no controle da inflação e impulsiona a arrecadação de tributos. Caindo a inflação, podem cair, mais rapidamente, os juros, que drenam nossa atividade econômica, e com isto voltam os investimentos e o crescimento. Fora isso, as reformas [da Previdência, Tributária, Política, do Trabalho ajudam a reduzir a percepção de risco da nossa economia e atraem investidores ávidos para colocar recursos no Brasil. Fica a nossa torcida para que o presidente Michel Temer consiga aprovar as reformas estruturantes que o Brasil precisa. Só temos 2017 para fazer isto, pois em 2018 tem eleições. Tenho esperança de que 2017 entrará para a história como o ano das grandes reformas modernizantes pró-geração de renda e, consequente, distribuição sustentável de renda.

Fava Neves: o etanol brasileiro é uma pérola que a sociedade temQual o peso da agricultura no PIB do país?
A agricultura deve ajudar o Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro já no primeiro trimestre do ano, que deve avançar 0,4% ante o mesmo período de 2016. Isso graças à produção e às exportações de produtos agrícolas. A boa produção, recomposição de estoques e os preços dos grãos ajudam o setor de proteína animal a se recuperar, mesmo com o consumo do mercado interno sem reagir por conta da crise econômica. O que deve atrapalhar um pouco o crescimento é a recente trapalhada no setor de carnes, que é classe mundial, emprega milhões de pessoas, brinda a sociedade brasileira com mais de US$ 12 bilhões de exportações por ano. O setor de carne foi injustamente atacado por nossas instituições e parte de nosso povo, que generalizou um problema extremamente localizado e conseguiu destruir um trabalho de décadas. Exemplo de “fogo amigo”.
 
Os preços dos produtos agro estão em alta?
Sim. Este é um ano especial, pois teremos produção recorde com bons preços. O índice mensal da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO/ONU) alcançou 175,5 pontos em fevereiro, alta de 17,2% sobre o mesmo mês de 2016. É também o maior número desde fevereiro de 2015. Quem ajudou foram os cereais, com crescimento de 2,5%, lácteos (0,6%), açúcar (0,6%) e carnes (1,1%). A única queda foi na categoria de óleos vegetais. Não lembro, na minha história em Ribeirão Preto, de começarmos um ano como este, onde praticamente em todas as culturas cultivadas pelas pessoas que moram aqui, temos perspectivas de boas produções e bons preços, desde cana, laranja, café, grãos, entre outros.

Mas há riscos? 
Sim. Além dos riscos que nós mesmos criamos, como este da carne, devemos considerar que há oferta abastada chegando tanto na produção do Brasil como na previsão da safra dos Estados Unidos. Isso provoca o fator baixista de preços. Temos que torcer para que os chineses e a turma do outro lado do mundo comam bastante neste ano. É lá que as coisas acontecem e acontecerão. Saiba que dos 9 bilhões de consumidores que o mundo terá em 2050, simplesmente 80% estarão na Ásia e na África. Riscos climáticos, de pragas e doenças, de preços sempre existem e são incontroláveis. 

A safra maior de grãos e a queda de juros, no entanto, ajudam a puxar o PIB agrícola para cima? 
Sim. A boa safra e a queda dos juros devem dar mais ânimo ao setor de insumos agropecuários e a todos os que dependem e se beneficiam da renda do agronegócio. Em março, a Companhia Nacional do Abastecimento (Conab), do Ministério da Agricultura, revisou para cima a estimativa de safra, agora em 222,9 milhões de toneladas. Em fevereiro eram estimadas 219,1 milhões de toneladas. É uma estimativa quase 20% acima da safra passada, fruto de ganhos de produtividade e de clima. O trabalho dos nossos produtores rurais impressiona. São prêmios Nobel mundiais, pois conseguem produzir esta enormidade enfrentando este cipoal de obstáculos que o Brasil coloca nas áreas de falta de crédito, altas taxas de juros, custos de seguros, legislação trabalhista arcaica, condições de logística degradadas, criminalidade crescente, extorsão por parte de agentes públicos, complexidade tributária e imprevisibilidade. Lutam contra tudo isto sem esquecer um aspecto importante: a fábrica do produtor rural não tem teto. De uma hora para outra, o agricultor pode ter grande perda por evento climático, pragas, doenças e outras adversidades.

Pelos dados divulgados até o momento, sobre o primeiro bimestre do ano, há motivos para celebrar o avanço do agro?
Sim. O agro gerou superávit de US$ 4,8 bilhões em fevereiro de 2017, com exportações de US$ 5,9 bilhões (11,6% a menos que em fevereiro de 2016) e importações de US$ 1,1 bilhão (15,1% a mais que em fevereiro do ano passado). Mesmo com o show da soja, que gerou US$ 1,7 bilhão, o resultado de fevereiro decepciona um pouco nas outras cadeias. No primeiro bimestre do ano, exportamos quase 1% a mais que no mesmo período de 2016, um valor de US$ 11,9 bilhões. 

Qual a perspectiva para 2017?
A nova estimativa para o valor bruto da produção (VPB) agrícola e pecuária é de R$ 547,9 bilhões em 2017. Equivale a uma alta de 3,2%, ou R$ 16,9 bilhões, sobre 2016. A soja, com crescimento de 7% sobre 2016, deve gerar R$ 124,7 bilhões. O milho deve avançar 33,6%, para R$ 55,7 bilhões. Já a cana projeta R$ 54,6 bilhões, 2,2% acima do ano passado. É mais renda chegando também a Ribeirão Preto e a região. Já estou sentindo em minhas conversas diárias no comércio, construção civil e outros. Acho que começamos a sair do buraco. 

Em que situação se encontra a cana-de-açúcar?
Há sinais de que os piores momentos do setor sucroenergético estão ficando no passado. A safra nas usinas da região Centro-Sul do país terminou, oficialmente, no fim de março e deve alcançar 605 milhões de toneladas de cana, acima das previsões negativas que projetavam bem menos. Grandes empresas do setor, como a Biosev e a São Martinho, com usinas na região de Ribeirão Preto, devem investir 20% a mais na safra que se inicia, principalmente em lavouras e em aumento de produtividade. A Tereos, antiga Guarani, também com usinas na região, anunciou R$ 60 milhões para ampliar a área agrícola, ou seja, os investimentos dão sinais de vida. 

Agricultura garantirá crescimento para o PIB brasileiroO que acontece com o açúcar? 
Não será igual a 2016, que foi muito bom, mas as projeções indicam que este também será um ano favorável para o açúcar produzido pelas usinas da região de Ribeirão Preto. A Organização Internacional do Açúcar (OIA) prevê uma falta de 5,3 milhões de toneladas na safra mundial a ser encerrada no fim de setembro. Para a próxima safra mundial, a projeção é de que não haverá mais déficit, e sim um pequeno superávit. De forma geral, as usinas do Centro-Sul brasileiro devem moer 600 milhões de toneladas de cana, mas se o Petróleo cair de preços mais ainda e desestimular o uso do etanol hidratado, pode derrubar os preços do açúcar na safra. Algum evento climático também pode mudar isso. Estão prevendo que a Índia se recupere em 2017/18, mas é difícil saber. Torço para que não!

Quais as projeções para o etanol? 
Aqui tenho esperança de mudanças. Está em gestação adiantada no Governo um novo plano, chamado de RenovaBio, que tentará criar tributos diferenciados por emissões de carbono, em linha com a modernidade global. O setor de cana pode passar por um novo ciclo de investimentos tal como o do Proálcool em 1974/75 e o do carro flex em 2003/2004. Pela meta colocada pelo governo brasileiro, na reunião do clima de Paris (2015), teremos que produzir 54 bilhões de litros em 2030, ante os 29 bilhões feitos agora. Se seguirmos a meta, abre-se um espaço para mais 3 milhões de toneladas de cana e entre 60 a 80 novas usinas em 13 anos!

O etanol brasileiro é visto como sustentável no mundo? 
Sim, é uma pérola que a sociedade brasileira tem, uma das poucas atividades que nas minhas viagens internacionais, percebo admiração pelo Brasil. A sustentabilidade tem três pilares, o econômico, o social e o ambiental. No pilar econômico, a expansão do etanol permitirá a geração pura de valor: acelerar o PIB brasileiro com investimentos, movimentando a indústria de bens de capital (Sertãozinho), de terras, imobiliária, projetos, insumos agrícolas (mudas, fertilizantes, defensivos entre outros) com a expansão produtiva milhões de hectares a serem retirados de áreas de pastagens degradadas que podem ser aptas à cana. Temos que construir de 50 a 80 novas unidades industriais (5 a 8 por ano). Permite a melhoria da balança comercial, agregando, possivelmente, mais US$ 8 bilhões por ano em açúcar e diminuindo/praticamente zerando importações de outras fontes de energia (petróleo, gasolina, diesel, eletricidade...). Permitirá a melhoria da arrecadação de impostos federais, estaduais e municipais, algo que estimo em US$ 19,2 bilhões de impostos por ano em 2030 e finalmente, promover a interiorização do desenvolvimento do Brasil.
 
Quais as perspectivas para o pilar ambiental da sustentabilidade do etanol? 
No ambiental, poderemos cumprir com as metas colocadas na reunião de Paris e fazer o Brasil ser cada vez mais percebido como um dos mais verdes do mundo, criando oportunidades comerciais, o chamado “low carbon country”. Teremos melhoria da qualidade do ar nas grandes concentrações urbanas advindas das menores emissões do etanol (15% em relação ao total emitido pela gasolina). Isto, segundo uma pesquisa da USP, reduzirá emissões de 571 milhões de toneladas de gás carbônico, podendo evitar a morte de cerca de 7 mil pessoas no período e uma redução de mais de US$ 80 bilhões para o Sistema Único de Saúde (SUS). Temos outros benefícios também de melhoria da conservação de áreas agrícolas, reservas e outros recursos naturais. Utilizaremos fontes de energia renováveis e limpas vindas da biomassa e a geração de energia no local onde é consumida, evitando desperdícios de transporte.

Quais os benefícios gerados pelo pilar social da sustentabilidade do etanol? 
Se o Brasil cumprir sua meta, este benefício social é um dos mais importantes, pois precisamos gerar oportunidades para as pessoas se inserirem. Geração direta de empregos para as novas usinas e áreas agrícolas, que estimo em 80 mil empregos diretos e cerca de 240 mil indiretos, de boa remuneração. Criação de oportunidades sustentáveis descentralizadas pelo país, permitindo a muitos outros municípios do Brasil a revolução ocorrida em municípios que receberam usinas. Fizemos estudos isso, como é o caso de Quirinópolis (GO), que entre outros indicadores, tinha 700 empresas antes da chegada de duas usinas (2005) e logo após tinha 3.300 empresas na cidade, abrindo diversos negócios relacionados ou não à cana. Fora isto tudo, teremos a possibilidade de uso dos impostos adicionais em políticas de inserção social e distribuição de renda, o empoderamento local, o fortalecimento do empreendedorismo e modelos de suprimento de cana com produtores integrados, especializados, contribuindo em maior distribuição de renda. A renda anual das lavouras de cana pode subir de R$ 54 bilhões para algo próximo a R$ 90 bilhões em 2030. Estamos perante uma oportunidade de ouro que a sociedade brasileira não pode perder. 

Texto: Delcy Mac Cruz

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