Além da direção artística

Além da direção artística

Ciente da condição atual da OSRP, Parcival Módolo assume atividades que não fazem parte de sua agenda na tentativa de colaborar para a superação da crise

Além da expertise dos músicos que compõem a Orquestra Sinfônica de Ribeirão Preto (OSRP), outros fatores  contribuem para que o grupo musical mantenha a qualidade, apesar da crise enfrentada há algum tempo. Um deles é a presença do diretor artístico, que organiza a temporada oficial, supervisiona os programas e concertos, assim como orienta as questões musicais. 

Na OSRP, esse cargo é ocupado pelo maestro Parcival Módolo, que, além da experiência adquirida em regência nas principais cidades brasileiras, completou seus estudos de regência na Westfälische Landeskirchenmusikschule, em Herford, na Alemanha, onde obteve grau de mestrado com especialização em música dos séculos XVII e XVIII. 

Foi discípulo de Nikolaus Harnoncourt, Zubin Mehta, M. Stefani e Sergiu Celibidache; fez doutorado na Universidade do Sul da Califórnia, em Los Angeles. É coordenador geral da Divisão de Arte e Cultura do Instituto Presbiteriano Mackenzie,  e do Curso Livre de Música Sacra do JMC, ambos em São Paulo, além de membro da American Choral Directors Association (ACDA). 

Parcival dirige, regularmente, diferentes orquestras brasileiras e, no exterior, é Gastdirektor da Orquestra do Teatro da Ópera de Bielefeld, na Alemanha, e maestro visitante da Orquestra Sinfônica de San Diego, nos Estados Unidos. Em 2003, foi nomeado consultor oficial do Festival Internacional de Música de Cuzco e, em 2004, maestro permanente das orquestras jovem e juvenil de Lima, no Peru, recebendo honraria semelhante da Orquestra Nacional de Cuba, com sede em Havana. Em 2006, convidado para dirigir o encontro anual de regentes e o festival de música em Santa Cruz de La Sierra, na Bolívia, foi nomeado coordenador do encontro e diretor da orquestra e do coral para todas as próximas edições do festival.

No Brasil, estruturou a Orquestra Sinfônica Municipal de Americana, tornando-se seu regente titular e diretor artístico por 14 anos. Atualmente é maestro principal da Orquestra Sinfônica Collegium Musicum de Potsdam, na Alemanha. Nesta entrevista, Parcival conta sua experiência à frente da OSRP e sobre a temporada 2017. 

À frente da OSRP, Parcival prima pela qualidade técnica Revide: Há quanto tempo atua como diretor artístico e maestro titular da Orquestra Sinfônica de Ribeirão Preto?
Parcival:
Em outubro de 2014, fui convidado para reger a OSRP em um concerto oficial. Terminada a apresentação, uma comissão da Orquestra procurou-me, perguntando se eu aceitaria assumir a direção. Naquela ocasião, não pude aceitar, mas, alguns meses mais tarde, no inicio do ano 2015, o então presidente da Associação Musical, Cyrilo Gomes, procurou-me, insistindo para que eu assumisse o cargo. Embora eu ainda não pudesse ser o maestro titular, propus me tornar diretor artístico.  Em 2016, finalmente, assumi também a regência titular da OSRP.

Além desses cargos, é o maestro principal da Orquestra Sinfônica Collegium Musicum de Potsdam, na Alemanha. Como se divide entre essas funções?
Meu trabalho com a orquestra alemã é bem anterior à minha vinda para a OSRP. Começou há muitos anos, quando eu já regia uma orquestra naquele país europeu, na Westfalia, região onde eu havia estudado e regido vários grupos de músicos. O maestro da orquestra de Potsdam me conheceu num concerto da Orquestra Sinfônica Municipal de Campinas — na ocasião, eu era o maestro titular — e, sabendo do meu contato de muitos anos com a Alemanha, convidou-me para reger a orquestra. Primeiro só um concerto, como convidado; depois passei a voltar anualmente. Até que me foi feito o convite para me tornar o maestro principal. Isso significa trabalhar em conjunto com o maestro residente, tanto na programação de concertos, quanto na regência da orquestra algumas vezes por ano. Tudo é programado com enorme antecedência, como é comum na Alemanha, o que me permite organizar muito bem minha agenda na OSRP. O mesmo acontece em outros países. No Peru, por exemplo, fui nomeado, há muitos anos, maestro convidado permanente das orquestras de Lima e do movimento nacional de orquestras jovens, o que me leva ao país com mais frequência. Uma boa agenda resolve tudo. 

Ocupa alguma outra função, atualmente?
Sou coordenador geral da Coordenadoria de Arte e Cultura da Universidade Mackenzie, onde temos um bonito trabalho, que inclui grupos de teatro, cinema e música: 15 corais, uma orquestra sinfônica, muitos concertos e viagens, inclusive internacionais. Também tenho compromissos com diferentes orquestras em outros países, as quais costumo reger regularmente. Estou também envolvido com o mundo acadêmico, ensinando tanto no próprio Mackenzie, quanto em outras instituições.

Quantos músicos havia na ORSP quando a assumiu e quantos existem hoje?
Temos, hoje, em torno de 38 músicos, um grupo menor do que tínhamos há três anos.

Essa redução de contingente interferiu na qualidade técnica da OSRP?
A redução do tamanho de uma orquestra não interfere, necessariamente, na sua qualidade técnica. Algumas das melhores orquestras do mundo são “orquestras de câmara”, formadas por 15 ou 20 músicos. A enorme crise que assolou a OSRP, bem antes da minha chegada, resultou na impossibilidade de manter em dia os salários dos músicos, o que obrigou muitos a se afastarem, em busca de outro trabalho. Assim, a redução da OSRP, primeiramente, não foi uma opção da direção: foi uma terrível e inevitável circunstância. Nossa decisão, diante da crise, foi sobreviver a qualquer custo e, para isso, tentamos viabilizar nosso grupo a partir dos músicos que aceitaram continuar conosco. A atual administração decidiu não contratar novos músicos, esforçando-se por cumprir os compromissos salariais de um grupo menor — o que ainda não é possível, infelizmente — evitando dívidas trabalhistas ainda maiores. Também é função de um diretor artístico prever programas de concertos possíveis com o grupo disponível. É trabalho dele conhecer bem seus músicos e procurar repertórios que possam ser executados com qualidade técnica e musical. Assim sendo, apesar da redução do número de músicos da Orquestra, não baixamos o nível técnico dos concertos oficiais.

Qual é a sua percepção sobre a Orquestra Sinfônica desde que assumiu a direção artística e regência?
Digo a todos os meus amigos e colegas, também aos de outros países, que a característica mais marcante dos músicos da OSRP é a resiliência, isto é, a capacidade de resistir e persistir nos momentos mais difíceis. De vergar-se para não quebrar! Você conhece muita gente que concordaria em trabalhar sem receber salário por sete meses ou mais? Continuar trabalhando, mesmo sabendo que não há uma perspectiva de resolução imediata do problema? É assim que enxergo nossa orquestra: resiliente! 

Cabe ao maestro organizar a temporada oficial, supervisionar os programas e concertos, orientar sobre questões musicais Como diretor artístico da OSRP, o que tem feito para contribuir para que a orquestra se levante e supere a crise? 
Um diretor artístico tem função musical apenas. Em princípio, não deveria se importar com questões financeiras e trabalhistas. No nosso caso, no entanto, é fundamental que eu me preocupe com isso. Decidi, portanto, trabalhar em várias frentes: montar programas variados e atraentes para os concertos oficiais, interessantes e curiosos para o público, inclusive para jovens e crianças, visando ao aumento da presença do público nos concertos oficiais, o que temos conseguido. Decidi, também, visitar possíveis parceiros, que apoiem financeiramente e em longo prazo a OSRP. Fazer outras atividades musicais além dos concertos, como a série de aulas-show no SESC, um projeto lindo que chamamos de Sextas de Música, e que foi um sucesso no ano passado; ou visitas-palestras em escolas do município e da região. Consegui diversificar a “visibilidade” do maestro e, consequentemente, da Orquestra, como nos breves programas radiofônicos em parceria com a Radio CBN, nos quais falo de uma obra musical contando algo divertido ou curioso sobre a mesma, ouvindo, a seguir, um trecho dela, tudo em um espaço de tempo de um ou dois minutos. Também lutamos para intensificar a presença da Orquestra nos municípios da região, oferecendo concertos em teatros, auditórios, igrejas da região metropolitana, aumentando o alcance do trabalho da orquestra. Bem, poderíamos seguir enumerando muitas outras pequenas, mas importantes ações semelhantes a estas, todas visando ao crescimento da OSRP e à superação da terrível crise que ainda enfrenta.

Acredita que a nova diretoria está no caminho certo para restaurar a saúde financeira da Associação Musical de Ribeirão Preto? 
Sim, sinto que há esforço enorme, tanto para administrar bem o que já temos, quanto para criar novas fontes de recursos para a Orquestra. É necessário ressaltar que os membros da diretoria não são funcionários remunerados: têm seu trabalho, sua atividade profissional, o que limita sua disponibilidade de tempo para as necessidades da OSRP. Ainda assim, o esforço, repito, é enorme, e o rumo que decidiram caminhar é o correto. Quero aqui lembrar que a Orquestra, apesar de ser talvez o mais significativo patrimônio cultural do município, não recebe qualquer investimento público, nem do município, nem do Estado. Isso é difícil de explicar para colegas maestros estrangeiros, mas é a realidade em Ribeirão Preto. Espero muito que a OSRP possa voltar a ter apoio financeiro da Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto, que é sempre simpática ao nosso trabalho e, estou certo, estará disposta a ajudar quando for possível.

Em agosto, o diretor artístico e regente titular da Orquestra Sinfônica Collegium Musicum Potsdam, da Alemanha, regerá a Orquestra Sinfônica de Ribeirão Preto. O que o público pode esperar desse concerto?
Um concerto que se encaixa exatamente no modelo que descrevi acima: atraente para o público, diversificado, interessante. Veja que, no programa, ao lado de uma célebre sinfonia de Beethoven, está uma série de temas de filmes e trilhas sonoras: música de cinema. Beethoven sempre faz sucesso com todos os públicos, e música de cinema é coisa que está no ouvido da gente, dá vontade de cantar junto com a orquestra.

Que outros grandes eventos a OSRP promete para o público em 2017?
Costumo dizer que os grandes eventos de uma orquestra profissional devem ser os concertos oficiais. Este é o eixo central da sua atividade, a razão da sua existência. São os concertos oficiais que modelam seu som, que fazem amadurecer seus músicos, que mostram sua capacidade musical, que fidelizam seu público. Os verdadeiros “clientes” de uma orquestra são os frequentadores habituais e fiéis, que acompanham sua rotina e seus concertos oficiais.  Assim, quero convidar a todos para a linda temporada 2017, que já está na segunda etapa, mas que reserva ricos programas de bonitas obras musicais até o final do ano. Além disso, há produções complementares, ópera, música de câmara, que insisto que acompanhem através da mídia local e das informações do site da orquestra. No fim do ano, em dezembro, o evento maior, que costumamos chamar de “Natal Luz”, será dia 16 de dezembro, com participação de coros e cantores de toda a região. Imperdível, assim como toda a programação da nossa OSRP, que, na verdade, é a sua orquestra. 



Texto: Carla Mimessi
Fotos: Ibraim Leão

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