Animais que cuidam

Animais que cuidam

Graças trabalho de adestramento voltado ao suporte terapêutico que realiza, o adestrador Adoniran Thomaz chamou a atenção do público durante sua palestra no TEAbraço 2017

No Dia Mundial da Conscientização do Autismo, 2 de abril, foi encerrada a terceira edição do TEAbraço, evento que objetiva disseminar informações sobre o universo autista, contribuir para a inserção de portadores dos Transtornos do Espectro Autista na sociedade, trazer novidades sobre o assunto e quebrar preconceitos. Em sete dias, o Shopping Iguatemi recebeu, além de um workshop internacional, cursos de capacitação, exposição, atividades de lazer e palestras direcionadas a profissionais, familiares e interessados no assunto.

Ao lado de Fanta, Adoniran Thomaz explica como os cães podem ajudar em terapias assistidasO adestrador Adoniran Thomaz foi um dos palestrantes deste ano. Em sua segunda participação no evento, o zootecnista se surpreendeu com o interesse do público, que lotou a Livraria Cultura no dia 28 de março. Na palestra, Dino, como é conhecido, recordou sua história ao lado de Kaoma, a rottweiller que o ensinou que os animais podem ser bons terapeutas. A relação da dupla foi tão intensa que Dino dedicou à parceira o livro “Um anjo chamado Kaoma”, quando a cachorra faleceu, depois de 10 anos de convivência. O adestrador segue seu trabalho ao lado de Fanta, uma retrievers cheia de vida. No evento, destacou que é possível treinar o cão da família e transformá-lo em um excelente auxiliar terapêutico. 

O que o levou a escolher o adestramento como profissão?
Adoniran:
Aos nove anos, acompanhei meu pai em uma apresentação dos cães da Polícia Militar na cidade onde eu nasci, Piumhi, Minas Gerais. Na ocasião, fiquei encantado com os truques magníficos dos pastores alemães. Assim como os animais, a educação e a postura dos adestradores me encantaram. Quando voltei para casa, passei a treinar minha vira-lata. Logo eu tinha um cão andando junto, sentando, deitando, dando a pata, fingindo de morto e rolando ao meu comando. Para uma criança de nove anos, aquilo era uma enorme realização. Acho que aquela experiência revelou um dom, pois nunca havia feito nenhum curso. É por isso que costumo dizer que sou adestrador por amor. A profissão foi uma consequência.

Sempre alimentou uma relação especial com os bichos?
Sim. Sou daqueles que, quando ia comprar pão, voltava com um filhote de cachorro que havia achado na rua e deixava minha mãe brava. Quando acompanhava meu pai no trabalho — ele prestava serviços em diversas fazendas — ficava olhando os bichos e tentando interagir com eles. Com os cães, essa interação sempre foi especial.

Como se tornou um adestrador?
Não foi fácil, pois não é só a confiança do animal que temos que conquistar. Antes de tudo, é preciso conquistar o proprietário, que certamente não vai entregar seu amigo de quatro patas na mão de quem não conhece bem. Para isso, procurei mostrar meu trabalho, primeiro, a alguns veterinários e fui, aos poucos, comprovando que sabia ensinar sem tapas e pontapés, como ainda se imaginava 20 anos atrás. Nesse processo, a Kaoma, a rottweiler a quem dediquei um livro, foi fundamental. Eu agendava uma consulta para ela — pagava normalmente — só para mostrar ao veterinário como ela era bem treinada. Todos ficavam impressionados com sua educação e queriam saber quem era seu adestrador. Assim, comecei a ser indicado por eles a seus clientes e o trabalho foi crescendo.

Acredita que a relação entre o ser humano e os animais é transformadora? Em quais sentidos?
Certamente essa é uma relação muito mais transformadora para o homem do que para o animal. Acredito que os cachorros, especialmente, ensinam a prestar mais atenção e a pensar melhor a cada ação. Cães já sabem o que é amor incondicional, lealdade e alegria, por exemplo, e o ser humano pode aprender muito com eles. No entanto, recomendo pensar 50 vezes antes de concretizar o sonho de ter um animal de estimação. Isso porque ele é muito mais do que uma “ferramenta” para determinado fim; ele irá requerer atenção, exercícios físicos e cuidados com a saúde, por exemplo. Por outro lado, quem se dispõe a oferecer tudo isso a eles terá de volta muito carinho e gratidão. Os cães nunca reclamam e, sem dúvida, demonstrarão lealdade até o último dia de suas vidas.

Foi assim com a Kaoma?
Kaoma era meu anjo. Foi ela que me mostrou que o sucesso profissional não está no retorno financeiro do seu trabalho, mas no quanto é possível se sentir digno através dele. Para mim, todo cão tem o poder de deixar um pedacinho dele em cada pessoa, mas Kaoma deixou tudo de maravilhoso em nossa família. Ao mesmo tempo, quando ela se foi, levou um enorme pedaço nosso com ela. Apesar do enorme vazio que ela deixou, ficou também um caminho lindo iniciado através dela.

Por que decidiu escrever um livro sobre ela?
Os animais são poderosos aliados na inserção de pessoas com deficiências na sociedadeDesde que a Kaoma entrou na minha vida, estávamos sempre juntos. Desde o primeiro dia, resolvi compartilhar nossa relação nas redes sociais, conquistando muitos seguidores também apaixonados por animais, especialmente, por rottweleirs. Essas pessoas acompanharam o processo que a transformou em um cão terapeuta e pediam para que eu continuasse a dividir nossa experiência. Em certo momento, passei a ser conhecido como o “Dino da Kaoma”. Foi por isso que, na sua partida, senti como se tivesse sido mutilado. Quando percebi que toda nossa história já estava ali, registrada nos relatos que iam para a internet, resolvi transformar o material em livro e, ainda, eternizar nossa relação de companheirismo. Gastei todas as minhas economias no livro, mas valeu a pena porque sinto que cumpri minha parte. Dessa forma, consegui retribuir um pouco daquilo que ela me deu nos 10 anos que passamos juntos. 

Foi ela que te mostrou que do contato com os bichos podem surgir benefícios para a saúde?
Sim. À medida que a Kaoma ia evoluindo em seus treinamentos, passamos a visitar regularmente asilos, creches, hospitais, escolhas e muitas outras instituições. Também comecei a fazer trabalhos com crianças especiais individualmente e os resultados sempre apareciam. Fizemos muitas atividades assim, gratuitamente, aos sábados e domingos ou à noite, depois do trabalho. Com muita sutileza, Kaoma era objetiva e ajudava as pessoas a conquistarem seus objetivos rapidamente.

Há pesquisas científicas que demonstram resultados nesse sentido? 
Sim, diversos trabalhos comprovam os benefícios dos cães como auxiliares em atividades em terapias assistidas. No entanto, ainda falta apoio para que esses resultados sirvam como base para o reconhecimento de um novo modelo terapêutico, como já aconteceu, por exemplo, com a equoterapia. Eu creio que os benefícios não se restringem a um tipo de paciente ou limitação; para colher bons frutos de uma relação saudável com um cão bem treinado — sejam físicos ou psicológicos — basta ter afinidade com o animal e dedicação ao trabalho proposto.

Com essa finalidade, em que consiste seu papel de adestrador?
Meu papel é reconhecer o cão mais adequado e treiná-lo apropriadamente. Para isso, é preciso buscar sua socialização, acostumá-lo a barulhos, toques e materiais que fazem parte da rotina daquele paciente. Também faz parte do papel do adestrador reconhecer os sinais estresse do cão durante as sessões de treinamento e não ultrapassar seus limites físicos e emocionais. Para que tudo aconteça da melhor forma possível, é muito importante estabelecer uma parceria com o fisioterapeuta, o psicólogo ou o cuidador daquele paciente, pois será somente com o seu envolvimento em determinada ação ou dinâmica que os resultados poderão aparecer.

Quanto tempo pode levar o treinamento de um animal para fins terapêuticos?
Um cão terapeuta nunca terá seu treinamento finalizado. Isso porque seu aprendizado é constante, uma vez que as situações do dia a dia mudam o tempo todo. Nesse sentido, cada situação, pessoa e lugar que é apresentado o leva a uma nova adaptação, que passa a ser natural com os treinamentos. No entanto, para iniciar um trabalho terapêutico diretamente, o adestramento costuma levar em torno de seis meses. Para um trabalho indireto, três meses de treinamento costumam ser suficientes. 

Há raças mais ou menos recomendadas para atividades dessa natureza?
Todo cão, independentemente da raça, pode passar por uma seleção prévia que o credencia ao treinamento para se tornar um terapeuta. Eu mesmo já treinei rottweiler, pitbull e pastor alemão. Também destacaria as raças stafforshire, west e terrie brasileiro, mas são os retrievers os mais utilizados nesse tipo de adestramento, pois costumam ser mais dóceis. No entanto, eles também precisam passar por um teste de aptidão que ateste sua predisposição. 

O que mais engloba o trabalho de um adestrador?
Um adestrador ajuda a melhorar a relação do dono com seu cão. Esse profissional utiliza sua habilidade e seus treinamentos para unir a linguagem do homem e a linguagem canina. Um bom adestrador deve estar sempre em busca de novos meios para se comunicar melhor com os animais. Costumo ressaltar que adestrar não é transformar o cão em um robozinho. Também não é possível, ao final do adestramento, entregar um controle remoto para o proprietário, para que ele possa pedir os comandos corretamente ao animal. Faz parte da nossa atividade mostrar para o dono que o cão é o melhor amigo do homem, sim, mas isso deve ser recíproco, ou seja, ambos precisam se tornar amigos. Para isso, o proprietário também tem que fazer o dever de casa, ou as aulas do animal com o adestrador serão em vão.

Como foi participar, pela segunda vez, do TEAbraço?
O evento como um todo foi magnífico. Após a palestra, tive a oportunidade de passar por outras atividades reunidas no Shopping Iguatemi e fiquei impressionado. Em relação ao meu trabalho, não esperava tamanho interesse do público e aproveito esta chance para agradecer a todos que compareceram. Na minha opinião, o TEAbraço, literalmente, abraça as pessoas que convivem com os Transtornos do Espectro Autista, principalmente, mães e pais que não se cansam de buscar alternativas para melhorar a qualidade de vida de seus filhos. Além de informação, ali, as famílias encontram apoio, inclusive, emocional, pois percebem que não estão sozinhas no convívio com o autismo. Isso ajuda a lidar melhor com o diagnóstico. O evento também beneficia a sociedade, pois informação é a principal forma de combater o preconceito e qualquer dificuldade de convivência com o diferente. No entanto, vale lembrar que somos todos diferentes, com defeitos, qualidades, sonhos e dificuldades. Só tenho a agradecer aos organizadores por permitirem que eu participe, de uma forma ou de outra, desse processo com o pouco que sei. 


Texto: Luiza Meirelles

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