A bola da vez

A bola da vez

Aceitando o desafio de treinar um Corinthians, de certa forma, desacreditado, o técnico Fábio Carille mostra o seu jogo e coloca em campo um time muito bem treinado

Quando Fábio Carille foi convidado para assumir o Corinthians, um dos maiores times do país, onde já atuava como auxiliar técnico, sua única preocupação era lidar com a imprensa, principalmente, enfrentando entrevistas coletivas. “Se um programa esportivo tiver uma hora, 40 minutos são dedicados ao Corinthians e o restante aos outros times. Então, é preciso saber o que se fala e como faz isso, porque, em cima do que se diz, pode vir um bombardeio. Dar treino, falar com os atletas e definir as estratégias de jogo é normal”, afirma Fábio, na entrevista exclusiva concedida à Revide em Sertãozinho. Hoje, a relação do técnico com a imprensa está bem tranquila.

A parte que ele chama de normal, referente ao seu trabalho propriamente dito, tem sido feita com maestria: o time que comanda desde o início do ano teve um desempenho de 83% no primeiro turno do Campeonato Brasileiro, de forma invicta. Mais do que isso, diante da liderança de Fábio, o Clube reconquistou a confiança dos torcedores e voltou a fazer jus ao gigantismo que carrega. A seguir, o treinador conta como vem desenvolvendo esse trabalho.

O técnico afirma que a sua linha de trabalho é parecida com a do TiteRevide: O Corinthians terminou o primeiro turno do Campeonato Brasileiro com um desempenho surpreendente de 83%, ganhou 47 pontos dos 57 disputados e, ainda, de forma invicta. A que você atribui tanto sucesso?
Fábio:
Atribuo a muito trabalho, empenho e dedicação de todos. É um resultado surpreendente sim. Somos a equipe que fez mais pontos em um turno, além do título do Campeonato Paulista. Até agora, são oito meses de um trabalho intenso, com resultado bastante positivo, e estamos muito felizes com tudo isso.

Você tem receio que, depois de um desempenho tão alto no primeiro turno, o time possa cair rendimento no segundo?
Sabemos que o segundo turno será muito mais difícil do que o primeiro.  Passamos a ser o time que deve ser batido. Todas as outras equipes se prepararão bem para jogar contra nós e temos que continuar com um trabalho intenso e nos preparando para cada jogo. Medo eu não tenho de nada. Eu gosto de trabalhar e de desafios. Ter aceitado a minha efetivação já foi um grande desafio, então, acredito que devemos continuar com os pés no chão, com bastante humildade e um trabalho forte.

Na sua entrevista, quando assumiu o Corinthians, você prometeu um time competitivo. A organização é a palavra-chave na sua filosofia de trabalho?
Organização e entrega de todos. É preciso ter dedicação, deixar tudo o que for preciso dentro de campo a cada jogo. Corintiano gosta disso. Há oito anos eu estava dentro do Corinthians como auxiliar e tinha que resgatar isso de alguma forma. No dia 11 de janeiro, iniciei o meu trabalho e, a partir desta data, já comecei a colocar na cabeça do atleta a importância da organização e da entrega em todos os jogos, como se fosse uma decisão.

Você desenvolveu um conceito tático de linhas bem definidas e próximas. Como isso funciona, na prática, em um jogo em que os atletas estão sempre em movimento?
Vou exemplificar com uma situação que sempre passo para os jogadores: se os laterais vão até o ataque para ajudar os atacantes a fazer gol — e, muitas vezes, até os próprios laterais fazem gol — por que os atacantes não podem ir até a defesa e ajudar a marcar? É um trabalho coletivo em que 11 jogadores titulares, ou um grupo de 30 jogadores, precisam pensar da mesma forma. Futebol é um trabalho coletivo e é necessária essa interação. Reforço essa linha, essa compactação, com muita conversa, com vídeos e, principalmente, com bastante trabalho de campo. 

Quando assumiu o Corinthians, acreditava que poderia transformar um time que não tinha tantos jogadores famosos em uma equipe de ponta do Brasileirão?
Não imaginava, assim como também tinha certeza de que nosso time não era tão ruim e que nosso ano não seria tão negativo quanto muitas pessoas falaram. Não imaginava ser Campeão Paulista, não imaginava fazer um primeiro turno desses no Campeonato Brasileiro, mas também tinha certeza de que não seria tão ruim quanto algumas pessoas previam.

Você nunca teve medo do gigantismo do Corinthians, já que quando assumiu o clube ainda não era um técnico de destaque? 
Por estar, há oito anos, no Corinthians como auxiliar e ter assumido o time por um mês no ano passado, em 16 jogos, fiquei fortalecido como profissional e tive a certeza daquilo que queria. Consegui comandar treinamentos e ministrar palestras com os atletas, e isso foi muito importante. Eu estava de férias, em Sertãozinho, no dia 21 de dezembro, e pediram para que eu fosse até São Paulo no dia seguinte. Eu vi que ainda não tinha ninguém anunciado como técnico, nada estava oficializado, e até cheguei a comentar com o meu pai que aquilo ainda ia “sobrar” para mim. Na hora que o nosso diretor de futebol, Flávio Adauto, e o gerente, Alessandro Nunes, perguntaram se eu queria o posto, não tive dúvida em aceitar e respondi que queria. Por já conhecer o clube em momentos bons — como auxiliar, foram oito títulos disputados — e em momentos ruins também — como, por exemplo, as desclassificações para o Tolima, na Copa Libertadores em 2011, e para o Atlético Mineiro, na Copa do Brasil, depois de ter feito um resultado bom em casa —, eu aprendi no dia a dia a conviver tanto com o sucesso quanto com o fracasso. Por isso, quando recebi o convite, aceitei sem temer.

Se o Tite e a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) te convidassem para fazer parte da comissão técnica que vai a Copa do Mundo da Rússia, você aceitaria? 
Em 2011, tive o prazer de trabalhar em uma Seleção Brasileira, na Copa América, com o técnico Mano Menezes. É o sonho de todo profissional de futebol participar de uma Copa do Mundo, mas, hoje, está mais distante. Para participar de uma competição dessas precisa tempo. Por tudo que está acontecendo, estou muito próximo de acertar a minha permanência no Corinthians por mais um tempo e devo me empenhar na disputa dos campeonatos. Então, sei que hoje é muito difícil, mas é o sonho de todo profissional. 

O que você aprendeu com o Tite e com o Mano Menezes que carrega na sua carreira?
Os dois têm a forma de trabalho em campo muito parecida, com linhas defensivas bem organizadas, muito trabalho e equipe bastante compacta, mas eu sou mais a linha Tite fora de campo: o meu jeito de ser é mais tranquilo, é mais paizão, vamos dizer assim. O Mano é mais bravo. Não que ele seja desrespeitoso, mas a forma dele é mais firme e enérgica. Cada um tem o seu jeito de ser e o meu é mais parecido com o Tite. Isso acontece na linha de trabalho também.

Muitos treinadores gritam e gesticulam bastante durante as partidas. Por que você escolheu ser mais comedido à beira do gramado? 
Eu tenho esse jeito mais tranquilo. Falar na beira do campo, com o estádio lotado, não adianta, ninguém escuta. Nos jogos contra o Grêmio ou o Palmeiras, por exemplo, com 40 mil torcedores, o atleta não escutava. Tem que esperar algum atleta passar perto, acontecer alguma falta ou um lateral passar para que essa informação chegue ao jogador. Percebi isso ainda como atleta — joguei 14 anos como profissional —, e hoje, no Corinthians, reforço que, em jogos acima de 30 mil torcedores, não adianta gritar. É só desgaste: técnico fica rouco e a mensagem não chega onde se pretende. 

No futebol, existem muitas teorias. A sua filosofia parte do princípio de que primeiro é preciso não tomar gol para depois partir para o ataque. Não teme a fama de retranqueiro?
Não, porque essa é uma ideia de jogo. Hoje, sou o menos vazado, com nove gols, e o segundo melhor ataque, com 32 gols. No começo do ano, o Corinthians jogou sim com poucas bolas, atacou pouco e jogou mais seguro porque nós precisávamos de resultado. A minha equipe foi muito bombardeada pela imprensa e nós precisávamos de resultado, não importava como. Depois de dois dias do jogo, se ganhou de 1 a 0, independente se jogou bem ou mal, isso pouco importa. Eles falam que ganhou de 1 a 0. Passei esse conceito de jogar por resultado e trabalhei a questão do coletivo, do entrosamento e de que o futebol requer tempo. Muito se fala do Barcelona, do técnico Guardiola, mas aqueles talentos todos ficaram cinco ou seis anos juntos. Então, chegando sete jogadores novos para serem titulares, tem que fazer essa engrenagem se movimentar em pouco tempo. Em quatro dias de trabalho, já tive um jogo contra o Vasco, na Flórida, e precisava acelerar o processo. Por isso, no começo do ano, jogamos por resultado, um jogo muitas vezes até feio, mas sabíamos que era importante ter resultado para conquistar uma confiança maior, não só nossa, mas de torcedores, da imprensa e da diretoria. 

Quando você percebeu que esse conceito estava surtindo efeito?
A chave que mudou a nossa imagem foi no jogo contra o Palmeiras, que vencemos de 1 a 0, com um jogador a menos. Naquele momento, soubemos que podíamos ser melhores. A partir do próximo jogo, o torcedor começou a lotar o estádio e a imprensa passou a nos olhar diferente. Costumo dizer que a chavinha mudou a partir daquele momento.

O que é mais importante para um treinador: conhecer táticas e teorias sobre o futebol ou saber lidar com um grande e heterogêneo grupo de jogadores? 
Os dois são muito importantes: entender aquilo que quero e saber passar para um grupo de 30 pessoas aquilo que quero. Então, para não deixar dúvidas nos atletas, faço reuniões, apresento vídeos e, principalmente, realizo um forte trabalho no campo. Assim, não tem como o jogador falar que não sabe, que não entendeu o que quero. 

Qual o treinador que mais inspirou a sua formação?
Eu joguei 14 anos como profissional e tive mais de 20 técnicos. Como auxiliar, tive três técnicos no Barueri e, no Corinthians, foram mais cinco: Mano Menezes, Tite, Adilson Batista, Cristóvão Borges e Oswaldo de Oliveira. Com todos se aprende algo. Eu lembro do meu primeiro técnico, Vilson Tadei, aqui no Sertãozinho, e do José Poy, no XV de Jaú, um argentino que exigia demais, pedia um trabalho de força o tempo todo, mas a linha que eu sigo, depois de cinco anos e meio trabalhando juntos e seis títulos, é a do Tite, tanto a forma de trabalho no campo quanto na forma de lidar com os jogadores no dia a dia. A minha conduta é muito parecida com a do Tite.

“Percebi isso ainda como atleta — joguei 14 anos como profissional —, e hoje, no Corinthians, reforço que, em jogos acima de 30 mil torcedores, não adianta gritar. É só desgaste: o técnico fica rouco e a mensagem não chega onde se pretende.”Tem algum time que você ainda sonha em comandar?
Já estou realizando um sonho: ser técnico do Corinthians. Eu acreditava que poderia chegar a uma equipe grande, mas pensava que antes teria que fazer um trabalho em times menores. Esse caminho foi encurtado. Meu grande sonho, hoje, é permanecer por muito tempo no Corinthians. Quem sabe, aqui no Brasil, eu não seja o primeiro técnico a ficar numa equipe grande por cinco anos, como acontece na Europa. Além disso, de uns tempos para cá, começaram a falar que talvez possa surgir da minha geração o primeiro técnico a fazer sucesso na Europa. Um repórter questionou isso e, depois de alguns dias, dei entrevista para os jornais mais importantes da Inglaterra, da Itália, da Espanha, da Alemanha e de Portugal. Aí, paralelamente, estou com 34 jogos sem perder, de 50 jogos, se não me engano, em 29 não tomamos gol, ou seja, mais de 50%, e ficamos invictos no primeiro turno. Se eu continuar nessa pegada, nesse caminho certo, quem sabe esse não seja o futuro: eu ou alguém dessa geração não desponte como um técnico brasileiro na Europa. Tantos jogadores fizeram sucesso lá, talvez possamos ter esse destaque como técnico também. Então, hoje, meu sonho é permanecer no Corinthians e, depois, seguir para um bom clube da Europa. Se saio do Corinthians, uma equipe grande do Brasil, eu preciso pensar em ideais grandes também.  

Qual o jogador mais talentoso que você já treinou?
Sem dúvida nenhuma, o Ronaldo, com quem trabalhei dois anos, em 2009 e 2010, no Corinthians. É um jogador talentoso, com perfil de vitorioso, não gosta de perder no par ou ímpar. Isso vem muito de pessoas bem-sucedidas. Nós sabemos que o Cristiano Ronaldo é assim também. Já tive informações de que nos treinos ele é dessa forma. Também trabalhei um ano com o Roberto Carlos, que tem mais de três anos de Real Madrid, e ele é muito bom. Além dos caras terem talento, eles têm a ambição da busca pela vitória o tempo todo. Porém, em qualidade, em personalidade, em tudo, o jogador mais talentoso é o Ronaldo Fenômeno.

Qual a avaliação que o Fábio técnico faz sobre o desempenho do Fábio jogador de futebol? 
Eu tenho uma avaliação muito clara: tecnicamente, fui um bom jogador, não fui ótimo, mas o que me levou a disputar cinco campeonatos brasileiros como atleta foram a questão disciplinar e a leitura de jogo. Desde os 24 anos, eu já ajudava muito os técnicos, claro que de acordo com a ideia dele, não querendo ser diferente do treinador, mas já colaborava com tudo que ele pedia dentro de campo. Na maioria dos clubes, fui capitão ou um dos líderes por causa dessas qualidades. 

Por quais clubes você já passou?
Comecei no Sertãozinho, em 1993, mas, em poucos meses, fui negociado com o XV de Jaú. De lá, fui para o Corinthians, em 1995; no ano seguinte, joguei no Coritiba; e, em 1997, no Paraná Clube. Depois, no Servette, na Suíça, e, quando voltei para o Brasil, no XV de Piracicaba. Depois, Juventus e Barueri, onde parei de jogar.

Qual a sua relação com Sertãozinho?   
É uma relação maravilhosa. Eu nasci em São Paulo, mas, de 1984 para 1985, quando estava com 12 anos, minha família se mudou para Sertãozinho, uma cidade que nos acolheu, que deu emprego para o meu pai e foi onde eu comecei a trabalhar também na Pontes Ferragens. Então, sempre que posso, corro para a cidade para ficar perto dos familiares e dos amigos. Em termos de futebol, acho que Sertãozinho poderia estar em situação melhor. Espero que o futebol se profissionalize e o time chegue à primeira divisão. Eu, que estou no meio, sei que Sertãozinho tem condições para isso. Falando da cidade em si, tenho um carinho enorme. Tenho investido em Sertãozinho ou Ribeirão Preto e sei que, mais à frente, o meu lugar será aqui. Na velhice, quando aposentar, volto para cá.

Você, inclusive, tem uma escola de futebol na cidade. Quais são os seus planos em relação a isso?
A escola tem a proposta de formar jovens talentos do futebol, com aulas para crianças e adolescentes de 5 a 16 anos. Além de oferecer formação técnica e física voltada para o esporte, ali pretendemos formar cidadãos de bem. Hoje, temos quase 200 alunos pagantes, mas temos espaço e estamos elaborando um projeto social. Já temos, inclusive, parceiros que já nos ajudarão a viabilizar esse projeto. Estamos no processo final para começar isso o quanto antes. 


 

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