Cooperação técnico-científico

Cooperação técnico-científico

Com a Plataforma Bi-institucional de Medicina Translacional da Fiocruz em Ribeirão Preto, Rodrigo Stábeli revela que a instituição deu um importante passo rumo ao desenvolvimento de novos medicamentos

A Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) chega a Ribeirão Preto, por meio de um projeto inovador de desenvolvimento de novas tecnologias aplicadas ao bem-estar da população brasileira. Por meio de cooperação técnico-científica, a instituição está implantando uma Plataforma Bi-institucional de Medicina Translacional, em parceria com a USP, por meio das Faculdades de Medicina (FMRP-USP) e de Filosofia, Ciências e Letras (FFCLRP-USP) e do Hospital das Clínicas (HC). Os primeiros estudos estão focados em imunologia, farmacologia, bio e nanotecnologia e reunirão pesquisadores das duas instituições.

Com apoio da Prefeitura Municipal, a implantação está sendo coordenada pelo pesquisador titular da Fiocruz, Rodrigo Guerino Stábeli. Por enquanto, o escritório da plataforma funciona no prédio administrativo da FMRP-USP, enquanto as novas dependências não ficam prontas. O empreendimento envolve investimentos da ordem de R$ 60 milhões, liberados majoritariamente pelo Governo Estadual, pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), pela USP e pela Prefeitura.

Rodrigo aponta que os estudos reunirão pesquisadores da Fiocruz e da USPRodrigo estima que, até o fim de julho, a reforma do prédio seja finalizada e que a plataforma esteja consolidada. Doutor em Bioquímica pela FMRP-USP, já passou por várias instituições de pesquisa e por comitês de desenvolvimento de ciência e tecnologia. Atuou ativamente para o desenvolvimento da Ciência, Tecnologia e Inovação (CTI)  no norte do país, especialmente em Rondônia, com a criação e a implantação da Fundação Rondônia de Amparo, do desenvolvimento de ações científicas, tecnológicas, de pesquisa e da própria unidade da Fiocruz naquele estado. 

Em 2012, no Rio de Janeiro, assumiu a vice-presidência de Pesquisa da Fiocruz e, atualmente, coordena o único laboratório de Saúde do Sistema Nacional de Nanotecnologia (SISNANO) do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicação (MCTIC). Coordenou as ações de enfrentamento da principal emergência sanitária, considerada pela Organização Mundial da Saúde (OMS), vivida pelo Brasil nas últimas décadas, desenvolvendo ações de prevenção, controle e cuidado contra doenças como dengue, chikungunya e zika. 

Considerando um passo importante no desenvolvimento de novos medicamentos e dispositivos médicos, o pesquisador revela que a Fiocruz também irá estruturar parceria com o Supera Parque Tecnológico. “A cidade possui uma vocação importante no campo da biotecnologia para desenvolver dispositivos para saúde, sendo um dos poucos municípios que gerencia uma das principais áreas para agregar valor industrial no campo das biofarmacêuticas. Nesse sentido, a gestão do prefeito Duarte Nogueira tem realizado ações para fortalecer as empresas existentes e atrair novos empreendimentos voltados ao complexo econômico e industrial da saúde”, comenta Stábeli. 
 
Revide: Quando começaram as discussões para trazer a Fiocruz a Ribeirão Preto?
Rodrigo: Nasceu do debate sobre a expansão nacional das atividades da Fundação que, como instituição estratégica, vinculada ao Ministério da Saúde, deve olhar para todas as regiões do país sob o viés da qualidade da pesquisa aplicada, da saúde pública e para o bem-estar dos cidadãos. A Fiocruz foi criada com este propósito e tem trabalhado para isso nesses 117 anos. Com relação a São Paulo, as tratativas iniciaram-se por volta de 2000 em diversas áreas de conhecimento e por diversos atores. Em 2016, foi assinado o primeiro acordo bipartite entre Fiocruz e USP. O acordo é centrado em um plano de trabalho de um grande projeto inovador para o Brasil que visa à implantação de uma Plataforma Bi-institucional de Medicina Translacional. Ou seja, uma plataforma de pesquisa entre a Fiocruz e a USP para estudo de mecanismos que facilitem a entrega dos produtos da pesquisa para a melhoria da saúde pública, por meio de insumos para diagnósticos e novas terapêuticas. 
 
Quem são os parceiros envolvidos nesse processo?
O acordo é bipartite, entre a USP e a Fiocruz, mas aderiram as Faculdades de Medicina, de Filosofia, Ciências e Letras (FFCLRP-USP) e a de Ciências Farmacêuticas (FCFRP). Cabe ressaltar que o acordo técnico-científico prevê o trabalho conjunto de pesquisadores das duas instituições visando à transformação do conhecimento científico em produto para a população. O próprio acordo não é restrito, sendo que qualquer unidade da USP poderá fazer parte dele, caso haja interesse e afinidade com a temática desenvolvida.

Já há algum nome confirmado para atuar na Plataforma? 
Acordos institucionais não se executam por si e, por isso, além da Plataforma de Medicina Translacional promover a união da Fiocruz e da USP, ela já se inicia com grandes nomes da ciência nacional e mundial. Eles já trabalham para a implantação da proposta: Ricardo Tostes Gazzinelli, pesquisador titular da Fiocruz; Margaret de Castro, João Santana da Silva, Fernando de Queiroz Cunha e Eduardo Barbosa Coelho, todos professores titulares da FMRP-USP, e Pietro Ciancaglini, professor titular da FFCLRP-USP. 

Existem outros parceiros envolvidos?
Sim, são parceiros imprescindíveis para o sucesso da proposta: a Prefeitura Municipal, por intermédio do próprio prefeito Duarte Nogueira, que tem nos acompanhado em todas as ações de implantação inicial, e o Supera Parque Tecnológico, um dos sítios de futura implantação de equipamentos da Fiocruz. Ainda contamos com apoio do Governo do Estado de São Paulo, via gabinete do governador Geraldo Alckmin; Secretaria de Desenvolvimento, via secretário Márcio França, e Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP). 
 
Faltam recursos para novos investimentos em CTI?
De 2003 até aproximadamente 2011, o país investiu significativamente em CTI, o que resultou em melhoria da produção científica e no aumento na qualificação da mão de obra brasileira. Atualmente, o orçamento da área é um dos piores dos últimos anos, acompanhado de uma baixa política pública de incentivo. Estes são os pilares para agregar valor e fortalecer a economia de qualquer país, a partir de tecnologias geradas intrinsecamente e aplicadas na indústria, seja na agropecuária ou na indústria de alta tecnologia. Basta ver os avanços que o país teve na agropecuária a partir da criação e do fortalecimento da Embrapa, ou na produção aeroespacial, com a Embraer e o Instituto de Tecnologia da Aeronáutica (ITA), ou ainda na produção de vacinas, com Biomanguinhos (Fiocruz) e Instituto Butantan (SP). 

Além dos recursos, é preciso planejamento e investimento?
O Brasil se tornou modelo agroindustrial, na produção de aviões de alta tecnologia e ainda, detém o principal programa de imunização do mundo. Esses avanços foram possíveis porque houve planejamento e investimento em ciência e em tecnologia para fortalecer tais áreas. Por isso, o governo precisa entender que ciência e educação não são gastos, e sim, investimentos. Para sair da recessão, tem que investir em tecnologia e naquilo que poderá trazer resolução de forma sustentada. Foi assim que países como Israel, Coreia do Sul e Japão enfrentaram grandes crises e, hoje, são potências tecnológicas mundiais. 
 
A falta de tecnologia nacional explica o déficit da balança comercial brasileira em produtos manufaturados?
Exatamente. Quando analisamos a balança comercial brasileira, podemos concluir que o maior déficit está na indústria de transformação de alta complexidade. Ou seja, o país tem carência absoluta em produzir tecnologia, tendo que comprar fora. De forma bastante resumida, é o que causa o prejuízo na balança comercial, fazendo com que o país opere no vermelho. Importamos tecnologia para basicamente todas as aplicações e consumo em informática, eletrônica e medicamentos, por exemplo.  Apesar de o país ter um parque científico competente, a interface entre ciência e desenvolvimento tecnológico aplicado é bastante iniciante, para não dizer insignificante. 

Por que não trabalhar para fortalecer as tecnologias nacionais promovendo ciência aplicada a problemas? 
Para isso, devemos ser competentes nas políticas de desenvolvimento do parque tecnológico e de inovação. Precisamos de condições para baixar o preço dos medicamentos de primeira linha. Para se ter uma ideia, a dose de Infliximab, usado para tratar artrite reumatoide, doença de Crohn, psoríase e doenças relacionadas, custa em média R$ 5 mil.

Qual é o caminho para desenvolver medicamentos similares no país? 
Marco Aurélio Krieger, Geraldo Alckmin, Duarte Nogueira e Rodrigo, no encontro que resultou na criação do grupo de trabalhoInvestir no fortalecimento do complexo produtivo da saúde é um caminho promissor. Não existe bala mágica: investir em ciência, em saúde e em educação é a única alternativa sustentável. 

Por que a união da USP e da Fiocruz é importante?
A USP é a principal instituição de ensino e pesquisa do país. A Fiocruz é o principal instituto técnico de pesquisa do Brasil e está presente em 11 estados. Ambas já produzem muito bem em suas respectivas áreas. Por isso, direcionar parte deste conhecimento em convergência tecnológica para o desenvolvimento da saúde foi o desafio pensado para essa plataforma. No acordo bipartite existe a união de excelentes cientistas e professores das duas instituições, que pensarão mecanismos que possam direcionar a pesquisa de bancada para a entrega de produtos e insumos para a saúde, contribuindo para o fortalecimento do complexo econômico e industrial da saúde. Não queremos trabalhos científicos publicados; queremos medicamento, diagnóstico e dispositivos médicos acessados facilmente pela população. 

Quais foram os mecanismos escolhidos para a implantação?
Nesse projeto, existe a criação de uma plataforma de infraestrutura e de recursos humanos das duas instituições, voltados para um projeto comum, que é a instalação desta Plataforma de Medicina Translacional. A ação inédita é um novo marco legal de CTI brasileira, que admite associações criativas entre instituições de ensino e de pesquisa e deve ser usada para fortalecer a CTI nacional. Hoje, esses mecanismos são arcaicos e necessitam da criação de novas rotas de financiamento e de associação institucional — sejam elas entre parceiros públicos ou com a iniciativa privada.  Essa Plataforma deverá ser um novo ensaio de investimento sustentável.
 
Esse sistema é viável?

Sim, e bastante promissor, tanto do ponto de vista de financiamento quanto da associação de pesquisadores com objetivos práticos centrados no desenvolvimento do país. Assim, a Fiocruz está disponibilizando a vinda de cientistas, tecnologistas e analistas de gestão para se dedicarem totalmente à plataforma. Da mesma forma, a USP direciona recursos humanos e financeiros para o início do projeto, bem como laboratórios de pesquisa totalmente reformados e equipamentos multiuso destinados ao entendimento de macromoléculas. 
 
Quais serão os recursos iniciais necessários?
Eles estão sendo solicitados via FAPESP e Governo do Estado de São Paulo, por meio da Secretaria de Desenvolvimento. Os valores aprovados serão declarados em breve. A estimativa é para que um dos objetivos da plataforma seja instalado — produção e montagem de kits diagnóstico do tipo “point of care” (POC), ou testes rápidos. Isso permitiria analisar doenças complexas na própria unidade básica de saúde e no tempo em que o paciente ainda se encontra em consulta. Ou seja, de forma eficiente e barata. Os valores para viabilizar essas ações giram em torno de R$ 54 milhões. 

O Governo Estadual está interessado?
Creio que não somente ele, mas também a Prefeitura. O governador Geraldo Alckmin e o prefeito Duarte Nogueira sabem da importância da implantação dessa plataforma como ponto de desenvolvimento não somente do Estado, para Ribeirão Preto, mas para o país. Ainda dentro da ótica de novos financiamentos em CTI, o governador, no dia 22 de maio, decretou a constituição de um grupo de trabalho entre o Governo, a Prefeitura e Fiocruz, que objetiva criar subsídios para a implantação da planta de produção e de desenvolvimento de diagnóstico a partir do Fundo de Ciência e Tecnologia da Secretaria Estadual de Desenvolvimento. Este decreto mostra o engajamento político, sobretudo no financiamento do empreendimento. 
 
O que significa para a cidade e para a região sua vinda?
Será um reforço no ambiente de inovação que já existe através do Supera Parque. A marca Fiocruz é muito forte e importante para a inovação tecnológica em saúde no país, por tudo que já executa nas unidades de produção e de pesquisa, como Biomaguinhos, Farmanguinhos e Instituto Carlos Chagas. A implantação de uma unidade de montagem e de controle de qualidade fará de Ribeirão Preto, pioneira neste tipo de projeto inédito na América Latina, o que trará novos parceiros no campo da inovação. Para se ter uma base, a indústria biofarmacêutica mundial lucrou cerca de US 154 bilhões em 2014. Temos que ter maturidade e potencial de transformação nesta área de pesquisa para atividades lucrativas e de acesso a medicamentos para o país.
 
Qual será a primeira linha de estudo da Plataforma?
O acordo possui duas linhas de atuação: uma em pesquisa básica orientada à aplicação e à convergência tecnológica para produção em escala de candidatos a medicamentos ou insumo diagnóstico no espaço destinado pela FMRP. A segunda será na instalação de uma planta de montagem e de controle de qualidade de diagnóstico POC, a ser instalada no Supera Parque. Como a Fiocruz sempre se preocupa em somar esforços para contribuir com a saúde local, propôs à Prefeitura mecanismos de intervenção e controle do Aedes, o mosquito transmissor de dengue, zika e chikungunya. A proposta está sendo executada pela Secretaria Municipal de Saúde. 

Texto: Rose Rubini
Fotos: Julio Sian

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