Ecossistema empreendedor

Ecossistema empreendedor

Reunir fatores que criam um meio favorável ao empreendedorismo, especialmente voltado aos negócios com bases tecnológicas, faz parte dos ideais de Eduardo Cicconi e Ricardo Agostinho

Um dos idealizadores da Sevna Seed, primeira aceleradora de startups de Ribeirão Preto, Ricardo Agostinho revela que estar no lugar certo pode fazer toda a diferença para o sucesso de uma ideia, um projeto ou um negócio, principalmente, se souber tirar proveito de tudo o que um ecossistema empreendedor tem para oferecer. Na entrevista concedida a Eduardo Cicconi, gerente do Supera Parque de Inovação e Tecnologia de Ribeirão Preto, o empreendedor revela como se encontrou profissionalmente em um novo desafio: o mundo das startups.

A busca por conhecimento neste universo o levou a viagens, cursos, leituras e visitas a diversos modelos de ecossistemas empreendedores, além de uma viagem que o despertou para o autoconhecimento e para a consciência do que realmente queria para sua vida. Para Ricardo, primeiro se dá a contribuição, depois, aguarda-se o retorno. “Não podemos nos restringir aos limites do município. Precisamos nos conectar a outros ecossistemas relevantes. O objetivo é ter uma região fortalecida”, reforça o executivo. 

Para ele, isso não é uma agenda de curto prazo que se faça hoje e amanhã, com resultados no próximo ano. É uma agenda de uma ou duas décadas, que precisa ser ampliada e desenvolvida. Devido à intensa movimentação que a aceleradora já provocou no Parque Tecnológico, Eduardo antecipa que foi preciso criar uma sala, numa categoria que não existia na incubadora, chamada “living lab”. 

Segundo o gerente, começou a haver interesse de muita gente de fora que, assim como o Ricardo, queiram vivenciar esse ambiente de inovação, mas não estava preparado para participar do processo de seleção. Outra novidade é a missão internacional. Para proporcionar a mesma oportunidade e vivência que Ricardo teve, Eduardo antecipa que está sendo organizada uma viagem para levar empreendedores de Ribeirão Preto para o Vale do Silício.

Eduardo: O que te trouxe para Ribeirão Preto?
Ricardo:
Sou de Catanduva e sempre quis morar em Ribeirão Preto. Desde pequeno, ouvia meus primos que estudavam aqui contarem muitas histórias sobre a cidade. Até que, no final dos anos 90, surgiu a oportunidade de vir trabalhar como colaborador de uma empresa de tecnologia, e acabei ficando. Em 2001, comecei a estruturar minha empresa, a Simplex, que prestava serviços na área de tecnologia. Dois anos depois, cofundei, em Araraquara, outra empresa de software, chamada W3S, começando efetivamente uma trajetória como empresário na área de tecnologia. Sou cofundador do Polo Industrial de Software (Piso). 

Eduardo: Como foi essa trajetória? 
Ricardo:
Nessa época, acreditava no crescimento por meio de fusões. Tanto que fiz isso nas empresas que ajudei a criar. A primeira experiência na Simplex, em 2004, foi malsucedida e três anos depois recomprei a minha participação societária. Em 2009, fiz a fusão da Simplex com um concorrente, onde surgiu a S2 IT. No ano seguinte, fizemos a incorporação da W3S de Araraquara, passando a ter duas células: uma de sustentação de software e a outra de desenvolvimento sob medida.

Eduardo: Como foi a transição para o mundo das startups?
Ricardo:
Há dois anos e meio, tive a oportunidade de me reinventar. Apesar de estar no mundo da tecnologia e atender a clientes dos mais variados segmentos, não conseguia ter uma visão muito ampla do que acontecia de forma global. Como gosto muito de inovação e do empreendedorismo, a maneira que encontrei de trilhar um pouco esse caminho foi provocar uma mudança na minha vida. Saí da S2 IT e fui ver onde esse novo mundo estava, em uma viagem ao Vale do Silício, na Califórnia, Estados Unidos. Fui como turista, para visitar empresas como Google, Apple e Facebook. 

Eduardo: O que o motivou a essa mudança?
Ricardo:
Apesar do sucesso profissional, não me sentia feliz, realizado, faltava algo. Quando me concedi a oportunidade de mudar de vida, tomei essa decisão em conjunto com a minha família. Para começar o processo de mudança resolvi fazer uma viagem ao Peru. Passei por vários lugares, como Cusco, Machu Picchu e Vale Sagrado. Lá, tive contato com algumas certezas que foram fundamentais para encontrar mais de equilíbrio e consciência sobre o que é realmente importante para a vida. Mudei radicalmente alguns conceitos e até resgatei amizades que havia deixado em segundo plano. Foi um período mágico.

Eduardo: Qual era seu conhecimento e seu contato com empresas de base tecnológica?
Ricardo:
Pouquíssimo, e sequer sabia o que era uma aceleradora de startups. Justamente para conhecer um pouco mais sobre o tema fui para o Vale do Silício. Chegando lá, a primeira reunião que participei foi uma apresentação de dois investidores, que falaram sobre como fazer negócios e entender a cultura do local. Aquela palestra fez toda a diferença, mudando completamente a minha vida. Entendi a importância do ecossistema empreendedor. 

Eduardo: Quais foram as principais lições dessa experiência?
Ricardo:
Lá existe um conjunto de agentes fundamentais que atuam de maneira sincronizada, onde cada pessoa sabe a sua responsabilidade para que tudo funcione. Isso inclui empreendedores, universidades, grupos de investidores, incubadoras, aceleradoras, entre outras empresas e instituições. Aquele momento me despertou para vários questionamentos e para o fato de que, se eu quero investir ou empreender, quanto mais eu estiver inserido em ambientes fortalecidos, maiores serão as minhas chances. Não adianta esperar que os governos façam isso, nós temos que fazer, e temos capacidade e condições para tanto. Cada um sabe a importância de dar a sua contribuição — primeiro contribuem, depois vão ver como aquilo vai retornar. Direta ou indiretamente, o retorno é certo.

Eduardo: Você sabia que Ribeirão Preto já tinha um ecossistema em desenvolvimento?
Ricardo:
Não, e fui para o Vale sem ter essa noção. Voltei para Ribeirão Preto em 2014 com objetivo de encontrar o lugar onde esses projetos aconteciam. Comecei a fazer cursos, a ler sobre outros modelos de ecossistemas como o de Boulder, no Colorado, Estados Unidos. Foi exatamente nesta época que conheci você e a estrutura do Parque Tecnológico. Percebi que, diferentemente do que eu imaginava, Ribeirão Preto já tinha algumas ações em andamento. No Parque, encontrei recursos fantásticos, feitos de uma forma intensa e vibrante. 

Eduardo: Quando surgiu a ideia de criar um movimento de incentivo ao empreendedorismo?
Ricardo:
Na época, queria trazer a experiência do Vale do Silício para Ribeirão Preto, mas, antes, era preciso olhar para as nossas características e para os nossos recursos. Percebemos que já havia algumas iniciativas, mas ainda desconectadas. Com um grupo de pessoas com ideais comuns fundamos o Movimento Empreende Ribeirão (Mover). Ele não é uma empresa, não é uma instituição e tão pouco uma organização. É um movimento, que busca contribuir para o fortalecimento do ecossistema da cidade. O Mover não tem fins lucrativos e foi criado em um modelo não hierárquico, onde não existe dono ou diretores. 

Eduardo: Quais as principais diretrizes e objetivos do Movimento?
Ricardo:
Nosso objetivo é trazer os agentes fundamentais para a discussão, integrar as iniciativas existentes e criar outras que permitam ao empreendedor daqui participar de discussões sem a necessidade de sair da cidade. Queremos fomentar inovações e empreendedorismo através de iniciativas e da integração do ecossistema.

Eduardo: Quais foram os frutos dessa iniciativa?
Ricardo:
Foram vários e a programação só cresce. Podemos citar o Startup Weekend, o Open Cofffee, que já está em sua 42ª edição, o Beer N Business, além de uma série de outros eventos. 

Eduardo: Que outras iniciativas surgiram?
Ricardo:
Surgiram muitas outras, como a Bambu - Rede das Mulheres Empreendedoras, e o DevInterior – grupo de desenvolvedores de software. O Mover quer inspirar as pessoas para que realizem iniciativas que contribuam para a ampliação do grau de maturidade do nosso ecossistema.

Eduardo: Na sua concepção, qualquer pessoa está apta a criar uma startup?
Ricardo:
Sim. Queremos um ecossistema vibrante e que as pessoas tenham consciência de que, se quiserem, podem empreender. Claro que devemos ter cuidado para não transformar isso em uma glamourização do empreendedorismo e de startups. Queremos que as pessoas tenham a consciência de que, se quiserem criar a solução para um problema real, podem e devem fazer isso, que existem metodologias e recursos que vão apoiá-los. Nós desejamos que isso aconteça de forma consciente e sustentável e, hoje, as metodologias favorecem muito isso.

Eduardo: Como surgiu a ideia de criar a primeira aceleradora de empresas?
Ricardo:
O Instituto Sevna foi fundado em 2011 por dez empresários da área de tecnologia. Vimos que poderíamos criar algo que, de maneira sistemática, contribuísse para a geração de negócios. Como eu estava bastante envolvido nessa área e já tinha uma ideia do que era uma aceleradora, começamos as discussões sobre qual o melhor modelo para aproveitarmos todo esse potencial e converter em algo útil para os empreendedores. O melhor modelo que encontramos foi o de uma aceleradora de startups: a Sevna Seed.

Eduardo: Qual o conceito de uma aceleradora?
Ricardo:
A aceleradora é uma organização que reúne mentores e condições físicas, intelectuais e econômicas, para empreendedores que desejam desenvolver o negócio. No nosso caso, ela tem um programa de seis meses, baseado em metodologias usadas no mundo todo, onde a startup entra e, por meio de validações, vai evoluindo por meio dos estágios. Desta forma, o projeto ou a empresa inicia validando a ideia e o problema, em seguida, começa a construir a solução e, ao final dos seis meses iniciais, estão prontas para trilharem o crescimento. A aceleradora oferece todas as condições para que o empreendedor se concentre apenas em desenvolver o seu negócio.

Eduardo Qual a diferença entre a aceleradora de empresas e a Supera Incubadora de Empresas?
Ricardo:
Nas duas há uma seleção e as etapas de desenvolvimento. Normalmente, o programa da aceleradora é mais curto e a empresa terá o investidor como sócio, ao passo que, na incubadora, não. Outro diferencial é que na aceleradora há um curto espaço de tempo para colocar o produto no mercado, enquanto na incubadora o ritmo é diferente. O objetivo final é o mesmo: criar e atrair novas empresas que gerem empregos e promovam desenvolvimento para Ribeirão Preto e região.
 
Eduardo: Quais as características dos fundadores do Sevna?
Ricardo:
Temos um grupo de mais de 20 empresários que não são investidores profissionais e não são fundos de investimento. São pessoas que possuem uma disponibilidade financeira e que, acima de tudo, acreditam nesse modelo e desejam fazer parte disso. Esse grupo participa de todas as etapas das aceleradas.

Eduardo: Como foi a primeira seleção da Sevna Seed?
Ricardo:
Abrimos as inscrições em outubro e novembro. Inicialmente, estamos preparados para acelerar nove startups em 18 meses, com três ciclos semestrais. Para nossa surpresa, o primeiro processo de seleção recebeu 135 projetos de dez estados e do Distrito Federal, além de um da Cidade do México. Optamos por selecionar duas, começando o programa dia 1º fevereiro. Uma das startups é a HyDoc, na área da saúde, que busca intensificar a comunicação médico-médico, minimizando o deslocamento de pacientes. A outra é a FishTank, ligada ao varejo, que criará ferramentas para identificar e contabilizar o fluxo de pessoas nos mais variados ambientes.

Eduardo: É possível comparar a Ribeirão Preto de hoje com a de quando você voltou do Vale do Silício? O que mudou?
Eduardo:
Hoje, temos muito mais pessoas engajadas, conscientes das suas responsabilidades, atuantes, com iniciativas voltadas à criação de condições para que, cada vez mais, tenhamos empreendedores. Temos todas as condições aqui mesmo, como universidades, aeroporto, estradas, pessoas bem preparadas, capacidade de investimento, um Parque Tecnológico, uma rede de serviços fantástica, entre outras. Cada vez mais, esse fatores estão se combinando e gerando dados interessantes, como a pesquisa da Endeavor, que posicionou Ribeirão Preto como a 12ª cidade no índice de Cidades Empreendedoras 2015 do Brasil e a quarta do Estado de São Paulo. Não ficaremos esperando que o governo faça, podemos fazer e com acesso à comunicação e à tecnologia, conseguimos realizar. Quanto mais elevado for o grau de maturidade dos empreendedores e de tudo o que gira em torno deles, maior serão as chances de sucesso. 

Eduardo: O que acha da invasão dos “quarentões” no mundo das startups?
Ricardo:
Assim como eu e você, tenho observado que as pessoas acima dos 40 mantêm os mesmos níveis de vibração que os mais jovens. Isso faz toda diferença, pois trazem experiência e conhecimento e têm disposição para compartilhar. Um bom exemplo desse envolvimento são as duas aceleradas atuais, com média etária entre 30 e 45 anos. 

Eduardo: Toda essa nova energia amplia a visibilidade de Ribeirão Preto?
Ricardo:
Claro, também traz credibilidade e atrai investidores. Por exemplo, existe um programa de capacitação empreendedora, criado no Vale do Silício que hoje está em mais de 100 cidades, chamado Founder Institute. Já foram realizados dois eventos de sensibilização para mostrar como vai ser e, se tudo caminhar bem, será constituído o capítulo Ribeirão Preto do Founder Institute. Desejamos que, no futuro, possamos olhar para trás e ver quanto emprego foi gerado, com desenvolvimento social, econômico e tecnológico.

Eduardo: Quais os próximos passos da Sevna Seed?
Ricardo:
No dia 1º de abril, abrimos as inscrições para o segundo ciclo do programa de aceleração. Podem participar empreendedores do Brasil e do exterior com uma ideia inovadora direcionada a mercados com alto potencial de crescimento e abertos ao trabalho colaborativo. Os projetos escolhidos receberão até R$ 500 mil em investimentos, incluindo mentorias, assessorias, ferramentas tecnológicas e aporte financeiro. Além do suporte da aceleradora, do conhecimento e do networking de seus fundadores, os selecionados encontrarão um ecossistema vibrante que inclui o próprio Supera Parque, com cerca de 50 startups, investidores, universidades de pesquisa como a USP, os APL do Software e da Saúde e muito mais. As inscrições terminam no dia 31 de maio e, no dia 1º de agosto, o programa de aceleração é iniciado. 

Disposição para contribuir

“A história de vida de Ricardo, assim como sua trajetória como empresário e sua disposição para contribuir para o habitat empreendedor de Ribeirão Preto, fazem dele uma peça importante para a consolidação da região como um polo de inovação e tecnologia do Brasil. Em pouco mais de dois anos, Ricardo co-organizou a primeira edição do Startup Weekend, foi um dos cocriadores do Mover; colaborou voluntariamente com a Supera Incubadora de Empresas e foi um dos fundadores do Sevna Seed, além de ter se tornado investidor-anjo. Ricardo descobriu há pouco tempo sua paixão pelas startups, mas abraçou a causa como se tivesse se dedicado a vida inteira a elas.”
Eduardo Cicconi, gerente do Supera Parque de Inovação e Tecnologia de Ribeirão Preto.

Texto: Rose Rubini
Fotos: Julio Sian

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