A educação pós-pandemia

A educação pós-pandemia

A doutora em Educação Escolar Leny A. Pimenta acredita que é importante as escolas focarem na formação contínua dos professores, para que possam atualizar a prática pedagógica e inovar o ensino

Doutora em Educação Escolar pela Unesp/Araraquara, a pedagoga Leny A. Pimenta explica como será a educação pós-coronavírus. De acordo com a professora, toda transformação social provocada pela pandemia gera mudanças que são irreversíveis. A especialista aposta que haverá muitas melhorias, como a inclusão de mais tecnologia no ensino, o fortalecimento dos laços entre família e escola, além de uma educação mais colaborativa e compartilhada, com professores mais inovadores e alunos mais participativos.

Quais foram os maiores prejuízos causados pela pandemia na educação?

Dentre os prejuízos causados à educação, um deles foi a falta de infraestrutura básica para o oferecimento do ensino por meio das plataformas digitais devido à urgência da transição de uma situação presencial (nas escolas de educação básica) para o ensino remoto. Outro prejuízo foi a falta de socialização com os amigos, colegas de sala e professores no ambiente físico escolar, o que trouxe sérios problemas emocionais causados pelo isolamento social. Consideramos grave a situação da aprendizagem que, na maioria das escolas, encontra-se comprometida, pois tanto os professores quanto os alunos da Educação Básica não foram preparados para lidar com o ensino remoto, principalmente no segmento da Educação Infantil e do Ensino Fundamental 1.

De que forma é possível contornar esses prejuízos?

Acreditamos que, em se tratando de Educação básica, as possibilidades para contornar esses prejuízos sejam em médio prazo, visando ao acolhimento em primeiro plano, trabalhando as competências socioemocionais, assim como organizando os planejamentos com base nas competências e as habilidades preconizadas pela Base Nacional Comum Curricular (BNCC), adequando a programação às necessidades de aprendizagem previamente diagnosticadas dos alunos. É preciso focar na formação contínua dos professores, para que possam ressignificar a prática pedagógica socializando os conhecimentos, as pesquisas e as experiências para a melhoria da qualidade da educação. 

Como será a educação pós-pandemia?

O que mudou e o que deve melhorar? Como se diz popularmente será “um novo normal”, porém jamais como era antes. A Educação 4.0 mostra-se por meio da tecnologia e ganha espaço na pandemia e continuará na pós-pandemia, assim como inteligência artificial, a gamificação (aplicar elementos de jogos no processo de aprendizagem), a linguagem computacional, a realidade aumentada e a virtual, o big data analytics (análise de dados que são gerados digitalmente a todo instante), trazendo uma aprendizagem personalizada, os makerspaces (espaços de conhecimento compartilhado) como laboratórios de experimentação, as aprendizagens ativas e outras mais são tendências que vão prosperar. Já se fala em Educação 5.0. Toda transformação social, como a que estamos vivenciando na pandemia, gera mudanças que são irreversíveis.

Os recursos tecnológicos trazidos para a educação com a pandemia, como os ambientes de aprendizagem digitais e interativos, vieram para ficar e podem ser benéficos no pós-covid?

A realidade sinaliza que estamos vivendo em um mundo VUCA: volátil (volatile), incerto (uncertain), complexo (complex) e ambíguo (ambiguous), portanto, é preciso mudar a mentalidade. O mundo de hoje está repleto de informações disponíveis a um clique, tanto impressas quanto digitais, porém é preciso ter habilidades para saber selecionar as fontes confiáveis. Em educação, podemos considerar isso como disruptivo, pois o aluno pode descobrir dados mais diversos possíveis. Nesse sentido, o papel da escola e do professor muda, passa a ser mediador e orientador, auxiliando os alunos a extraírem inteligência desses dados para criar projetos, resolver problemas, avaliá-los criticamente e conectá-los criativamente para gerar novas abordagens e/ou levantar problematizações. O aluno vivencia uma experiência de aprendizagem. A pandemia só revelou aquilo que já se sinalizava como mudanças na educação: os recursos tecnológicos e o uso de ferramentas interativas certamente contribuem para a aprendizagem e o desenvolvimento dos alunos. É na interação que a troca de conhecimentos também acontece. Por meio da tecnologia, o estudante se torna protagonista de seus conhecimentos, personaliza a aprendizagem e impõe seu próprio ritmo. Entretanto, não basta incluir a tecnologia, é preciso inovar nas práticas pedagógicas, de maneira a fazer uma educação inclusiva, equitativa e de qualidade, conforme esclarece o objetivo 4 da ODS (Objetivos de Desenvolvimento Sustentável), da Organização das Nações Unidas (ONU).

Com a retomada das aulas presenciais, após quase dois anos letivos de ensino remoto ou híbrido, o que as escolas precisam fazer para acolher os alunos e auxiliá-los na adaptação?

Esse momento de retorno à escola deve ser de forma aconchegante, respeitando os protocolos de saúde, e permitir aos alunos que falem de suas dores, pois muitos perderam pessoas queridas. Além de propor roda de conversas e permitir que as atividades sejam mais lúdicas, gamificadas e prazerosas. Dessa forma, pode-se avaliar diagnosticamente e saber o que priorizar em termos de aprendizagem básica. Certamente, a escola terá também que contar com o apoio dos familiares para esse processo de adaptação e retomada. É fundamental investir em uma educação que amplie o entendimento dos alunos e professores sobre o mundo, em um diálogo permanente consigo mesmo, com o outro, com a tecnologia e os avanços na ciência, sem deixar de investir na humanização e na inteligência de uma consciência ética.

O que muda para os professores no cenário pós-pandemia e como eles devem se preparar para todas as mudanças provocadas neste período?

Se considerarmos o contexto atual global, podemos visualizar um cenário de uma educação colaborativa e compartilhada onde os alunos devem aprender a ser proativos e persistentes, saber fazer escolhas, saber ouvir e se comunicar com clareza, tomar decisões mais assertivas, estar aptos a abraçar riscos e aprender com os erros. É preciso remodelar a educação, fornecendo recursos e meios para que os professores possam (des)envolverem-se em práticas inovadoras, ressignificando seu modo de ser e agir em um mundo repleto de desafios. Uma educação emancipatória e inovadora deve ser dialógica e dialética, isto é, estabelecer diálogo entre as necessidades de uma sociedade (em constante mudança), tanto local quanto global, saber utilizar e aplicar recursos tecnológicos, dominar no mínimo dois idiomas.  Nesse sentido, a formação continuada de professores torna-se vital para essa nova função, a de ser um mediador, um facilitador da aprendizagem entre os alunos, proporcionando a construção ativa e reflexiva do conhecimento. 

A senhora acredita que os laços entre família e escola estão mais fortalecidos após esse período de pandemia? De que forma a família pode atuar para ajudar os alunos e também a escola na retomada da educação pós-covid?

Sem dúvida, a família sentiu no seu âmago o processo da educação escolar e muito do sucesso ou do fracasso da aprendizagem nesse tempo pandêmico também se deve à atuação da família e dos responsáveis. É certo que uma educação baseada na democracia incentiva a gestão compartilhada, na qual tanto os gestores, colaboradores, professores, alunos, como os pais e responsáveis, são componentes ativos que assumem responsabilidades na qualidade da educação, tanto quanto na convivência saudável na comunidade escolar. As cooperativas de salas, as reuniões semanais de professores, alunos e colaboradores facilitam a gestão escolar ao estabelecer regras de convivência, resoluções de conflitos, dinâmicas de uso dos espaços e materiais. Dessa forma, promovem o engajamento de todos, no sentido de compreenderem melhor as relações de direitos e deveres de cada um na comunidade escolar. 

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