Encontro literário

Encontro literário

Em um bate-papo descontraído com Danilo Barbosa, a escritora Manuela Titoto, representante da nova literatura brasileira, revela suas inspirações e anseios

Manuela lançou dois suspenses voltados para o público jovem: “Melby” e “A tempestade”Formada em Direito, a ribeirãopretana Manuela Titoto, desde cedo, já mostrava interesse pelas obras de grandes autores, assim como criatividade e destreza com o uso das palavras. Durante a gestação da primeira filha, Isabella, hoje com seis anos, sentiu que era hora de se dedicar a essa antiga paixão. O resultado foi o suspense “Melby”, lançado em 2015. A trama gira em torno de Laura Paggen. Ao lado do professor, Anderson Smith, a jovem tenta desmascarar um misterioso impostor que chegou à Universidade de Melby alegando ser Sayid Munladde, um físico da Arábia Saudita indicado ao prêmio Nobel. A história bem estruturada, aliada a uma narrativa envolvente e cheia de personalidade, conquistou tanto os leitores, quanto a crítica.

Depois da estreia bem-sucedida, Manuela, mais uma vez, ganha destaque no cenário literário com “A tempestade”. Publicado, recentemente, em versão digital pela editora Novo Conceito, sob o selo Novas Páginas, o livro é um thriller psicológico recheado de tensão, de segredos e de reviravoltas. A protagonista, uma adolescente americana chamada Margot, é sequestrada por um serial killer e fica trancafiada em um caixão. Aterrorizada, consegue escapar do algoz, foge para o Brasil, mas a sombra do passado não a abandona. O final, surpreendente, agradou ao público, que colocou o título na lista de mais vendidos do site Amazon. Nessa entrevista, concedida ao escritor e agente literário Danilo Barbosa, Manuela comenta a repercussão desses dois trabalhos, analisa a evolução do mercado editorial brasileiro e adianta alguns projetos futuros. 

Danilo: Ser um bom leitor é essencial para ser um bom escritor? Quais experiências você teve com a literatura antes de começar a escrever?
Manuela:
O escritor precisa ler e escrever muito. Todo escritor que conheço é, antes de tudo, um leitor inveterado. Não vejo como dissociar uma figura da outra. Meu envolvimento com a literatura começou cedo, aos 11 anos, quando ganhei de aniversário um livro de suspense: “Mistério no Caribe”, de Agatha Christie. O universo fictício me fisgou e continua a me cativar constantemente, de maneira obsessiva. Uma das minhas frases preferidas é da poetisa norte-americana Muriel Rukeyser: “O mundo não é feito de átomos, é feito de histórias”. Eu acredito na magia de uma boa história. Tive outra experiência marcante que serviu para me aproximar ainda mais dos livros. A escola em que eu estudava, adotou uma obra da escritora nacional Stella Carr, “O caso da estranha fotografia”. Fiquei fascinada. Mandei uma cartinha para autora, que me respondeu e me presenteou com todos os livros dela. Isso mudou a minha vida. Há dois anos, tentei entrar em contato para agradecer, mas, infelizmente, ela havia falecido. Durante o ensino médio, surgiu a minha paixão pelos clássicos. Companheiros fiéis, eles formaram pilares concretos para que eu pudesse brincar com a escrita.

Danilo: Existiu algum momento específico em que você parou e disse: eu sou escritora? Quando você percebeu que os seus textos não pertenciam mais a você e compreendeu a responsabilidade desse fato?
Manuela:
Nietzche disse: “Torna-te aquilo que tu és.”. Não decidi ser escritora. Acredito que sempre fui, apenas levei um certo tempo até aceitar. É o que sei e o que amo fazer. Comecei meu primeiro romance quando a minha filha, Isabella, era bem novinha e eu tinha que passar muito tempo dentro de casa. Sempre que ela tirava um cochilo ou dormia cedo, aproveitava para escrever. Foi aí que nasceu “Melby”, um thriller para o público jovem adulto. Não houve um acontecimento específico que me levou a escrever o livro. Foi uma necessidade de criar algo que eu gostasse de ler. Quando um texto de nossa autoria se torna público ele, realmente, deixa de nos pertencer, mas, ao mesmo tempo, nossa impressão não sai dele. É uma exposição e toda exposição requer certa coragem, ainda que o meu gênero seja — de maneira equívoca — considerado subliteratura. 

Danilo: Depois de “Melby” você lançou “A tempestade”, mais um suspense voltado para o público jovem. O primeiro foi publicado de forma independente e o segundo por uma grande editora. Sentiu alguma diferença com essa mudança? Por que decidiu seguir no mesmo gênero?
Manuela:
O meu primeiro livro foi publicado por uma editora menor e o segundo pela editora que eu almejava, conquista que me deixou muito feliz. A diferença é que a editora grande investe mais no autor e em diversos aspectos do livro, como revisão, diagramação e publicidade. O sonho de qualquer escritor iniciante é fechar contrato com uma editora maior, mas esse nunca pode ser o objetivo. Deve ser a consequência de um trabalho feito com paixão. Sinceramente, eu escreveria mesmo se ninguém quisesse ler. O suspense é um gênero menosprezado na comunidade literária, mas que sempre me atraiu. Tem gente que me conhece e fala: “você não tem cara de quem escreve suspense”. Dou de ombros, quase como se tivesse que pedir desculpas. Não sei qual é, exatamente, a cara de quem escreve suspense, mas essa é a minha e eu adoro um crime. Na ficção, é claro. Como já mencionei, os clássicos me deram uma boa base, mas gosto de fugir do gênero criminal tradicional (whodunit) e me aprofundar no desenvolvimento dos personagens. Os seres humanos mostram sua verdadeira natureza quando colocados em situações extremas. É o que pretendo mostrar. Tenho como inspiração contemporânea as escritoras Gillian Flynn e Liane Moriarty. No Brasil, não há uma tradição desse gênero, fato que me deixa incomodada.

O crescimento do mercado nacional foi um dos temas abordados durante a entrevistaDanilo: Nosso mercado editorial é recente em comparação a outros países, como os Estados Unidos, por exemplo. Grande parte dos lançamentos ainda vem de fora. Você acredita que, com o passar dos anos, a chamada “nova literatura nacional” ganhará espaço?
Manuela:
A literatura nacional terá sim seu espaço garantido, principalmente porque começou a perder o medo de ser “literatura de entretenimento”. Há muito pouco tempo, a maioria dos nossos bons escritores restringiam as obras apenas às denúncias sociais, cheias reflexões extensivas, o que é muito importante, mas também é um pouco chato. Existia uma divisão: quem escrevia bem fazia histórias voltadas à crítica, não para o público. Quem escrevia mal se aventurava em gêneros populares, mas o conteúdo não acrescentava em nada. Isso facilitou a entrada dos best-sellers internacionais no nosso mercado. Agora, o cenário mudou. Os autores conseguem conciliar qualidade com uma história interessante e as editoras investem, pois essa combinação gera retorno. Os preconceitos, tanto de quem escreve, quanto de quem lê, estão caindo por terra. Ainda assim, temos um longo caminho a percorrer. O Brasil não é um país de leitores, portanto, muitas mudanças serão necessárias. 

Danilo: Qual é o fator decisivo para que as pessoas leiam mais?
Manuela:
Independentemente da origem, uma história boa, honesta, bem escrita, que tenha uma carga significativa, que provoque um sentimento de identificação: é isso o que faz as pessoas lerem mais.

Danilo: O perfil dos autores contemporâneos é diferente daquele que conhecíamos na década de 80, como Sidney Sheldon e Danielle Steel, nomes famosos até hoje. Existia uma distância entre o escritor e o leitor que, com a internet, acabou. Como você lida com essa interação?
Manuela:
Essa aproximação, permitida de maneira ampla pelas redes sociais, é um acréscimo para ambas as partes. O leitor tem a oportunidade de conhecer a mão que move a marionete e o escritor passa a ter um feedback rápido do seu trabalho. Aquele papo de que o escritor é uma pessoa reclusa, isolada e taciturna, ficou, definitivamente, para trás. Faço questão de ter contato com meus leitores pelo Instagram (manuelatitoto_escritora) e pelo Facebook (Manuela Titoto). Adoro receber elogios e críticas. Esses comentários me fazem crescer de alguma forma. Só de saber que a pessoa leu o meu livro, que investiu em mim sua maior preciosidade — que é o seu tempo — já é recompensador.

Danilo: Assim como muitas autoras da atualidade, você também é mãe e esposa em tempo integral. De que maneira consegue administrar a agenda e conciliar os compromissos da vida pública e da privada?
Manuela:
A minha vida de mãe e esposa é bem mais colorida do que minhas páginas pesadas. São dois mundos diferentes, mas que me completam e me realizam como pessoa. Prefiro deixar os devaneios para os personagens fictícios. Escrevo quando meus filhos estão na escola e só paro na hora de buscá-los. Ao fechar meu computador, penso: “Vamos guardar a loucura agora, né?”. Então, coloco a criatividade em uma caixinha e só a abro de novo ao contar historinhas para as crianças dormirem.

Danilo: O seu novo livro, “Tempestade”, tem o aval de um dos novos autores de suspense mais comentados mundialmente, Josh Malerman, autor de “Caixa de Pássaros”. Como foi receber esse reconhecimento? 
Manuela:
Tive a oportunidade de conhecer o Josh Malerman, e sua noiva, na Bienal do Rio de Janeiro, em 2015. Como sou grande admiradora do trabalho dele, decidi me apresentar. Conversamos um pouco e, desde então, mantivemos certo contato. Por isso, enviei os textos que produzi para que ele pudesse analisar. Para falar a verdade, nem imaginei que fosse ler. Seria até compreensível, por causa da quantidade de obras que ele deve receber. Assim, foi uma surpresa quando recebi o elogio. A princípio, nem acreditei. Depois, até gritei de alegria. Lembro com exatidão do dia em que a mensagem chegou no meu celular: “Manuela Titoto tem uma fabulosa trinca de espadas na mão; atitude, lirismo e a cortada perfeita”. Fiquei muito feliz e honrada. Pedi autorização para colocá-la na capa do livro e ele autorizou. 

Danilo: Suas histórias têm muitos mistérios, assassinatos e reviravoltas. Por que os leitores são tão atraídos pelo que dá medo?
A jornalista Paula Zuliani acompanhou o bate-papo entre Manuela e DaniloManuela:
Desde que o homem se entende por homem, ele é fascinado pelo medo, sentimento base de toda mitologia grega e romana. Qual a razão? O medo é o desconhecido, é o que vai além da compreensão. Ele nos faz ficar em estado de alerta, de sobrevivência. De uma maneira instintiva, vinda da herança evolutiva, o homem tem interesse pelo que não conhece porque não sabe como se defender. Por isso, as pessoas se sentavam ao redor da fogueira para trocar informações, relatos e experiências. O que é seguro? O que não é? Não é preciso ser picado por uma cobra para saber que o bicho comprido e que se arrasta pelo chão pode matar. Não é preciso comer a planta que forma cachinhos redondos e vermelhos para saber que é venenosa. Não é preciso colocar a mão no fogo para saber que queima. Alguém já contou o que pode acontecer. O conhecimento é passado por histórias. Isso explica porque somos tão deslumbrados por elas. Um sistema de autodefesa permitido pelo córtex pré-frontal. Se a premissa de uma história é clichê e batida, por que não nos interessa? Porque sabemos o final, então, não vai nos acrescentar em nada. No mistério, como o temor é palpável, o perigo é iminente e o enigma é claro, a curiosidade é ainda maior. Temos receio de tudo o que possa nos ameaçar. Depois que o medo é destrinchado — em geral, no último capítulo —, a sensação é a de satisfação. Pensamos: “Se algum dia eu estiver na mesma situação, saberei como sair dela”.

Danilo: Poderia nos indicar alguns nomes interessantes dessa “nova literatura nacional”?
Manuela:
No gênero suspense/policial, como você perguntou da nova literatura, deixarei os grandes, como Mário Prata, Rubem Fonseca, Jô Soares e Marcos Rey, entre outros, de lado. Dos autores recentes, o que mais gosto é o Raphael Montes. Todos os que gostam desse gênero deveriam ler. Sou fã assumida. O último livro lançado por ele, “Jantar secreto”, foi o melhor que li no ano passado. Há, ainda, vários outros autores que prometem: Andrea Killmore, Andre Vianco, Claudia Lemes, Victor Bonini, Rô Mierling, Felipe Colbert e você, claro. Apesar do preconceito em relação aos escritores locais estar diminuindo, muita gente cai nos best-sellers gringos sem dar chance para os autores da casa. É triste, pois temos talentos incríveis. Esses dias, em um passeio na livraria, eu notei um garoto que segurava um livro em cada mão. Um era nacional, “Colega de quarto”, de Victor Bonini. O outro internacional, “Cilada”, de Harlan Coben (HC). Ele estava claramente dividido entre qual levar. Acabou optando pelo segundo. Nada contra o Coben, que é um ótimo escritor, mas é uma pena porque aquele garoto deixou de conhecer um autor nacional, de ter uma leitura gostosa com o texto do Bonini, para se render à mesmice. Se ele tinha o “Cilada” nas mãos, provavelmente, já deve ter lido “Não conte a ninguém”, “Seis anos depois” e “Fique comigo”, os títulos mais conhecidos do HC. A literatura nacional só pode crescer se os leitores também crescerem.

Danilo: Podemos esperar uma Manuela Titoto ainda mais cheia de surpresas este ano? Quais são seus futuros projetos?
Manuela:
Sim, com certeza! Tenho um livro infantil que está previsto para sair ainda neste ano, pela editora Novo Conceito. A história conta a saga de um garoto de sete anos com câncer. Quem narra tudo o que acontece, inclusive uma caça ao tesouro, é o peixe de estimação dele. Os adultos também apreciarão esse texto, pelo sentido figurativo. Já tenho outra obra infantil finalizada e, no momento, estou escrevendo o que penso ser o meu livro mais denso. É um thriller psicológico cheio de sangue, bem do jeito que eu gosto. 

Uma dama do suspense

“Ao olhar para Manuela Titoto, com seu jeito delicado e sorriso empolgado no rosto, especialmente quando o assunto é literatura, muitos podem pensar que encontrarão uma ferrenha escritora de romances, daqueles que damos suspiros no final das páginas. Ledo engano. Manuela tem a cabeça fervilhante de ideias geniais, conduzindo o leitor ao lado mais obscuro das emoções humanas. Mesmo escrevendo para jovens, como fez em seu mais recém-lançamento, ‘A tempestade’, a autora não deixa o mistério de lado e consegue manter a força e a tensão da narrativa, como as grandes damas do suspense, gênero no qual ela se encontrou.” Danilo Barbosa, escritor e agente literário. 

Texto: Paula Zuliani
Fotos: Julio Sian

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