Entre aventuras e recortes

Entre aventuras e recortes

Fascinada pela magia que existe na Literatura, Isabella Lotufo é ilustradora e autora de dois livros

Os desenhos habitam a imaginação — e os cadernos — de Isabella Lotufo desde que ingressou na faculdade, quando rabiscava enquanto ouvia as aulas. Formada em Letras pela Unaerp, ela aprimorou a técnica na University of the Arts de Londres e, desde então, a arte tomou conta de sua vida. Além das ilustrações, Isabella também se especializou em Escrita Criativa para aliar duas paixões: a ilustração e os livros.

Autora de “O Reino Coração Azul” e “Destino”, a ilustradora e escritora estampou, além dos próprios textos, os livros “Histórias que inventei para minhas netas”, de Fernando Nobre, e “O livro azul”, de Lilian Jacoto. A arte de Isabella Lotufo se desprende da preocupação com o esteticamente belo e traz um apelo da arte pop e urbana. Para ela, a magia da ilustração também está em desenvolver todo o processo à mão.

Quando começou a ilustrar?

Eu estudei Letras e, na faculdade, comecei a desenhar. Desenhava enquanto ouvia a aula. Aí, escrevi um livro que era uma ficção científica sobre uma extraterrestre e convidei um amigo para ilustrar. Ele falou que meus desenhos eram diferentes e me perguntou por que eu mesma não fazia. Então, eu tentei. 

Esse livro é infantil?

Infanto-juvenil. Encaixa-se para o público-alvo de 10 a 12 anos. Todo mundo me falava que as ilustrações eram muito legais, mas que não dava para entender nada da história. Então, vi que tinha que estudar. Terminei a faculdade e publiquei esse livro. A Unaerp ajudou, por meio da coordenadora do curso. O lançamento desse meu primeiro livro foi lá.

As obras "Destino" e "O Livro Azul" foram escritas e ilustradas por IsabellaDepois, você buscou algum aprimoramento?

Acabei a faculdade e decidi estudar ilustração. Fui para Londres fazer o primeiro ano da faculdade de ilustração, que chamam de Foundation Degree. Na Europa, o primeiro ano é separado do resto. A maioria das pessoas, nessa fase, tem 18 anos e, às vezes, decide por um curso e, no primeiro ano, vê que não é bem aquilo que queria. Então, não se perde esse primeiro ano: o aluno pode continuar ou mudar. Quando fiz, tinha 25 anos e estudava com os de 18, mas foi muito desafiador, porque eu não era formada em Artes Plásticas. Foi uma iniciação.

Seus colegas já tinham alguma formação em Artes?

Estava todo mundo começando. A escola se chama University of the Arts e todos estudavam juntos, mas cada um com sua finalidade. Fiquei lá durante um ano e depois fui morar em São Paulo. Em Londres, se você tem habilidade com a mão, não precisa saber muito de computação. Cheguei em São Paulo e ninguém me dava emprego, porque falavam que eu tinha que saber computação gráfica.

Como foram seus primeiros anos de trabalho com a ilustração?

Fui trabalhar como artista plástica, mesmo, com a Pinky Wainer, que, na época, tinha a Loja do Bispo. Ela é uma artista que trabalha com livros, filha do Samuel Wainer, jornalista e fundador do jornal Última Hora, já falecido. Eu fazia os livros à mão, ela comprava e vendia. Era como se fosse uma galerista. Fazíamos uma espécie de livro de artista e cada exemplar demorava três ou quatro meses para ficar pronto. Ela vendia caro, mas aquilo não me sustentava. A própria Pink me sugeria que fosse estudar computação gráfica para fazer livros que me pagariam melhor. Fiquei dando aulas de inglês porque tinha que me sustentar, arrumei estágio e entrei no Istituto Europeo di Design, uma escola italiana que tem em São Paulo, para estudar Design Gráfico Editorial. Foi uma especialização de um ano e meio. Aí, sim, eu conseguia me sustentar, mas fazendo diagramação de livros. Eu adorava fazer, mas ainda não tinha conseguido a ilustração. 

Quando, de fato, conseguiu fazer ilustração?

Depois da experiência com a diagramação de livros, iniciei como assistente da ilustradora Sílvia Amstalden e foi maravilhoso. Fiquei dois anos com ela e aprendi a trabalhar as ilustrações no computador. Isso já era mais interessante. Nessa época, fizemos vários projetos juntas: trabalhávamos com livro de arte no escritório de design e eu era assistente dela, como ilustradora. Trabalhamos em São Paulo até o fim de 2014. Depois, eu me casei, fui morar em Campinas e, posteriormente, em Ribeirão Preto. Eu continuava diagramando, mas queria trabalhar com livro. Então, escrevi um livro juvenil, de fantasia, aventura e fiz as ilustrações para ele.

Como você constrói suas ilustrações?

Meu traço é meio de narrativa; ele conta uma história. Eu uso bastante canetinha, esferográfica ou de tinta. Nanquim, no máximo. É um trabalho até meio gráfico. Não sou ilustradora realista, não trabalho com aquarela, nada. É um trabalho bem pop e gráfico, bastante manual. Tem gente que gosta, tem gente que não. Moral da história: eu não faço muito trabalho para os outros. No fim, estou fazendo mais desenhos para os meus próprios textos.

Quantos livros você escreveu?

“O Reino Coração Azul” e “Destino”, o último que publiquei. Eu escrevi e desenhei esses dois. Também fiz as ilustrações de “O livro azul” para outra escritora. Trabalhei com colagem.


"É especialmente importante estudar Escrita Criativa, embasar o romance, a narrativa, as primeiras páginas, como fazer cena a cena, qual é o clímax e como ele leva ao final"


Você é bastante procurada para fazer ilustrações ou seu trabalho é mais para os amigos e autores próximos?

Na verdade, eu abri uma editora para publicar esses dois livros, a Edições Sinete. Ao abrir uma editora, a Biblioteca Nacional permite a publicação de 29 livros sem pagamento de imposto, como forma de incentivo. “O livro Azul” foi escrito pela Lilian Jacoto, professora da USP de São Paulo, que eu já conhecia, e havia me pedido a ilustração, em 2013. No ano passado, ela retomou o assunto comigo e lançamos o livro, na Livraria da Vila, em São Paulo. Fizemos poucos exemplares na gráfica, apenas 150. A ideia é essa: fazer mais livros e vender em pequenas feiras. Em São Paulo, tem várias feiras independentes, só de livros. “Destino”, minha segunda obra, teve um lançamento na Feira do Livro de Ribeirão Preto este ano. Os organizadores me convidaram e deram até um horário para autógrafo. Eu achei bem generoso da parte deles. 

Há planos para novos lançamentos?

Agora, estou fazendo um livro que chama “A viagem de Meteoris”. Como ninguém entendeu meu primeiro livro, comecei a estudar Escrita Criativa, à distância. Fiz um “certificate”, que são cinco anos de Escrita Criativa na Universidade de Toronto. Formei no ano passado e, agora, faço alguns cursos livres, infelizmente, em inglês, porque em português é difícil encontrar um ensino assim à distância. Eu escrevo em português, tenho um professor de inglês que faz as correções da minha tradução e aplico o que estou aprendendo no português. Então, a intenção não é nem escrever em inglês, mas aprender em inglês. Eu tenho feito isso e, sempre, as ilustrações. 

Você prefere ilustrar manualmente?

Eu aprendi assim em Londres. É um jeito bem europeu de fazer ilustração, mas tenho amigos que trabalham com ilustração digital e eles falam que se ganha muito mais dinheiro com essa versão porque é bem mais rápido. Quando se faz à mão, é preciso desenhar, mas eu acho muito mais gostoso. Como o trabalho é meu, não custa fazer de novo e de novo. É um estilo! 

Quais são as suas inspirações?

No livro “A viagem de Meteoris”, as ilustrações são como se a personagem, que tem 13 anos, tivesse desenhado. É como o “Diário de um Banana”, em que ele próprio desenha suas tragédias. O livro é uma carta que a personagem escreve para um amigo e, no conteúdo, mostra os desenhos do que aconteceu. As inspirações vêm do mundo da fantasia, desses mundos imaginários como “As crônicas de Nárnia” e “Harry Potter”. Sempre li muita mitologia grega e os contos de fada do mundo inteiro, como os mitos nórdicos, da África, contos de fadas russos, do Japão, entre outros. Isso é um bom alimento para recriar e a própria mitologia dá a gama das tragédias, das comédias, que não são apenas ideias de fantasia, mas também representam um pouco do que é o ser humano. Por isso, é especialmente importante estudar Escrita Criativa, embasar o romance, a narrativa, as primeiras páginas, como fazer cena a cena, qual é o clímax e como ele leva ao final. É uma teoria louca que nem imaginamos. As ilustrações, geralmente, entram depois. Algumas vezes, porém, faço um desenho e dele acaba nascendo uma história. Outro livro que estou escrevendo é “A sabedoria do elefante”, que tem um roteiro antes da história ser escrita. Enfim, não tenho uma preocupação estética, assim, de perfeição. É um desenho zoeira. Isso é o que eu sei fazer e como eu faço, especialmente, para mim. Eu gosto de usar tinta, colagem, de misturar as coisas, de escrever à mão, de desenhar, enfim, gosto da sujeira. É uma produção meio de fanzine. 

Você já fez algum fanzine?

Já. Em São Paulo, eu e uma amiga tivemos um fanzine chamado “Eu corro o risco”. Durou três números apenas, mas era muito legal. Cada número tinha um tema. Colocávamos letras de músicas bem bregas, pegávamos pedaços de livros, xerocávamos e entregávamos nos bares. 

Para Isabella, a magia da ilustração também está em desenvolver todo o processo à mãoO processo de criação é demorado?

Sim, costuma ser demorado. O livro da Meteoris, por exemplo, comecei a escrever em 2011 e, provavelmente, será publicado em 2020. São nove anos. O livro da Lilian, que fizemos juntas, ficou pronto em 2013 e publicamos em 2018. O do elefante está sendo feito desde 2007. Já faz 12 anos e está longe de terminar. É bem demorado, mas é uma delícia. Tem, ainda, outro projeto que é um livro todo bordado com uma amiga que se chama Sílvia Ueno, que faz roupas bordadas com lantejoula, e outro amigo que desenha, o Lucas Buzatto. 

As suas ilustrações, recentemente, passaram do papel para o tecido, em uma parceria com a marca Varanda. Como foi essa experiência?

Eu estudei com a Carla Ristum, dona da Varanda. Ela convidou um estilista para fazer as roupas e alguns artistas, dos mais variados segmentos, para fazer interferências nessas roupas. Eu desenhei pássaros. As peças foram apresentadas em um desfile na Casa Cor. Em dezembro, elas serão leiloadas e a renda será doada ao Grupo de Apoio à Criança com Câncer (GAAC). 


Texto: Tainá Colafemina | Fotos: Julio Sian

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