Essência contemporânea

Essência contemporânea

Assim como inúmeras mulheres da atualidade, a advogada curitibana Samanta Pineda conta como concilia a carreira, os filhos e, agora, a rotina de primeira dama de Ribeirão Preto

Advogada, consultora jurídica, professora, apresentadora de TV, mãe e esposa: esses são apenas alguns dos papéis desempenhados por Samanta Pineda em seu dia a dia. Natural de Curitiba, é pós graduada em Direito Socioambiental pela PUC do Paraná, com habilitação internacional para coordenar trabalhos de gestão ambiental. Divorciada e mãe de dois filhos, Isadora e Eduardo, Samanta vive o segundo casamento — ainda que o atual não esteja documentado. A relação com Antonio Duarte Nogueira Júnior, que existe desde 2012, a levou a desempenhar um novo e impensado papel: o de primeira dama de Ribeirão Preto. Ainda que o posto tenha causado certo receio inicial, em função da responsabilidade que exige, Samanta já demonstra total desenvoltura como presidente do Fundo Social de Solidariedade. Na entrevista a seguir, destaca os projetos à frente do novo cargo, mas, principalmente, compartilha a trajetória que permitiu a ela construir uma carreira sólida e diversificada, sem abandonar a essência feminina.

Em que momento decidiu que se tornaria advogada e como isso aconteceu?
Sempre alimentei o desejo de ser advogada, mas, como minha família não teria condições de me manter em um cursinho ou em uma graduação particular, precisei  me virar até lá. Comecei a trabalhar cedo, como promotora de vendas. Era uma daquelas moças que passam horas sobre o salto em feiras de produtos variados. Mais tarde, percebi que, se tivesse a carteira de habilitação apropriada, poderia, também, transportar as outras promotoras e acumularia a diária do meu trabalho e da função de motorista. Foi isso que fiz. O Direito só começou a fazer parte da minha vida depois de casada — me casei aos 19 anos e, aos 20, iniciei minha formação superior. 

O Direito Ambiental já era    sua meta?
Na verdade, eu demorei a me apaixonar pelo curso, o que, para mim, era muito importante. Somente no último ano eu tive a cadeira de Direito Ambiental e, aí sim, descobri o que eu queria fazer. Logo que concluí a graduação, fui chamada para trabalhar no Ministério Público, mas percebi que a visão que eu encontrei lá não era a mesma que eu tinha. Aquela era uma leitura muito radical para o lado da preservação. Em contrapartida, o setor produtivo era radical para o lado da exploração. Já eu, entendia que o melhor caminho era o da conciliação, que buscasse a sustentabilidade de fato. Esse foi um dos motivos que me fizeram sair do Ministério Público e abrir meu escritório: tinha apenas um estagiário, um telefone e um computador como meus auxiliares. 

Samanta recebeu a equipe da Revide em sua casa, em Ribeirão PretoQuando vieram os filhos?
Como já mencionei, casei-me muito jovem, em 1994. No último ano da faculdade, planejei minha primeira gravidez. Minha filha, Isadora, nasceu em 2000 e, com ela ainda bebê, abri meu escritório. Isso foi ótimo porque consegui a liberdade de fazer meus horários e cuidar da minha filha. Conciliava meus estudos sobre Direito Ambiental com palestras em sindicatos rurais e da construção civil e trabalhando em causas de outras áreas da profissão, uma vez que minha paixão ainda não permitia pagar as contas do escritório. Em 2003, tive meu segundo filho, Dudu, que, com 10 dias, já ia comigo para o escritório. Amamentei até o sétimo mês, sempre levando eles comigo onde fosse preciso. 

Em que momento percebeu que valia a pena manter a carreira?
Quando comecei, foram criadas muitas unidades de preservação no Paraná. Um dia, em 2005, fiz parte de uma grande reunião com parlamentares, realizada em Curitiba. Na ocasião, estavam presentes dois deputados paranaenses, Abelardo Lupion e Moacir Micheletto, que discursavam em defesa dos produtores rurais. Como já havia estudado muito a matéria, resolvi aproveitar o encontro para expor minha opinião. Pedi a palavra e fiz minha análise da legislação ambiental. O resultado disso foi um convite para palestrar em Brasília. Passei muitas noites em claro me preparando para aquele dia, paguei a passagem até a capital federal com recursos próprios e mantive o mesmo raciocínio: como aquela poderia ser uma chance única, falei tudo o que imaginei ser relevante. Eu tinha 32 anos e estava bem nervosa. No mesmo dia, o presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária, Waldir Colato, de Santa Catarina, veio me procurar dizendo que gostaria de me contratar. Em 2007, passei a ser consultora jurídica para Assuntos Ambientais pela Frente Parlamentar. Isso me abriu muitas possibilidades e ampliou meus conhecimentos. Participei, por exemplo, da elaboração do novo Código Florestal.

De que maneira conseguiu conciliar a vida familiar e o trabalho?
Como mãe, foi um período bem difícil, que me obrigou a viajar bastante. Toda semana, eu entrava em um avião rumo a Brasília na terça pela manhã, e voltava no último voo da quarta-feira. Fiz isso durante sete anos. Quando essa jornada começou, eu sabia que havia uma carreira brilhante me esperando, mas eram os meus dois filhos em casa que tinham maior importância. Eles cresceram vendo a mãe viajar, o que, para mim, foi uma divisão absurda durante muito tempo. Recusei diversos trabalhos que me obrigariam a passar muito tempo longe de casa em função deles. O casamento não resistiu a essa dificuldade e acabou depois de 12 anos. A separação definitiva aconteceu no final de 2011.

Como fez para contornar a questão com os filhos?
Apesar da falta que sentíamos uns dos outros, sempre procurei envolvê-los no meu trabalho. Explicava para eles o que eu estava fazendo, a importância de trabalhar naqueles projetos e os motivos que me faziam continuar. Também fazia questão de oferecer palestras sobre o Meio Ambiente na escola deles. Dessa forma, creio que eles Samanta é apresentadora do Programa Direito & Certo, transmitido pela TV Uoltenham crescido até mais interessados pelos temas debatidos na Câmara e no Senado. Hoje, sei que eles morrem de orgulho, pois sabem que estamos fazendo algo relevante e passam a ter ainda mais admiração. Para as mães, o que eu poderia dizer é que elas não devem temer o tempo que investem na carreira, sempre sabendo dosar e conversar com os filhos.

Como foi iniciar um relacionamento onde cada um já tinha os próprios filhos? Foi fácil estabelecer uma convivência entre eles?
Quando começamos a namorar, em 2012, uma das primeiras coisas que dissemos um para o outro foi que tínhamos filhos e que eles eram a razão das nossas vidas. Sempre falamos das crianças um para o outro. Confesso que, no início, por uma questão de Geografia, não apostava muito na continuidade do namoro: eu morava em Curitiba e ele ficava entre Brasília e Ribeirão Preto. No entanto, a relação que se estabelece quando somos mais velhos costuma ser muito diferente e os laços foram se formando naturalmente. Conversávamos muito sobre todos os assuntos, não havia cobranças. Quando chegou o momento certo, nossos filhos se conheceram e se entenderam imediatamente. Eu já estava separada há um certo tempo, assim como ele. Então, os filhos não viram nenhum pivô naquela relação. Aos finais de semana, quando possível, estamos juntos e curtimos bastante. Os filhos do Nogueira são extremamente educados, o que é mérito da mãe deles também, a Cristina. Acredito que, pela maturidade com que nós dois encaramos tudo isso, tudo aconteceu com muita leveza. 

Como você definiria o perfil da mulher contemporânea?
A mulher contemporânea cuida de tudo ao mesmo tempo: da carreira, de si mesma, dos estudos e muito mais. No entanto, por mais que tenha havido muitas transformações, nossa natureza não deixou de existir. Precisamos ser, sim, o alicerce da família. Na minha visão, essa é a essência da mulher. Para mim, não dá para dizer que homens e mulheres devem ser iguais. Acredito que a conta da igualdade entre eles e elas precisa considerar espaço para que as mulheres sigam desempenhando o papel que cabe na sua natureza. Independentemente da religião, a Bíblia é um livro com 2000 anos e lá já estava escrito que “a mulher sábia edifica sua casa”. Eu mesma, no meu primeiro casamento, sou exemplo porque não consegui perceber a hora de reagir para que a relação sobrevivesse. Minha vida mudou e eu nunca fui tão apaixonada como sou agora, mas ninguém se casa pensando na possibilidade da separação. Nisso, a mulher tem o papel principal e precisa se conscientizar disso. A mulher pode chegar ao topo da carreira, pode encarar os homens em pé de igualdade em uma série de situações, mas, se ela quiser ter uma família, terá que reservar tempo para isso também.

Na sua leitura, o que é o empoderamento feminino?
Traduziria o termo para liberdade: hoje, as mulheres podem escolher se querem ser “belas, recatadas e do lar” ou se querem ser “atacadas, entusiastas e do trabalho”, entre tantas outras opções. O empoderamento da mulher está em ninguém mais ter o direito de dizer a ela o que deve fazer. Ela pode tomar as próprias decisões e será bem-sucedida em qualquer atividade que escolher para si, desde que tenha consciência do que deve fazer. O empoderamento verdadeiro está em poder decidir o que eu quero da minha vida. 

As mulheres já não são novidade no mundo dos negócios, da política e do esporte, por exemplo. Acredita que já houve avanços? O que elas ainda precisam conquistar?
Realmente não existe local onde a mulher não entre, inclusive, naquilo que exige força física. O que falta, no meu entendimento, é o reconhecimento dos homens. O machismo ainda existe, é uma realidade. Quando cheguei à Câmara dos Deputados, tive que enfrentar um estranhamento: se não era velha, gorda ou feia, então, devia ser incompetente. Ou então, eu devia ter alguma indicação especial, se é que você me entende. Tive que provar que não precisava de ninguém e que a minha competência havia me levado até ali. Aliás, na política, elas ainda não ocupam o devido espaço. Estatisticamente, ainda há um índice muito pequeno de mulheres em cargos de comando e muitas delas são excelentes exemplos. Por natureza, as mulheres tendem a ser boas estrategistas e negociadoras, têm mais facilidade para se colocar no lugar do outro. Até mesmo em entidades originalmente masculinas, como a Maçonaria e o Rotary, a mulher já encontrou espaço. 

Em algum momento imaginou estar no papel de uma primeira dama?
Nunca. O Duarte Nogueira só confirmou que se candidataria, nesta última ocasião, muito perto do lançamento de sua candidatura. Então, não tive muito tempo para refletir a esse respeito. No entanto, no momento em que ele tomou a decisão, decidi que embarcaria junto. Eu acredito muito em Deus, mas há quem prefira pensar no universo. Sendo assim, creio que o universo conspira a nosso favor quando não conspiramos contra ninguém. Hoje, sou a primeira dama de um homem totalmente dedicado ao trabalho, um prefeito estudioso e com uma reputação impecável. Essa responsabilidade me assustou muito, mas, quando percebi o quanto eu poderia fazer, não tive dúvidas de que nada acontece por acaso. A vida inteira eu me preparei para realizar algo diferente: advoguei em casos difíceis, escrevi legislações, dei palestras. Quando já não poderia mais imaginar para onde seguir, acabei me tornando a primeira dama de Ribeirão Preto e estou muito orgulhosa por isso. 

Acredita que existe certo sexismo, ou até preconceito, em relação ao papel da primeira dama?
Não penso assim — talvez essa seja a visão de feministas radicais. A primeira dama trabalha, voluntariamente, em prol da cidade governada pelo seu marido: o que é isso senão a extensão do ditado da mulher sábia que edifica sua casa? Quando a presidente do Fundo Social é a esposa do prefeito, ela tem um papel muito maior do que só cuidar de causas sociais. Meu papel, hoje, é funcionar como um catalizador entre as secretarias do município. Muitas vezes, nossos projetos são desenvolvidos em parceria com outras pastas. Tenho visto essa integração acontecer de forma muito natural. O papel da primeira dama está intimamente relacionado à pessoa que o desempenha: tem quem escolha o “damismo” e tem quem aproveite para despachar com o prefeito no jantar. Hoje, a mulher tem mercado, vive outra realidade e não vive mais apenas dedicada aos chás beneficentes. 

Especialista em Direito Ambiental, Samanta  já palestrou em dversos cantos do paísQual foi a situação que você encontrou quando chegou ao Fundo Social de Solidariedade?
Infelizmente, encontramos um ar de abandono. As ex-presidentes do Fundo Social de Solidariedade eram muito engajadas e envolvidas com o voluntariado, cheias de boas intenções e de grandes ideias, mas não tinham acesso à ex-prefeita. Por isso, não conseguiram fazer muito daquilo que certamente queriam. Tanto a Mara Pareira Alvim, quanto a Marina Vassimon realizaram muito, mas ficaram limitadas aos recursos e aos projetos repassados pelo Estado. O que conseguiram fazer foi graças ao empenho de cada uma. Este ano, tivemos que começar tudo outra vez. Hoje, já podemos comemorar vários avanços.

Quais são os projetos em andamento?
Antes de mais nada, vale ressaltar que o Fundo Social não é pautado pelo puro assistencialismo; nosso foco é possibilitar geração de renda para as famílias carentes. Os cursos que vieram do Estado, como o Padaria Artesanal e o Agulha Solidária vão continuar, agora, sem os repasses estaduais. Esses cursos serão abertos em abril. Também daremos andamento à Farmácia da Gente, que distribui medicamentos para a população. Vamos promover a inclusão digital do idoso, que já recebeu a doação de 20 computadores; e um curso de cabeleireiro, em parceria com o Estado. Há, ainda, o projeto do catador, que disponibilizará um Ecoponto na Av. Barão do Bananal  para receber recicláveis e transformar os cartadores em educadores ambientais. Em parceria com a USP, faremos a incubação de uma cooperativa que possibilite a geração de renda para essas famílias. Vale mencionar o projeto Skate para a Vida, que será realizado em parceria com uma instituição da Califórnia, chamada Next Up. Já temos recursos para a construção de uma pista de skate no Parque Maurilio Biagi. A ideia é realizar, também, palestras sobre drogas, violência, gravidez na adolescência, entre outros temas. Há outros projetos em andamento e também sendo planejados com cuidado. Faremos, claro, as tradicionais campanhas de Páscoa, Dia das Crianças e Natal e também os eventos, que são muito importantes para angariar recursos para as instituições. 


Texto: Luiza Meirelles
Fotos: Ibraim Leão

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