Experiência olímpica

Experiência olímpica

Integrante da comissão técnica da seleção feminina de vôlei em três ciclos, Marco Antonio Di Bonifácio compartilha histórias e analisa a participação do Brasil nos Jogos de Tóquio

Texto: Paula Zuliani

Com 21 medalhas, sendo sete ouros, seis pratas e oito bronzes, o Brasil fez a sua maior campanha da história nos Jogos Olímpicos de Tóquio, encerrados no domingo, 8 de agosto. Até então, o recorde era 19, registrado em 2016, no Rio de Janeiro. Quem acompanhou esta edição teve a oportunidade de se emocionar com as conquistas de Ítalo Ferreira, Rebeca Andrade, Ana Marcela Cunha, Rayssa Leal, Isaquias Queiroz, Bruno Fratus, Mayra Aguiar, Alison dos Santos e Hebert Sousa, entre outros competidores que se consagraram diante do público.

Os holofotes ficam no pódio, na performance, mas há muito mais do que isso. A Olimpíada é feita por seres humanos, com seus erros e acertos, alegrias e decepções. Muitas vezes, o que fica marcado na memória dos participantes e dos espectadores não é a medalha e sim as histórias de superação dos que trilham esse caminho. Na entrevista a seguir, Marco Antonio Di Bonifácio, o Boni, divide suas lembranças da competição, analisa o desempenho do Brasil e cobra mais apoio ao esporte.    

Como começou a sua trajetória no esporte?

A paixão pelo esporte vem desde a infância. Comecei a me interessar por esse universo por causa da escola, que naquela época nos apresentava a diferentes modalidades, e do incentivo da minha família. Investi primeiro na natação, mas, como todos em casa jogavam vôlei, acabei seguindo o mesmo caminho. Tudo deu muito certo. Sempre me dediquei ao máximo e isso trouxe resultados. Em pouco tempo, fui convocado para a seleção brasileira infanto-juvenil e eleito o melhor atleta do campeonato sul americano. Tive o privilégio de integrar o elenco de grandes equipes, como Fiat/Minas, Banespa e Pirelli. Depois, fiquei três temporadas na Itália, onde também aprendi muito.

Encerrada a carreira dentro da quadra, continuei do lado de fora. Fiz Educação Física, mestrado e doutorado na área de Psicologia no Esporte. Aceitei o desafio de trabalhar como assistente técnico e técnico. A convite do técnico da seleção brasileira feminina de voleibol, José Roberto Guimarães, passei a ser o responsável pelas análises estatísticas dos jogos e dos adversários. Participei de três ciclos olímpicos. Em Pequim-2008, fomos campeões. Em Londres-2012, conquistamos o bicampeonato. O último foi o Rio-2016, quando perdemos para a China nas quartas de final.

Quais são as suas melhores lembranças dos Jogos Olímpicos?

A Olimpíada é, sem dúvida, uma competição com um clima diferente. Você treina no seu limite o tempo todo. Não dá para deixar nada para amanhã. É tudo no máximo e agora. Além disso, temos o prazer de conviver por alguns dias com atletas de outras modalidades, inclusive ídolos do esporte como Michael Phelps e Rafael Nadal, por exemplo. Lembro que um dia, em Pequim, eu e o Ricardo Tabach, auxiliar técnico da seleção masculina de vôlei, estávamos andando pela vila quando vimos o Kobe Bryant, da seleção americana de basquete. Queríamos tirar uma foto, mas um segurança nos barrou. Alguém tinha comentado comigo que ele morou por um tempo na Itália.

Então, perguntei, em italiano, se poderíamos tirar uma foto. Ele aceitou na hora. Fiquei impressionado com a simplicidade e com a alegria desse cara. Temos a oportunidade de enxergar o ser humano e não apenas o atleta. Ainda em 2008, não quis tirar uma foto com o tenista que ocupava o sexto lugar no ranking mundial. Esse cara é, simplesmente, o Novak Djokovic, o maior do mundo na atualidade. Essas são apenas algumas de muitas histórias. Estar em uma Olimpíada é uma experiência única.

O evento também contribui para colocar outras questões importantes em debate. Neste ano, podemos dizer que a saúde mental dos atletas foi o principal tema?

Sem dúvida, esse tema merece atenção. Os atletas de alto rendimento que participam da Olimpíada estão sempre pressionados, em busca de resultados. É uma tensão enorme. Os olhos do mundo estão em você. Com o intercâmbio de conhecimentos, em termos de técnica e tática, a maioria das nações está bem nivelada.

O que desequilibra é o fator psicológico. Em meio a tanta expectativa sobre o seu desempenho, vimos a Simone Biles, grande ginasta americana, desistindo de se apresentar em algumas finais para se preservar e cuidar da saúde mental. Vimos Djokovic, favorito à medalha de ouro, perder a cabeça e quebrar uma raquete em pleno jogo. Esses são sinais de um nível de estresse preocupante. Não basta repetir exaustivamente um movimento. Não basta ter um bom condicionamento físico e uma boa estratégia. O emocional pesa nessa hora. Mente e corpo precisam estar fortalecidos e em equilíbrio.

Qual a sua análise sobre a campanha do Brasil em Tóquio?

Superamos nossos recordes, mas a verdade é que o Brasil poderia ter ido ainda melhor. O nosso número de medalhas é irreal perto do que podemos produzir. Temos um potencial humano incrível. Os irmãos Yamaguchi e Esquiva Falcão, por exemplo, que ganharam a medalha de prata e de bronze no boxe em Londres. Os dois treinavam em bananeiras, sem incentivo nenhum e, mesmo contra as probabilidades, subiram no pódio. Agora, imagina todo esse potencial com a estrutura e o suporte necessários para que eles se desenvolvessem adequadamente? O que eles poderiam fazer? Viver para o esporte, aqui no nosso país, não é uma tarefa fácil.

Por isso, temos que dar o devido valor a jornada de cada um dos atletas que nos representaram, independente de medalhas. Só para eles estarem ali, pode acreditar, foi um longo caminho. Sediamos uma Olimpíada e nem centro de treinamento olímpico nós temos. Em países como Estados Unidos, Inglaterra, Alemanha e Japão, entre outros, existem vários centros de treinamento. Os atletas contam com condições iguais — de espaço, de equipamentos, de reabilitação, de alimentação e de descanso — constantemente. Só o Phelps tem 28 medalhas olímpicas, sendo 23 de ouro. O Brasil, em toda a sua história, tem 33. Não se ganha uma medalha ali, naquele instante da competição. A vitória é resultado de muito trabalho.

E por que não temos essa estrutura aqui no Brasil?

 Porque temos uma política pública ineficiente em diversos aspectos e no esporte não é diferente. Os recursos não são administrados como deveriam e, assim, não conseguirmos investir, principalmente nas escolas e nas categorias de base, onde identificamos e formamos nossos talentos. Infelizmente, alguns gestores se prendem na legalidade e passam por cima de algo muito mais importante: a moralidade.  

Como está a situação do esporte aqui em Ribeirão Preto?

Os anos passam e pouco, ou quase nada, muda. O esporte, aqui em Ribeirão Preto, está na UTI. A pasta, que já recebe o menor repasse da Prefeitura — 0,39% do orçamento —, perde o controle ao tentar contemplar todas as áreas: esporte social, formação, alto rendimento e universitário. Eles querem nos vender números, quantidade, mas isso, na maioria das vezes, não reflete a realidade. É uma administração de justificativas e de convencimento. Sempre tivemos talentos exponenciais, em várias modalidades. Precisamos resgatar isso. Esse processo passa pelas escolas, pelos clubes e pelas associações esportivas. 

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