Gestão de integridade

Gestão de integridade

Com base na cultura de princípios, a psicóloga Mônica Silvestre Santos fomenta a ética empresarial e aposta no desenvolvimento de valores básicos para o crescimento do mercado de trabalho

Nos últimos tempos, o foco da seleção de profissionais tem mudado consideravelmente. Atualmente, é cada vez “Empresas são feitas de pessoas, por isso, é preciso investir no seu desenvolvimento”, acredita Mônicamais comum as empresas adotarem a chamada “seleção de valores”, onde os propósitos de vida pesam mais na escolha de um candidato do que a sua formação ou a sua experiência profissional. 

Segundo a psicóloga Mônica Silvestre, o objetivo é contratar pessoas com valores alinhados aos da empresa, formando assim uma relação sólida e duradoura. Especialista em gestão estratégica de serviços, Mônica atua com o fortalecimento da cultura de princípios, com a melhoria do clima organizacional e com o desenvolvimento de lideranças, e acredita que, através de um trabalho sistêmico, é possível desenvolver noções básicas de relacionamento dentro do meio corporativo que está tão corroído, credibilizar o produto e atravessar crises econômicas. Na entrevista a seguir, a psicóloga esclarece o que é cultura de princípios e como ela influencia na gestão empresarial.

Revide: Como começou a sua trajetória profissional?
Mônica:
Sou psicóloga com MBA em gestão estratégica de serviços, psicodramatista, coach, consteladora sistêmica e possuo uma empresa de consultoria especializada no fortalecimento da cultura de princípios, na melhoria do clima organizacional e no desenvolvimento de lideranças e equipes. Atualmente, estou escrevendo um livro e trabalho orientando gestores e colaboradores que buscam evolução e propósito, além do lucro.
 
Revide: Quando você decidiu disseminar a cultura de princípios?
Mônica: Assim que me formei em psicologia, sabia que gostaria de trabalhar com grupos e foquei na área de direcionamento de grupos. A psicologia ainda é muito elitista, por isso, ao trabalhar com empresas, consigo atingir maior número de pessoas. Para aprimorar os atendimentos fiz algumas especializações focando mais na área empresarial, racional, de negócios e de relacionamento interpessoal. Além disso, procurei entender a fundo sobre gestão de conflitos. 
Com a junção dessa experiência e formação, pude compreender e trabalhar com o clima organizacional, percepção de ambientes, conflito entre liderança e equipe, desmotivação, fofocas e outras situações que acontecem no ambiente de trabalho. Faço um diagnóstico inicial e, depois, uma intervenção para que o ambiente empresarial seja um lugar propício para o convívio entre líderes e colaboradores.
 
Revide: O que é a cultura de princípios?
Mônica: A cultura de princípios não é uma ferramenta profissional e sim um meio de vida. É uma junção de tudo o que aprendemos em casa, com a família, nossos valores e aquilo que desejamos levar para toda a vida. A cultura de princípios é baseada em tolerância e na solidariedade; ela respeita os direitos individuais, assegura e sustenta a liberdade de opinião e se empenha em prevenir conflitos, resolvendo-os em suas fontes. 
Ao olharmos para o âmbito empresarial, entendemos que a cultura de princípios nada mais é do que o proprietário ter a verdadeira consciência do que é inegociável para ele e, automaticamente, deixar isso claro para os colaboradores. Vale ressaltar que no atual contexto socioeconômico, da maior crise de confiança do mundo, manter uma forte base moral é o único caminho para não se afundar junto com a âncora da corrupção e da imoralidade que assola o mundo. Muito mais do que diferencial, uma cultura de princípios será uma questão de sobrevivência organizacional.

Revide: O que é necessário para implantar a cultura de princípios?
Mônica: É necessário que a pessoa substitua a secular cultura de competição por uma cultura de colaboração, mas isso requer um esforço educativo prolongado para modificar as reações à adversidade e a construção de um modelo de desenvolvimento que possa suprimir as causas de conflito.  
No campo do desenvolvimento econômico, por exemplo, é preciso passar da economia competitiva para um modelo de desenvolvimento mútuo e sustentável. É necessário revisar nossos conceitos e adotar modelos mais humanos, respeitando as diferenças, tradições, individualidades e incorporando uma dimensão social e de participação. 
Conscientemente ou não, intencionalmente ou não, toda organização tem sua cultura própria, assim como um DNA. Uma empresa possui um código cultural, uma bússola interna de valores compartilhados que orienta e reforça o comportamento, a postura e as escolhas dos membros. Com base nesse conceito é importante frisar que valores são diferentes de princípios. Enquanto o primeiro é relativo, mutável e depende de orientações externas, o segundo é orientado pela essência, logo é absoluto, imutável, atemporal, acultural e busca um bem comum. São os princípios que constroem os valores.

Revide: Por onde começa a inclusão dessa cultura?
Mônica: A construção da cultura de princípios começa a partir de uma atitude pessoal que pode se refletir em diversos campos da vida, no meio ambiente, na sociedade, nas crenças, na vivência coletiva. Uma pessoa sem princípios é confundida como uma pessoa sem caráter ou com mau caráter, que busca seus interesses pessoais a qualquer preço, uma vez que acredita que os fins justificam os meios. Em contrapartida, uma pessoa de princípios tem valores essenciais, como a ética e a verdade, é uma pessoa colaborativa que acredita que por meio do apoio mútuo todos ganham. Na empresa é a mesma situação. A partir desse ponto de partida individual, essa discussão passa a se fortalecer quando pessoas que têm em comum a responsabilidade pela construção de um novo mundo, colocam este tema como uma das principais ações educativas que promovem ações efetivas para disseminar a cultura de princípios.

Revide: Quais são as principais características da cultura de princípio? É possível fazer da cultura de princípios uma Periodicamente, Mônica visita empresas para promover cursos sobre fortalecimento internorealidade concreta e duradoura?
Mônica: Cultura de princípios é aquela que se orienta por valores essenciais, imutáveis e que buscam um bem comum e uma harmonia entre todos os sistemas e organismos que fazem parte de um todo. Logo, uma empresa que tem uma cultura de princípios cultiva relacionamentos íntegros e solidários, não só entre seus membros, pares e clientes, mas com seus parceiros, com a comunidade e com o planeta. 
Além de inclusiva, a cultura de princípios é sustentável e pratica o capitalismo consciente. Viver uma cultura de princípios é ser e se relacionar de acordo com uma bússola moral interna, que orienta todas as escolhas de forma ética, verdadeira, colaborativa, diligente, transparente, respeitosa, justa, humana, solidária e sustentável. É um processo que tem um começo, mas nunca pode ter um fim. Para surtir efeito no mercado de trabalho, é importante que sua elaboração tenha participação de todos, tendo como pano de fundo a tolerância, os direitos humanos e o respeito ao próximo. 

Revide: Qual é a importância dessa cultura, ou melhor, dessa psicologia dentro de uma empresa?
Mônica: Essa cultura começa pelo cérebro gestor — CEO, fundadores, presidentes, alta liderança estratégica e de forma vivencial. Não adianta ter quadro na parede esclarecendo a missão, visão e os valores compartilhados, se eles não forem vividos e exemplificados pelas lideranças. Dessa forma, uma cultura de princípios só é criada por pessoas com princípios, que exercem uma liderança consciente. 
A consciência é o principal diferencial na cultura e é o seu nível que irá definir a amplitude de visão para fazer gestão, assim como as necessidades e os repertórios emocionais e relacionais envolvidos. O acesso a esse nível de consciência depende do grau de evolução, que começa do nível raso de sobrevivência — poder e autoestima — e se eleva através da transformação pessoal aos níveis mais altos de contribuição — serviço e amor —, um legado que tem como propósito o interesse coletivo, um mundo melhor. Dessa forma, uma cultura de princípios implica ter, antes, uma visão de mundo sistêmica, interdependente e integral e um propósito maior que si mesmo.

Revide: De que maneira essa cultura de princípio interfere no ambiente organizacional?
Mônica: É preciso compreender que os valores definem como as empresas se comportam e isso será um cada vez mais importante, tanto nas decisões dos consumidores, quanto na relação duradoura entre colaborador e empresa. Há tempos que alguns paradigmas de negócios não servem mais nem às empresas, nem à sociedade. Hoje, não é mais suficiente oferecer um excelente serviço — é necessário basear-se em valores e regras que apoiam um bem comum. 
Primeiro, precisamos identificar os princípios e metas que norteiam o comportamento de cada pessoa, pois eles são fundamentais para garantir uma boa contratação, assim como é importante que o colaborador conheça o valor da empresa e de seus líderes para que essas características possam caminhar de acordo com aquilo que buscam. 
Quando trabalhamos em uma empresa cuja cultura está alinhada com os nossos valores pessoais, somos capazes de nos dedicarmos integralmente ao trabalho. Contribuímos com o nosso entusiasmo e com o nosso compromisso para o bem-estar do nosso grupo. É importante que a empresa deixe claro quais são os seus principais valores e que estes estejam de acordo com a postura de seus líderes. A empresa contribui para que esse padrão desperte no colaborador, então, não adianta dar um treinamento se a pessoa não assume tais valores para si.
 
Revide: Que diretrizes éticas são necessárias para manter um ambiente colaborativo?
Mônica: Não existe receita. É necessário que a empresa tenha um propósito maior que o lucro — sem um propósito é mais  fácil ela se desviar da ética, aceitando situações mais fáceis para aumentar a rentabilidade. O lucro é muito bom, mas, apenas,  se for saudável, sustentável e ético, e ser ético nada mais é do que buscar o bem comum. Quando a empresa tem esse direcionamento é mais fácil trilhar o caminho da honestidade e dos princípios empresariais. 
O segundo ponto é o proprietário saber se deseja deixar um legado, e se é seu desejo que esse legado seja baseado em uma liderança honesta, confiável e humana. Tendo como ponto de partida essas premissas,  é possível passar para os colaboradores a cultura de princípios.

Revide: Quais são as vantagens de ter uma cultura de princípios?
Mônica: Quando se aprofunda nos princípios, descobre-se a dinâmica oculta de como pessoas se relacionam e por que umas sofrem e outras não. Assim como aquele que colhe aquilo que planta, conhecer princípios essenciais e, principalmente, respeitá-los é não sofrer e, ainda, fazer uma boa colheita. O contrário também é verdadeiro. Uma empresa que cultiva uma cultura de princípios colhe relações de confiança, de colaboração e de comprometimento. Além de melhores resultados, a cultura de princípios contribui para melhorar o trabalho e suas relações, propicia um ambiente de trabalho leve e espontâneo e, portanto, mais saudável e feliz.

A psicóloga atua de forma seletiva com líderes e empresas que buscam crescimento com propósito e sustentabilidadeRevide: Que mudanças que podem ser percebidas entre as empresas de antigamente e as atuais, que contam com uma participação mais humana no mercado de trabalho?
Mônica: A principal mudança está em não olhar a empresa como máquina, que apenas visa ao lucro, que considera as pessoas como recursos ou peças descartáveis que podem facilmente ser substituídas. Está em olhar a empresa como um organismo vivo, um agente social, como uma pessoa jurídica que tem uma responsabilidade com os próprios colaboradores. Aliás, a mudança começa substituindo a palavra funcionários por colaboradores, lembrando que uma empresa pode ter um dos dois, tudo depende da forma que ela se relaciona com ele.
Hoje, temos outro nível de consciência: empresários que não visam apenas ao lucro, que tratam o resultado financeiro como um propósito, o que faz toda a diferença. A partir do momento que uma liderança pensa com essa visão sistêmica, ela passa isso para os colaboradores que trabalharão confiantes. Com isso, o sucesso torna-se uma consequência.

Revide: Essa nova visão surtiu efeitos também na contratação dos colaboradores. O que mudou nessa avaliação?
Mônica: Os valores e as competências comportamentais tornaram-se fatos importantes, antes mesmo do conhecimento técnico na hora da seleção das pessoas. Para muitas empresas, quanto maior o nível de aderência dos colaboradores aos valores e aos princípios, maior é o nível de engajamento e de confiança. Afinal, é mais fácil a pessoa fazer um curso do que adquirir um princípio, pois quando vai trabalhar na empresa ela leva padrões do seu próprio sistema familiar, que é um dos principais influenciadores. Por isso, quanto mais a pessoa tem consciência e consegue entender a importância do princípio e do valor empresarial, maior será o resultado profissional e, consequentemente, o pessoal.

Revide: Os casos de corrupção têm influenciado na organização empresarial que busca uma atuação a partir de princípios?
Mônica: O primeiro passo é identificar que a corrupção existe em pequenas coisas, por exemplo, a mentira. Se tivermos esse hábito em nossa casa, levaremos isso para a empresa, sendo assim, o conceito inicial de corrupção deve ser mudado individualmente. Além disso, estamos vivendo um momento em que é preciso aumentar a nossa imunidade emocional e moral porque é muito fácil se perder em meio a tantas notícias sobre corrupção. Em um momento de crise, é necessário que o indivíduo não abra mão daquilo que é precioso. 

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