A gestão esportiva sob nova perspectiva

A gestão esportiva sob nova perspectiva

Ricardo Aguiar utiliza os aprendizados conquistados durante a trajetória vitoriosa como atleta para reestruturar a Secretaria de Esportes de Ribeirão Preto

Segundo Ricardo, a principal conquista da sua gestão, até agora, foi a retomada da credibilidade da pasta junto à população da cidade.Desde a infância, o universo dos esportes esteve presente na vida de Ricardo Aguiar. Filho de funcionários públicos, cresceu dentro do campus da USP em Ribeirão Preto e começou a frequentar a pista de atletismo da Universidade com aproximadamente dez anos. Conduzidos por um grupo de estudantes do 6º ano de Medicina, os treinos, que antes eram encarados como uma brincadeira, logo ganharam mais importância e passaram a ser diários. Nessa época, Ricardo também se encantou com os filmes de luta. Durante os intervalos, apagava a luz do quarto e tentava recriar os movimentos que tinha visto. Em uma dessas sequências de golpes descoordenados, acabou quebrando a televisão. No dia seguinte, a mãe o matriculou na aula de karatê, modalidade pela qual se apaixonou.

Paralelamente, iniciou uma carreia nos campos de futebol. Jogou por seis anos na categoria de base do Botafogo. Recebeu convites do Atlético Mineiro e do São Paulo. Inclusive, nesse último clube, foi aprovado em um teste, mas, com apenas 12 anos, os pais não o liberaram para morar sozinho na capital. Após algumas temporadas, por não enxergar um futuro nos gramados, Ricardo encerrou essa etapa. Deu prioridade aos estudos na Faculdade de Educação Física e voltou a se dedicar 100% ao karatê. Competiu por Ribeirão Preto, Santo André, Guarulhos e São Caetano. A busca pela excelência se tornou um hábito e o primeiro título, o Campeonato Mundial de uma organização, veio como consequência. Muitos outros foram conquistados em seguida. Integrando a Seleção Brasileira de Karatê por oito anos, sagrou-se campeão brasileiro dez vezes. Venceu, também, o Pan Americano, três vezes, e o Sul Americano em cinco oportunidades. 

A perda do mestre, em 1993, foi um golpe duro na carreira do atleta, que teve que desenvolver sua própria metodologia para continuar. A experiência fez com que Ricardo se interessasse pela formação de novos talentos e fundasse, há 23 anos, o Instituto Ricardo Aguiar, voltado para ensino e treinamento de artes marciais. Mesmo com condições físicas para continuar produzindo resultados de alto rendimento, optou por finalizar, gradativamente, a atuação dentro do tatame com apenas 31 anos, por discordâncias com os dirigentes da modalidade no país naquela época. Tempos depois, assumiu o cargo de técnico da seleção de base, alcançando vitórias memoráveis. Desde 2013 como técnico da seleção principal – e coordenador geral desde 2015, levou o Brasil do 26º ao 4º lugar no ranking mundial, posição que ocupa atualmente. Agora, está à frente da seleção olímpica, que tem estreia marcada no Japão em 2020. Além de comandar a escola, do trabalho como dirigente e das palestras que ministra no exterior, neste ano, Ricardo aceitou o convite do prefeito Duarte Nogueira e foi empossado como secretário de Esportes em Ribeirão Preto. Na entrevista a seguir, ele comenta como tem sido esse desafio.  

No dia 1º de janeiro de 2017, você assumiu o cargo de secretário de Esportes. Como surgiu esse convite? 
Em 2016, recebi uma proposta de trabalho fabulosa para ser head coach da equipe de karatê da Geórgia, no Oriente Médio. Em princípio, durante nove meses, seria o responsável pela preparação dos atletas que integram o programa Olímpico. Antes de aceitar esse desafio, no entanto, precisava saber como ficaria a situação do esporte em Ribeirão Preto no próximo ano, uma vez que eu coordenava, aqui, o treinamento de cinco atletas de alto rendimento da seleção brasileira. Queria deixá-los bem amparados. Fui buscar informações com uma pessoa sobre esse assunto e ela me disse para retornar no dia seguinte, pois alguém responderia todas as minhas dúvidas. Quando cheguei para a reunião, encontrei o Duarte Nogueira. Conversamos bastante e eu coloquei meus pensamentos sem bandeira e sem particularidade. À época, ele me perguntou se eu poderia traçar um diagnóstico do esporte na cidade. Brinquei que conseguiria fazer apenas um Raio X, nada de ressonância. Apontei algumas questões que me preocupavam, discutimos possíveis soluções e, nesse bate papo informal, aconteceu o convite.

Aceitou, imediatamente, o novo cargo? 
Ricardo: Confesso que fiquei surpreso. Não tenho nenhum vínculo político e nunca me envolvi em nenhuma ação partidária, portanto, não esperava por esse chamado. Pedi um tempo para pensar e para conversar com a minha família. O prefeito me disse: “Claro. Responda amanhã, até às 8h, que eu já quero anunciar em um pronunciamento que vou fazer às 10h”. Sabia que essa decisão mudaria a minha vida. Alguns fatores tinham que ser considerados. Fundei o Instituto Ricardo Aguiar há 23 anos. Mais de 300 alunos treinam comigo semanalmente. Muitas pessoas procuram a escola por minha causa. Além disso, tenho um compromisso com o país. Brigamos por 20 anos para que o karatê entrasse nas Olimpíadas e, finalmente, alcançamos esse objetivo. A modalidade estreia no Japão, em 2020. Sou técnico da Seleção Brasileira e não poderia deixar a equipe nesse momento tão especial. Caso aceitasse o novo cargo, minha missão seria conciliar todas essas funções, manter cada uma delas em perfeito equilíbrio. O prefeito compreendeu e me apoiou. Enfatizou que, desde que eu me organizasse bem e deixasse tudo programado para que a pasta funcionasse durante as minhas ausências, não teríamos problemas. Também ressaltei a importância da autonomia para desenvolver o meu trabalho e tive um retorno positivo. Então, aceitei com a função de dar uma outra cara para o esporte da cidade. 

“Em 2017, mapeamos nossas debilidades e já começamos a solucioná-las”, enfatiza o secretário.A transição foi difícil?
Tive que remanejar a minha agenda, aumentar a minha carga horária e me cercar de excelentes profissionais para que a transição fosse feita da maneira mais natural possível. Minha dedicação, em todas as frentes em que atuo, é máxima. Pelo meu histórico no esporte, nunca quero ser apenas mais um. Quero ser sempre o melhor. Demorou um pouco, mas as pessoas entenderam que eu tinha decidido cuidar de algo maior que, direta ou indiretamente, seria bom para elas também. 

Prestes a completar um ano de mandato, quais foram as suas principais conquistas à frente da pasta?
Nesse período, o nosso principal troféu, figurativamente falando, foi a credibilidade. Pelo histórico negativo que herdamos, a população estava descrente em relação ao esporte na cidade. Além disso, toda transformação, mesmo que seja benéfica, gera um certo desconforto. Quando assumi, encontrei vários obstáculos. Por vezes, foi necessário adotar uma postura mais rígida para mostrar que o perfil havia mudado, sempre com os pés no chão. Com estrutura jurídica e planejamento, as atitudes tomadas foram totalmente resguardadas do ponto de vista legal, para evitar complicações agora e no futuro. É válido esclarecer que o trabalho do secretário de esportes é a gestão esportiva, ou seja, administrar e solucionar problemas. Um deles é a limitação de recursos. Neste ano, conquistamos ótimos resultados esportivos e diversos títulos contando com pouca verba. Precisávamos ajudar o Governo a economizar. Temos ciência de que a situação financeira não está favorável. Sabemos que existem outras áreas, como a Saúde e a Educação, que demandam um nível maior de atenção e de investimento. Se o orçamento estiver reduzido, não podemos cortar os remédios e as escolas. Em vez de reclamar – o que não a resolve nada – decidi apresentar alternativas, sair do trivial para que, com menos, pudéssemos fazer mais. Como o prefeito fala, do limão fizemos uma limonada. Com criatividade e empenho, poupamos mais de R$ 1 milhão de uma pasta que representa 0,3% da arrecadação. Todos os profissionais que vieram para cá, hoje, estão alinhados com essa filosofia. Desenvolvemos projetos bem elaborados, como o da Arena Multiuso na Cava do Bosque, que atraíram incentivos do Governo Federal e Ministério dos Esportes, além de ações de deputados e emendas parlamentares. Isso nos motiva a continuar promovendo melhorias para a população de Ribeirão Preto. 

Como está a reforma da Cava do Bosque?
Todos os trâmites que cabiam à nossa equipe já foram realizados: orçamentos, projetos de engenharia e demais especificações solicitadas. Agora, aguardamos a liberação da verba pelo Governo Federal. Quando isso acontecer, as obras começam. O ginásio principal ganhou muito com a criação do time Vôlei Ribeirão. A quadra, os vestiários e o projeto de iluminação foram reformados, mas ainda temos que fazer alguns ajustes, tanto na parte interna, quando na área externa. Já o ginásio de apoio está bastante depredado. Os vestiários, os banheiros, a pintura da quadra e o teto precisam de reparos. Com a vinda da arena, mudaremos o tatame e os equipamentos da ginástica olímpica para lá e o local que eles ocupavam voltará a ser uma quadra. Precisamos de mais estrutura para a prática de inúmeras modalidades. Os alojamentos que, atualmente, estão interditados por não terem condições para uso, e o complexo aquático também constam na nossa lista de prioridades. A pista de atletismo será apenas repaginada, porque, por falta de espaço físico, não conseguimos expandi-la para receber provas oficiais. Vamos retomar, ainda, as escolinhas de futebol. 

Nesta gestão, parece que existe uma relação muito forte entre o Esporte e o Fundo de Solidariedade. Vocês, de fato, trabalham em conjunto? 
Essa união foi um grande presente que ganhei ao assumir a secretaria de Esportes. Aqui, tenho que fazer uma menção honrosa à Samanta Pineda. Brincamos que ela é presidente do Fundo Social esportivo e eu sou o secretário do esporte social. A Samanta me convenceu de que essas duas frentes deveriam caminhar juntas. Antes, na minha concepção, relacionava a minha pasta com a Cultura e com a Educação, mas não entendia qual seria a ligação com o social. Ela me mostrou que o esporte é uma ferramenta extremamente poderosa no âmbito social, não só como inclusão, mas para o desenvolvimento humano. Superação, desafio, trabalhar em equipe, perder ou ganhar no último segundo: aprendemos a lidar com tudo isso. O meio esportivo em um laboratório que prepara as pessoas para a vida. Se amanhã uma criança que está jogando vôlei na nossa base não se tornar um atleta aqui dentro, eu tenho a certeza de que ele será um grande cidadão e um ótimo profissional lá fora. Entendo que, juntos, temos muito potencial. 

Ricardo explica que o esporte é uma ferramenta extremamente poderosa no âmbito social, não só como inclusão, mas para o desenvolvimento humano.Quais são os planos para o futuro?
Hoje, temos entre 26 e 30 mil pessoas praticando esportes através da Secretaria Municipal de Esportes. No total, 29 modalidades são contempladas. Teoricamente, a cada 22 pessoas, uma faz esporte pela secretaria. Através de parcerias e de convênios, pretendo aumentar essa estatística. Já englobamos o Programa de Integração Comunitária (PIC), voltado para o bem-estar e a saúde dos idosos. Com isso, trabalhamos com o ciclo esportivo do início ao fim da vida. Quanto mais as pessoas praticarem esportes, menos elas precisarão de remédios e de atendimentos médicos. O esporte também pode ser uma ferramenta de auxílio para a educação. A criança que cresce nesse meio aprende muito mais do que habilidades e competências. Desenvolve virtudes como respeito, disciplina, caráter e honestidade. Tende a tirar boas notas na escola e, no futuro, será um cidadão consciente, que fará a diferença nesse mundo. Quero que esses dados sejam mensuráveis. Se eu não apresentar números e resultados, não estou fazendo uma gestão. Em 2017, mapeamos nossas debilidades e já começamos a solucioná-las. O esporte não deve ser consultor. Tem que ser deliberativo, ativo, pois ele nos dá a oportunidade de melhorar a cidade em diversos outros aspectos. Em termos de estrutura, destaco, ainda, a aquisição de equipamentos esportivos permanentes, a modernização de campos em todo o município e duas construções: a de uma pista oficial de skate, no Parque Maurílio Biagi, e a do Centro de Iniciação Esportiva, no Jardim Alexandre Balbo, que é um local sem áreas de lazer. Os investimentos do Governo Federal giram em torno de R$ 4 milhões e podem atingir mais R$ 4 milhões no próximo ano. Estaremos presentes, cuidando de perto dos espaços e fomentando a prática de diferentes modalidades. Por fim, fico feliz em anunciar que, em 2018, estaremos de volta aos Jogos Regionais e Jogos Abertos. Disputei pelo menos umas 20 edições e fui campeão em várias. Por isso, participar desses campeonatos é uma questão de honra. Daqui para frente, os desafios serão ainda maiores do que eu e a minha equipe encontramos quando chegamos. Agiremos como gostaríamos que agissem conosco e, assim, teremos uma cidade cada dia mais esportiva. 

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