A luta contra o negacionismo
Professor doutor Carmino Hayashi, especialista em Ciências Ambientais e Sustentabilidade e colunista do Portal Revide, explica as raízes do movimento negacionista e formas de combatê-lo
A onda de negacionismo e disseminação de fake news se intensificou com a pandemia de Covid-19. Para o professor doutor Carmino Hayashi, que é professor universitário e pesquisador científico em Ciências Ambientais e Sustentabilidade, a negação da ciência advém de vários fatores: do inconformismo a interesses pessoais. "Nesta época pandêmica, vejo com tristeza uma certa desagregação da ciência e da tecnologia tão desestruturada e sem lideranças, não obstante, ainda existe uma enorme parcela de abnegados pesquisadores e cientistas que acreditam e buscam o conheci- mento como forma de melhorar a humanidade", afirma.
Carmino apresenta essas reflexões em seu blog no Portal Revide, o Conhecimento e Desenvolvimento, com o objetivo de contribuir com o processo educacional. Na entrevista a seguir, o professor explica as raízes do movimento negacionista e afirma acreditar em uma mudança de postura nas próximas gerações.
Vemos que as situações de confronto científico, com negacionismo e disseminação de fake news sobre ciência, meio ambiente e saúde, estão crescendo no Brasil. A que você atribui esse movimento?
Atualmente, a disseminação das fake news representa uma tendência mundial, em decorrência, principalmente da rapidez proporcionada pelas novas tecnologias, atreladas aos modernos instrumentos de comunicações digitais. Infelizmente, envolvem toda sorte de matéria e assunto, no entanto, num determinado momento, tornam- -se mais acentuadas em relação aos temas mais evidentes nas mídias, inclusive, atingindo e distorcendo temáticas mais sensíveis e de interesse público, como ciência, meio ambiente, saúde e a própria tecnologia em toda a sua extensão. No Brasil, em especial, temos algumas características comportamentais peculiares, associadas a um processo de carência educacional e instrucional da própria população, que eventual mente corroboram para que as fake news se propaguem de forma descontrolada e danosa como temos verificado ultimamente.
Quais são os prejuízos do avanço desse comportamento?
Em quaisquer situações de anormalidade ou convulsões sociais que exijam tomadas de decisões coletivas ou individuais por parte dos cidadãos, como nesta situação de pandemia que a humanidade vive (nosso país com maior gravidade), o segmento da população mais atingido será aquele mais fragilizado, pois, nessa situação, infelizmente preponderará o poder do mais forte, como sempre. Nessas circunstâncias, a solução mais coesa e inteligente certamente será resultante do conhecimento racional, daí a busca por parte dos interesses hegemônicos em quebrar e distorcer fatos e eventos, utilizando-se do menos capacitado cognitivamente.
O que pode ser feito para combater essas situações de confronto e evidenciar ainda mais a importância da ciência na sociedade em que vivemos hoje?
Essas adversidades que exigem tomadas de posicionamentos diante de um confronto, como a que estamos vivendo hoje em nosso país, onde manifesta- -se um explícito negacionismo com caraterísticas fortemente ideológicas, em detrimento da ciência e do conhecimento científico, somente poderá ser minimizada a médio e longo prazo, por meio de um processo educacional que en volva todos os setores da sociedade na busca formativa de cidadãos cultos, éticos e críticos em relação à consciência do que significa viver coletivamente. Creio também que os cientistas devem fazer a sua ‘mea culpa’, pois, por longo tempo e muitas vezes até hoje, viveram enclausurados em seus próprios conhecimentos.
Em relação ao meio ambiente, o que você acha que gera esse movimento?
As questões ambientais, em termos de conhecimento e aprendizado, são bastante recentes para a humanidade. Os países europeus começaram a tomar consciência somente com o advento da Era Industrial, sendo que, no Brasil, esse processo ainda está muito longe das necessidades de nossa realidade, especialmente por parte do Estado, embora alguns grupos imbuídos de boa vontade trabalhem e lutem para uma tomada de consciência. A ideia de que nossos recursos naturais são ilimitados, infelizmente, ainda per meia o imaginário de grande parte de nossos gestores, formadores de opiniões e tomadores de decisões, mesmo vivendo as sintomatologias evidentes que a natureza nos apresenta. Tenhamos a certeza absoluta de que, de uma forma ou outra, a natureza processará a sua seleção natural em busca de seu reequilíbrio e nós pagaremos o seu preço, como estamos pagando.
Não chega a ser contraditório, em um mundo tão globalizado, com avanço tecnológico, acesso à informação e mais ampla comunicação, ainda existirem ondas negacionistas? Como esses avanços poderiam ajudar a reverter esses pensamentos? Infelizmente, a globalização tem seus prós e contras, assim como as tecnologias desenvolvidas. Apenas é uma questão de como vamos usá-las, com quais objetivos ou quais intenções. Creio que a globalização é um processo irreversível, assim como a tecnologia, ambas evoluindo com uma velocidade extraordinária e cada vez mais complexas. Desde sempre, o domínio da comunicação em suas diversas formas, por parte de indivíduo ou grupos de indivíduos, sobre a grande massa sempre foi o sonho armamentista dos poderes totalitários. Parare verter alguns caminhos incertos e perigosos, faz-se urgente uma tomada de posição local e, sobretudo global, por meio de lideranças idôneas e éticas que conduzam as práticas morais mais próximas de “gente, enquanto gente”, automaticamente, fazendo bom uso das novas tecnologias de comunicação.
Você acredita que as novas gerações possam mudar essa postura? Há uma perspectiva de que o negacionismo perca força nas próximas décadas? Ou a tendência é que se agrave?
Novas gerações implicam em novas esperanças e quebras de paradigmas, portanto, há que se ter esperanças de mudanças positivas nesse sentido. Porém, é preciso provocar essas mudanças, uma vez que as novas gerações, nesse aspecto, nunca mudarão por si só, mediante exemplos tão discrepantes e fora de contexto como as dissonâncias de valores sob as quais convivemos. Caso contrário, com absoluta certeza, futuramente vivenciaremos uma sociedade em declínio para os padrões de humanização em vigência, embora tais conceitos e valores possam variar no tempo e no espaço. Avaliar melhorias ou pioras é quase impossível, num contexto de instabilidade como o momento atual, notadamente quando observamos impotentes a aproximação de grandes problemas naturais oriundos da inobservância dos princípios mais elementares que a natureza nos mostra.