O poder das artes

O poder das artes

Tendo a admiração pelas artes como denominador comum, o educador Carlos Alberto Regalo e o colecionador João Carlos Figueiredo Ferraz ressaltam a importância de sua valorização

Certamente, um dos grandes papéis das artes, em suas mais variadas formas, é sensibilizar o espectador. É possível afirmar, ainda, que apenas a oportunidade de ampliar os horizontes no universo artístico pode formar um público interessado no assunto e, por causa disso, sensível também para uma série de outros temas. Um dos responsáveis por essa intermediação entre produção de qualidade e audiência é, justamente, o colecionador, uma das atribuições de João Carlos Figueiredo Ferraz.

Natural de São Paulo, o empresário escolheu, há 33 anos, fincar suas raízes em Ribeirão Preto, onde começou a dar forma a um antigo sonho: criar um espaço exclusivamente voltado às centenas de obras que admirava e vinha colecionando. Da simplicidade perceptível em seu fundador, surgiu o Instituto Figueiredo Ferraz, que hoje abriga as mais de mil peças que formam a coleção própria do empresário, assim como recebe mostras itinerantes ou palestras de artistas já consagrados, entre outros eventos ligados à arte contemporânea.

O contemporâneo, aliás, é o estilo escolhido por João Carlos, exatamente porque esta é a arte do seu tempo, que intriga e instiga o espectador. No encontro com o incentivador e admirador das artes, Carlos Alberto Regalo, ficam claras as nuances deste trabalho que, além de divulgar obras e seus autores, projeta Ribeirão Preto no cenário nacional e internacional das artes plásticas.

Regalo: Como surgiu seu interesse em se tornar um colecionador de artes?
Figueiredo Ferraz: Na verdade, acho pouco provável que alguém tenha planejado se tornar um colecionador, acredito que os fatos vão acontecendo. Comecei a me interessar por arte há muito tempo, como um curioso a frequentar museus e galerias. Quando cheguei a Ribeirão Preto, tive a oportunidade de alugar uma casa com mais espaço e senti falta de ter quadros nas paredes. Foi então que procurei alguns amigos que entendiam do assunto e acabei conhecendo a galeria de Luisa Strina. Assim nasceu uma amizade que dura até hoje. Comprei o primeiro quadro e coloquei na parede, mas percebi que a outra parede havia ficado enciumada, por isso, comprei outro, e outro. Nesse contato, acabei conhecendo melhor diversos galeristas, artistas, críticos e outros personagens desse cenário. Esse envolvimento com o ambiente artístico me levou a pesquisar e a me interessar ainda mais. Assim, graças à proximidade, fui gostando cada vez mais do mundo das artes e ampliando meu acervo, mas a coleção nunca está completa.

Regalo: Qual foi a primeira obra que adquiriu?
Figueiredo Ferraz: Antes de responder, é preciso voltar ainda mais no tempo e dizer que minha paixão pelas artes começou cedo. Quando era estudante, já comprava papéis, gravuras e desenhos, que eram mais acessíveis. Mas a primeira tela, que tenho até hoje e gosto muito, foi de Jorge Eduardo Guinle Filho, adquirido na galeria de Luiza Strina.

Regalo: Por que optou pela arte contemporânea?
Figueiredo Ferraz: Esta é a arte do meu tempo, aquilo que vivo de verdade e, portanto, faz entender melhor o mundo ao redor. Considero o artista uma pessoa especial, com uma percepção diferenciada, que consegue olhar o que está em volta com poesia e criticidade. Este profissional tem uma capacidade de análise muito maior do que a nossa e nos mostra a realidade de uma forma própria, ao mesmo tempo, sensível e muito dura, contundente. Acredito que, na tentativa de entender o meu tempo, comecei a me aproximar mais da arte contemporânea, com toda sua beleza, sua crítica e sua estranheza, com tudo que ela pode mostrar.

Regalo: Como faz a seleção de uma obra?
Figueiredo Ferraz: Pelo olhar. Compro porque gosto. Não tenho a intenção, ou a obrigação, de ter uma coleção que abranja todos os movimentos, todos os artistas e todas as tendências. Esse não é o papel do colecionador, nem tão pouco o meu. Compro a obra que gosto, e sou eclético. Aprecio fotografia, pintura, escultura, instalações, vídeos e objetos em geral. Minha coleção é bem diversificada.

Regalo: Como é feito o contato com artistas, colecionadores ou marchands?
Figueiredo Ferraz: Este contato é extremamente agradável. Eu tenho uma amizade muito forte com artistas e marchands. Entre outros prazeres que tive ao abrir aqui o Instituto, um deles foi justamente o de poder me aproximar ainda mais dos artistas. Fizemos um auditório para palestras e cursos, o que facilitou essa aproximação. Eles são pessoas atenciosas, pelo menos, no que diz respeito a mim. Tenho um prazer imenso em conviver com eles.

Regalo: Como surgiu o Instituto?
Figueiredo Ferraz: Este espaço nasceu muito mais por causa da minha própria necessidade de acondicionar adequadamente minhas obras, reunidas em 30 anos, do que da vontade de abrir o espaço ao público. Muitas peças são grandes e não cabiam mais na minha casa; algumas delas estavam espalhadas por vários endereços. Eu sempre tive vontade de reunir todo o acervo em um único espaço, para que pudesse apreciá-lo. No inicio, para ser sincero, não tinha intenção de abrir para visitação, pois achava que ninguém iria se interessar. Depois, cogitei abrir com hora marcada, mas quando o prédio ficou pronto, decidi que não poderia ficar fechado. Quem quiser vir que entre e aprecie, a porta está aberta. A entrada é gratuita e, hoje, tem uma visitação consistente. Em três anos, quase 20 mil pessoas passaram por aqui, um número bem significativo para Ribeirão Preto.

Regalo: Você teve apoio de órgãos públicos para a construção ou para a manutenção do espaço?
Figueiredo Ferraz: Não, nunca tive apoio do poder público para isso. O projeto foi concebido da minha poupança e do que pude fazer.

Regalo: Já pensou em cobrar taxa ou receber doações?
Figueiredo Ferraz: Não. A entrada é gratuita, e essa característica está no DNA do Instituto. Eu não imaginava que o espaço teria uma visitação tão expressiva como está tendo. Além disso, há o custo de se cobrar ingresso, então, achei melhor, em vez de dificultar o acesso ao Instituto, elaborar projetos e buscar recursos para sua manutenção junto às leis de incentivo fiscal, como o Programa de Ação Cultural (ProAC) ou a Lei Federal de Incentivo à Cultura, conhecida também por Lei Rouanet. Todas as atividades são financiadas por meio destes projetos, que, por sua vez, são subsidiados pela iniciativa privada. Por isso, não há necessidade de cobrar ingresso.

Regalo: Leis de incentivo fiscal são essenciais para a sobrevivência das artes?
Figueiredo Ferraz: Estes mecanismos são imprescindíveis porque fazer tudo do próprio bolso é impossível. Para se ter um programa, com atuação ampla, que atinja um número maior de pessoas, é preciso investir. A cultura no Brasil ainda precisa ser subsidiada, pois não há por aqui um cuidado ou uma preocupação com sua importância. Acredito que isso aconteça porque as pessoas não têm muita proximidade ou vínculo com as artes, a ponto de bancarem estas atividades. Por isso, é preciso garantir os subsídios até que as pessoas aprendam a gostar e se interessem mais.

Regalo: O Instituto também recebe outras exposições?
Figueiredo Ferraz: Sim. Para isso, fiz uma sala no andar superior justamente para convidar os artistas e receber outras coleções. O Itaú Cultural, por exemplo, trouxe, em dezembro de 2014, uma mostra de fotografia. Neste espaço, realizo um giro maior e trago mais informações para Ribeirão Preto e região. Temos também o auditório, um espaço em que convido os artistas a se apresentarem. Temos ainda um projeto com mostra anual, que acontece entre abril e dezembro, com um curador especializado para fazer um recorte da coleção, selecionar de 120 a 130 obras para expor. Na sala de exposições temporárias, a cada 30 ou 40 dias procuro montar uma mostra diferente, e tem funcionado bem deste jeito.

Regalo: Existe uma ligação do Instituto com as escolas?
Figueiredo Ferraz: Hoje, temos um programa que é a menina dos olhos do Instituto e talvez seja o projeto que amanhã venha a justificar sua existência. Por meio de convênio junto às escolas de Ribeirão Preto e de cidades vizinhas, recebemos estudantes de 8 a 15 anos. Em 2014, alunos de mais de 200 unidades de ensino visitaram o Instituto, além da visitação espontânea. Para recepcionar melhor este público, temos três monitores e uma profissional especialista na área educativa. É ela quem cuida do projeto, visita às escolas, treina os monitores e, uma vez por mês, recepciona os professores para conhecerem nosso trabalho. O curioso é que, muitas vezes, o aluno volta no fim de semana trazendo os pais para ver o acervo. Fico impressionado com o raciocínio poético e abstrato das crianças, com sua capacidade de análise formidável. Eles são incríveis!

Regalo: Que outras atividades são desenvolvidas no Instituo?
Figueiredo Ferraz: Cursos, palestras e exposições temporárias. A vocação do espaço é para as artes plásticas, por causa da minha coleção pessoal, mas fazemos cursos mais abrangentes, que falam também de arquitetura, de fotografia, de design. Procuramos estimular a cultura em todos os seus canais.

Regalo: Do acervo, há uma obra que mais encanta?
Figueiredo Ferraz: As quase mil. Como disse, sempre comprei por paixão, então, todas me interessam. Algumas por serem extremamente bonitas, outras estranhamente agressivas. Cada uma tem seu discurso, sua maneira de afetar ou, de alguma forma, abrir os olhos para uma nova realidade. E quando uma obra tem esta capacidade, ela é imprescindível, por isso, não dá para escolher apenas uma. Todas têm igual valor e beleza.

Regalo: Quais os planos futuros para o Instituto? Pretende expandi-lo?
Figueiredo Ferraz: Reconheço que este espaço ficou pequeno, pois a coleção cresce e quero sempre ampliá-la. Mas a ideia é aumentar este prédio, pois aqui é a nossa casa, e não tenho vontade de sair de Ribeirão Preto, mas a coleção sim. Recebo vários convites e já emprestei diversas obras para mostras nacionais e internacionais, como em Nova Iorque, Madrid e Argentina. A arte precisa ser mostrada, ela não pode ser trancafiada.

Regalo: O Instituto dispõe de um acervo itinerante?
Figueiredo Ferraz: Não. A escolha das obras depende de cada exposição, o que é feito por meio de uma curadoria. Também vai depender da linguagem, do perfil que o curador pretende reunir.

Regalo: Você costuma reservar um tempo para dar palestras, oficinas e workshops?
Figueiredo Ferraz: Tempo sempre dá. Quando se trata de uma verdadeira paixão, falar sobre um determinado assunto é muito prazeroso. Muitos colecionadores acham complicado abrir seus acervos, mas quando os convido a conhecer nosso espaço, fica claro que se trata de um processo simples. Tenho esta proximidade para mostrar o projeto, seja no Brasil ou fora dele, e isso é muito bom.

Regalo: Você utiliza as redes sociais para divulgar as atividades do espaço?
Figueiredo Ferraz: Sim. Tenho uma funcionária que entende tudo sobre o assunto, porque confesso que sou jurássico quando o tema é internet. Na verdade, mal abro meus e-mails, mas tenho uma equipe bastante competente. No nosso site, além de informações sobre o Instituto e o acervo, é possível encontrar vídeos com depoimentos de artistas e muitos outros conteúdos.

Regalo: Qual obra você não venderia?
Figueiredo Ferraz: A rigor, nenhuma. Conheço vários tipos de colecionadores: alguns compram arte como investimento e, portanto, não têm problemas para vendê-las sem nem mesmo tirar da caixa. Este não é o meu caso: eu admiro e me apego a cada uma delas, que estão relacionadas à memória e ao olhar. Para os investidores, recomendo os modernistas, artistas que já têm a obra completa catalogada e já são reconhecidos e valorizados. As fases mais valiosas são conhecidas. Assim o risco é menor. A arte contemporânea é para quem gosta.

Regalo: Sonha em adquirir alguma obra que ainda não tenha?
Figueiredo Ferraz: A lista é imensa, mas, na verdade, existe uma limitação: a financeira, e não há como fugir dela. Só dá para comprar aquilo a que tenho acesso através das minhas posses.

Regalo: Além de tudo o que já foi dito, o Instituto foi também uma maneira de deixar um legado, perpetuar seu nome como amante das artes?
Figueiredo Ferraz: Sinceramente, não. Foi apenas a maneira que encontrei de me satisfazer, enquanto estou vivo. Devemos pensar no nosso tempo, enquanto ainda respiramos. Depois que fechar os olhos, definitivamente, o tempo não será mais meu e, sim, dos meus filhos, que vão saber o que fazer com o que construí. Se quiserem continuar, será ótimo; caso contrário, a decisão caberá a eles. Como não tenho um milésimo de segundo além do tempo em que meus olhos estiverem abertos, então, procuro fazer tudo o que me dá prazer, que me estimula, que torna minha vida mais gostosa.

Regalo: Como foi participar da inauguração do MASP, em 1968, ao lado de seu pai, autoridades políticas e também da rainha Elizabeth?
Figueiredo: A história do Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand (Masp) é curiosa porque tive a oportunidade de acompanhar de perto todo o processo de sua construção. Primeiro, com o desafio do projeto elaborado pela arquiteta Lina Bo Bardi e por seu marido Pietro Maria Bardi, pois o local escolhido impunha algumas restrições urbanísticas. Os problemas foram resolvidos com a criação de um prédio sustentado por quatro pilares, permitindo, assim, que os visitantes pudessem apreciar a vista da cidade, por um vão de 74 metros. Surgiu, então, outro problema: faltavam os cálculos de engenharia que viabilizassem a obra. Este desafio foi aceito pelo meu pai, o engenheiro José Carlos de Figueiredo Ferraz, que criou um sistema de propensão, um tratamento que aumentou a resistência do concreto. Eu devia ter em torno de 15 ou 16 anos quando o Museu ficou pronto e fiquei totalmente encantado com o resultado final do projeto; diante dele, a presença da rainha Elizabeth II não chamou tanto a minha atenção. Hoje, fico feliz ao voltar ao Museu e fazer parte do conselho que está resgatando sua importância para São Paulo.

JÓIA RARA

“Em 2013, visitei o Instituto Figueiredo Ferraz pela primeira vez e, confesso, fiquei impressionado com a grandeza do projeto: uma edificação de 2,5 mil metros quadrados, com um auditório para 60 pessoas, biblioteca e um amplo acervo. Tudo isso, em uma cidade de 650.000 habitantes. A partir da minha visita, tornei-me um divulgador voluntário do Instituto, sem autorização do proprietário. Divulgava para colegas professores, nas salas de aula entre os alunos e também para amigos e familiares. Paralelamente, alimentei a curiosidade de conhecer pessoalmente o mentor do projeto. Os amigos comentavam que ele era pai da Roberta, minha ex-aluna do Ensino Médio, outros, que era marido da Dulce, economista e filho do ex-prefeito de São Paulo, e assim por diante. Todas estas informações pontuais dificultavam meu entendimento total desta obra maravilhosa edificada em Ribeirão Preto. Por isso, não tive dúvidas, ao receber o convite da Revide para fazer uma entrevista sobre quem eu convidaria: João Carlos Figueiredo Ferraz. Os ribeirãopretanos precisam conhecer esta joia rara da nossa cidade. Não poderia deixar de parabenizar o empresário e sua família por esta realização.”
Carlos Alberto Regalo, educador e integrante da diretoria do Grupo SEB

Texto: Rose Rubini
Fotos: Julio Sian

Compartilhar: