Recuperação lenta e gradual

Recuperação lenta e gradual

Esta é a aposta da professora Maria Angélica Oliveira Luqueze para a economia brasileira, que já entrou em uma tendência de retomada do crescimento

Os índices econômicos divulgados neste segundo semestre já deram conta de que o pior momento da crise recente brasileira já passou. O momento é de estabilização e de retomada que, na opinião da economista Maria Angélica Oliveira Luqueze, será lenta e gradual. Formada pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), mestre em Administração pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), com ênfase em Finanças e doutora em Administração com ênfase em Inovação pela USP, Maria Angélica possui MBA em Finanças Corporativas pelo IBMEC e pós-graduada em Engenharia Econômica pela UERJ. 

Sua vinda para Ribeirão Preto correu em função de um mix de oportunidades pessoais e profissionais Atualmente, trabalha na Agência USP de Inovação junto à Coordenação do Projeto Spin Off Lean Acceleration (SOLA), para internacionalização de startups e projetos de inovação. Em seu currículo, acumula a passagem, como professora, pelo Departamento de Administração da PUC-Rio e pela área de finanças da Fundace (USP), da FIA e da FAAP. Também faz parte do Núcleo de Pesquisas em Inovação, Gestão Empreendedora e Competitividade (INGTEC), na USP, que realiza estudos de redes de cooperação e rotas tecnológicas.

Para Maria Angélica, o Brasil tem todos os recursos necessários para se recuperar.De que maneira veio para Ribeirão Preto?
Maria Angélica: No meu entendimento, o mercado de trabalho é mais promissor no Estado de São Paulo do que no Rio de Janeiro, onde nasci. As instituições educacionais paulistas também são muito qualificadas. A decisão de me mudar para cá foi tomada junto com os meus filhos, para que eles pudessem estudar. A troca de endereço aconteceu em 2010 e, hoje, meu filho já concluiu a faculdade de Direito e minha filha está prestes a terminar o curso de Arquitetura. Por esses e outros motivos, acredito que acertei nas minhas decisões. Gosto muito de Ribeirão Preto e fui muito bem acolhida por aqui. Profissionalmente, encontrei um campo fértil para trabalhar e estudar, tendo, inclusive, concluído meu doutorado pela Universidade de São Paulo (USP). Posso dizer que foi uma mudança feliz para a nossa família.

Qual é a sua análise sobre a recente crise político-econômica brasileira?
A nossa crise atual é fruto dos desmandos que ocorreram no passado, em governos anteriores. Equívocos macroeconômicos estão, hoje, refletidos no país. Se olharmos os dois últimos anos, veremos que a economia retrocedeu 7,4%, número bastante elevado e que não será recuperado em pouco tempo. A expectativa, no fechamento deste 2017, é verificar um crescimento entre 05 % e 0,7%. Nos próximos anos, esse índice também não deve ser muito mais significativo. Pela aspereza da crise vivenciada nos últimos anos, podemos afirmar que sair dela vai demorar mais do que gostaríamos. 

É possível encurtar esse espaço de tempo?
Na verdade, é preciso ter paciência, mas as reformas estruturais, que já estão sendo discutidas, são fundamentais para que seja possível voltar a crescer de forma consistente. Todos falam da Reforma da Previdência, que é, de fato, um assunto delicado, pois afetará as pessoas e os benefícios conquistados, mas certamente que esta é a principal conta pública. Na medida em que o governo arrecada menos —em razão da baixa atividade econômica — o balanço passa a ser negativo. Isso fica claro nos déficits fiscais já aprovados: para este ano e para o próximo, os números chegam a R$ 159 bilhões para cada ano. Para fechar essa conta, o governo deve tentar arrecadar mais impostos e emitir mais títulos públicos. 

O cenário político da atualidade dificulta o processo de recuperação?
Pode-se dizer que sim, de diversas formas. Primeiro, porque a crise política atrapalha a aprovação no Congresso de reformas necessárias. Temos um presidente enfraquecido em razão das denúncias contra ele, tentando reunir uma base. No entanto, são muitos candidatos ávidos por cargos e emendas de representação, o que tornam mais difíceis as negociações. A proposta para a Previdência, por exemplo, já foi bastante desidratada e simplificada, mas é preciso promover alguma mudança. Se esse processo de transformação não começar agora, a gestão dos próximos governantes também ficará comprometida. A arrumação da economia precisa ter início imediato para que seja possível recuperar as contas do Brasil no próximo ciclo, independentemente da linha de pensamento econômico do próximo presidente eleito. 

Acredita que seja realmente possível reverter a situação?
O caso do Brasil é muito sui generis porque somos, de fato, uma grande potência. O país possui a 8ª economia do mundo, tem um agronegócio substancialmente forte e pessoas muito capazes para o trabalho. Um bom exemplo é a própria USP de Ribeirão Preto, que reúne excelentes profissionais das mais diversas áreas de excelência. No entanto, precisamos lidar constantemente com a dificuldade de nos mover para frente. A postura dos nossos políticos, que não desenvolvem um projeto de integração de país, está deixando o Brasil para trás em muitos aspectos, na comparação, por exemplo, com outros países emergentes. Seria ótimo que houvesse um “estalo” que levasse os principais líderes políticos e empresariais a colocarem o país nos trilhos.

Trata-se de uma questão de cultura política?
Em parte é uma questão cultural, mas também é um fato relacionado ao poder de mobilização da sociedade. Quando as pessoas procuram fazer valer seus direitos, muitas mudanças efetivas acontecem. Esse foi o caso, por exemplo, do Impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff ou, antes ainda, do aumento das tarifas do transporte público, que geraram grandes manifestações. Quando a sociedade entende que a situação chegou a um ponto insustentável, ela se mobiliza e consegue alterar o andamento daquilo que não a deixa satisfeita

De acordo com a economista, é preciso aprovar as reformas estruturais, como a da Previdência, para que o país volte a deslanchar.Por que não vemos tantas mobilizações nesse momento?
Isso acontece porque, com a inflação em queda e diante da retomada do emprego — ainda que pequena —, as pessoas passaram a sentir certo alívio. Já dá para comemorar a oferta de empregos ressurgindo, a produção e a comercialização de carros aumentando, redução da inflação, entre outros dados positivos. Como o cenário está lentamente melhorando, as pessoas não estão mais indo para as ruas protestar.  O que se vê são manifestações pontuais,  em  função  de  perdas  de benefícios  específicos,  mas  não  se  fala mais em grandes mobilizações sociais. Acredito  que,  assim  como  falta  um pouco de maturidade aos nossos políticos, a consciência social do brasileiro poderia ser muito maior, exigindo decisões que contemplem o que é mais interessante para o país. 

Quem fica com a parte mais “cara” da conta deixada pela crise?
A população com menos renda sofre mais porque também está carente de serviços públicos de qualidade. Para ter saúde, educação, e transporte, por exemplo, depende fortemente do governo, mas, na medida em que falta dinheiro para os investimentos necessários, essa fatia da população fica à mercê da própria sorte. Também sofrem a classe média, que perde seu poder de compra e de contratação de serviços, e a classe alta, que se retrai, deixando de investir por não enxergar um ambiente próspero para os negócios. Sendo assim, todos sofrem, cada um em seu nível, mas as camadas mais pobres, de fato, ficam com a pior parcela.

No mundo corporativo, diz-se que toda crise é também uma oportunidade. Verdade?
Sem dúvida. Nos últimos dois anos, as empresas precisaram sobreviver com recursos muito escassos. Com isso, aprenderam que podem trabalhar com equipes mais enxutas, com insumos mais baratos, com linhas de produção mais eficientes, entre outros fatores. Nesse sentido, acredito que as empresas fizeram seu dever de casa. Exatamente por essa razão, a retomada do emprego acontecerá de modo mais lento — as vagas que deixaram de existir não vão ser reabertas de uma vez só. As empresas irão aproveitar o conhecimento e a eficiência gerados em função da crise para gastar menos. Tais aprendizados aconteceram não apenas nas empresas, mas também dentro da casa dos brasileiros. Depois da crise, as pessoas passaram a ir ao supermercado com um novo olhar, escolhendo melhor os itens que comporão o orçamento, com base em reais necessidades.

Em finanças, a afirmação também é válida?
Sim, vejo que as pessoas estão mais dispostas a fazer ajustes no orçamento e liquidar dívidas. Se, até pouco tempo atrás, muitos procuravam administrar suas dívidas com tranquilidade, passaram a ter maior interesse em cumprir os compromissos por conta do alto desemprego e da queda da renda. Hoje, as pesquisas mostram que a prioridade das pessoas diante do 13º salário é liquidar dívidas, parcial ou integralmente. No universo corporativo, as operações de crédito passaram a ficar muito caras, em função dos juros altos. Então, foi preciso dar um verdadeiro choque de gestão nas empresas, não apenas nas áreas operacionais, mas também nas finanças.

Pela falta de acesso a informações ou pelo despreparo, as pessoas sabem, de fato, o que está acontecendo com a economia do país?
Boa parte da população entende, sim, a gravidade da situação. A maior dificuldade está em olhar para o próximo ano e não enxergar as lideranças que poderiam, politicamente, trazer alento para a população. Há, ainda, quem defenda o governo anterior, por uma questão de ideologia, mas eu diria que a grande maioria da população sentiu o baque dos dois últimos anos de recessão. Se olharmos para outros países, notadamente na América Latina, este biênio foi de crescimento, enquanto a nossa economia encolheu. A Argentina, por exemplo, viveu um período muito severo com o “kirchenerismo” e, agora, está voltando a prosperar, com Mauricio Macri. O novo administrador do país vizinho está conseguindo fazer a economia voltar a girar, renegociando passivos com credores internacionais, entre outras medidas. A Argentina está conseguindo sair da situação adversa que viveu mais rápido do que o Brasil, apesar de ter uma economia infinitamente menor. 

Quais as principais lições que ficam desse período, para o mundo corporativo e para a população?
A consciência das pessoas em relação ao uso eficiente dos recursos — qualquer um: domésticos ou empresarias —, assim como a consciência política, de exigir decisões importante do Congresso e acompanhar os desdobramentos das investigações anticorrupção, são grandes legados. Muitas pessoas ainda questionam a Lava Jato, mas o fato é que já existem muitos políticos presos e em julgamento. Até internacionalmente, o Brasil já é reconhecido nessa seara — os investidores internacionais sabem que o país ainda tem muito o que consertar, mas já está dando uma lição de combate à corrupção. Apesar de não poder afirmar que todas as investigações irão culminar em perspectivas extremamente positivas para o Brasil em função da turbulência na classe política, o mercado internacional já entende que o país está tentando se mover.

Qual é o cenário deste final de ano, especificamente?
Devemos fechar 2017 com  um crescimento entre 0,5% e 0,7% ao ano, o que seria a “linha d’água”: a tendência, agora, é subir. Acredito que o país vai começar a melhorar lentamente, mas de forma sustentável, gradual e consistente.

Você faz parte da Agência USP de Inovação em Ribeirão Preto. Em qual projeto você está envolvida?
Estou concluindo um estágio na agência USP de Inovação, onde sou responsável pela interligação entre o conhecimento produzido dentro do ambiente acadêmico e o mercado. Faço parte de um projeto internacional chamado Spin off Lean Acceleration (SOLA), dentro do qual coube a USP, em parceria com a Universidade Autônoma de Madri, promover a internacionalização de startups. Trabalhamos muito com o Parque Supera, em Ribeirão Preto, identificando as empresas incubadas com perspectivas internacionais e as ajudando a traçar o melhor caminho para chegar lá. Não costuma ser um trajeto rápido ou simples. Esse processo depende de muita pesquisa de mercado e parcerias, entre tantos outros fatores.

A fatia da inovação é importante para a economia brasileira?
Existe espaço para ela. Posso dizer que o brasileiro é extremamente capaz. Alguns executivos por aqui são designados para atuar no exterior, justamente, pela sua capacidade de concatenar fatos, sair da crise, entre outras habilidades. O empreendedor brasileiro é muito bem visto, e com razão. A questão é que não dá para aguardar a mão do governo. Por aqui, essa espera pode ser realmente muito longa, uma vez que as autoridades mal estão conseguindo arcar com as próprias contas. Se o empreendedor tem um negócio bem planejado e estruturado, e se não falta dedicação, certamente ele crescerá. Acho que o Brasil tem ambiente para isso. Atualmente, muitas pessoas que perderam seus empregos e receberam verbas rescisórias se tornaram empreendedores. Mais chance de sucesso têm aquelas pessoas que escolhem investir em nichos que conhecem com profundidade e que gostam. Grandes empresas, inclusive, estão investindo em startups como uma forma inteligente de otimizar os recursos que possuem. Isso porque não é fácil empreender rapidamente em inovação quando se é muito grande. 

Quais são os principais eixos econômicos que se deve observar?
Entendo que há quatro macrovariáveis que devem ser observadas contínua e cuidadosamente: a inflação, a taxa de juros, o PIB e o câmbio. A inflação e a taxa de juros estão em queda e o PIB sai de uma estabilização para uma tendência moderada de crescimento.  Já o câmbio é mais volátil, uma vez que o preço do dólar está sujeito a uma infinidade de fatores. Em um mercado emergente, isso tem grande significado, o que exige, especialmente das empresas que lidam com importação e exportação, uma tesouraria muito ativa para driblar os impactos desses valores. Os microempresários também devem fazer a lição de casa e entender quais dessas variáveis repercutem diretamente nos seu negócio. 

Quais posturas o empreendedor deve cobrar do Governo para tornar o país ainda mais viável para quem deseja investir?
O empresariado pode se fazer ouvir por meio de associações comerciais e entidades de classe. Essas entidades devem entender que seu papel é, justamente, facilitar o diálogo do empresariado com as autoridades, propondo soluções que tornem os trâmites mais simples para o empreendedor. 

Texto: Luiza Meirelles
Fotos: Júlio Sian

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