Reforma na Previdência

Reforma na Previdência

Especialista em Direito Previdenciário, Ferrúcio José Bíscaro ressalta que a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 287 altera oito artigos da Carta Magna

Ferrúcio revela que as alterações propostas não são um problema relacionado ao déficit de Previdência Social, mas, uma realidade mundialConvidado da Revide para discutir as reformas da Previdência de 1988,  o advogado Ferrúcio José Bíscaro retorna à pauta da publicação 30 anos depois para uma análise dos pontos mais polêmicos em discussão no Congresso Nacional: a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 287/2016. O documento altera oito artigos da Carta Magna e promete mexer com a vida de milhões de trabalhadores prestes a se aposentar ou a solicitar pensão. Sob o pretexto de equilibrar as contas do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), sistema público que atende aos trabalhadores do setor privado, o Governo pretende, por meio das reformas, sanar um déficit de R$ 152 bilhões (2016).

O montante equivale a 2,4% do Produto Interno Bruto (PIB), como informa o Ministério da Fazenda. Para 2017, a expectativa do governo é de um novo crescimento no rombo do INSS, estimado em R$ 181,2 bilhões. Um dos pontos mais polêmicos da PEC é a idade mínima de 65 anos para a aposentadoria proposta pela União. Especialista em Direito Previdenciário, mestre em Direito Difuso e Coletivo, docente em Direito Previdenciário e Ciência Política e Teoria do Estado na Universidade de Ribeirão Preto (Unaerp), além de advogar, Ferrúcio é servidor da Previdência Social desde 1984.

Para o especialista, as mudanças propostas agora deveriam ter sido implementadas pela Lei 8.213/91, mas acredita que, naquela ocasião, tenha faltado coragem política. “Todas as alterações propostas nesta edição da PEC, inclusive a redução e o acúmulo de pensão com aposentadoria, não são só um problema relacionado ao déficit de Previdência Social, mas a uma nova realidade mundial. Não existe no mundo previdência social tão paternalista quanto à brasileira”, esclarece o especialista.

Revide: Como avalia as mudanças propostas pelo Governo na Previdência?
Ferrúcio:
Guardado o exagero em alguns tópicos, como 65 anos de idade e 49 anos de contribuição, por exemplo, acho importante promover mudanças para que o plano permaneça viável e pagando os aposentados e pensionistas. Sabemos perfeitamente que o déficit da previdência social ultrapassou R$ 85 bilhões em 2015 e atingiu R$ 152 bilhões em 2016. As alterações da Lei 8.213/91 e da Emenda Constitucional n.º 20 foram feitas de forma paliativa, pois qualquer atuário sabia que o plano estouraria em um curto espaço de tempo. Explodiu depois de 20 anos.

A idade mínima de 65 anos para homens e mulheres para solicitar a aposentadoria é a mais justa? 
Sei que vou ser contestado, mas o mundo mudou e as mulheres de hoje não são as mesmas de 20 ou 30 anos atrás, que trabalhavam fora e tinham que cuidar da casa. A mulher de hoje trabalha fora e exige que o marido divida todas as tarefas. Portanto, nada mais justo do que as idades serem equiparadas. Elas ainda possuem um ponto favorável, que é o fato de viverem mais que os homens. Assim, não é apenas uma questão de ser a favor ou contra, mas de entender que existe uma necessidade de adequação à realidade do Brasil e do mundo inteiro. 

Com a reforma, o trabalhador que ingressar hoje no mercado terá que trabalhar 49 anos para ter direito à aposentadoria integral. Essa conta é correta? 
Na justificativa, ficou bem claro que o cálculo foi feito da seguinte forma: o segurado, em regra, inicia suas contribuições aos 16 anos e, pelo estabelecido na proposta de emenda, teria acesso à aposentadoria aos 65 anos. Assim, se ele não ficar desempregado, teria contribuído durante 49 anos. Entendo que seja um exagero, mas também acho que deva ser uma técnica muito comum para promover mudanças de direitos sociais: propõe-se um absurdo para dar uma margem para negociação e fazer as alterações sem protestos. Acredito que a “caixa de Pandora” terá uma redução dos 49 anos para, pelo menos, 40 anos, atingindo 105 pontos. 

Como fica para quem já está trabalhando?
Não seria uma mudança tão radical, pois o segurado deveria pagar um pedágio de 30% a 50% do tempo que estaria faltando para atingir sua aposentadoria, da mesma forma como ocorreu com a Lei 8.213/91, em que um pedágio aumentou a carência gradativamente e. A própria a Emenda Constitucional n.º 20/98 estabeleceu um pedágio de 40% do tempo que faltava para o segurado se aposentar em 16/12/1998. Dessa forma, o segurado que tem, hoje, 31 anos de contribuição, precisará de outros quatro anos para se aposentar. Assim sendo, teria que contribuir durante este período e mais dois de pedágio. 

Por que o sistema militar de aposentadoria é diferente do sistema civil? 
Entender o regime militar diferente do Regime Geral de Previdência Social (RGPS) é fácil. Nosso país foi governado pelo regime militar e, acredito que até para não criar uma animosidade maior na época, os sistemas de aposentadoria foram diferenciados. Para alguns especialistas, a ida para a reserva depois de 25 ou 30 anos — mulheres e homens, respectivamente — não significa que o militar está aposentado. Isso porque ele ainda pode ser chamado para servir a pátria. No entanto, nenhuma outra profissão possibilita essa dormência antes dos 65 anos, quando são reformados e deixam de correr o risco da convocação. Outra diferença até 2001 era com relação às pensões deixadas às filhas até o casamento. Esse benefício, a partir deste ano, não é mais concedido. Em 2003, houve uma tentativa de mudança nos benefícios dos militares, aumentando a idade dos profissionais aptos a comporem a reserva, mas a proposta foi arquivada. Tais mudanças são muito difíceis porque tratam dos direitos de uma classe unida e que causa certo medo a quem tentar “retirar” direitos sociais adquiridos.

Debate sobre Reforma da Previdência deve ser retomada até o fim do anoQual sua avaliação sobre a aposentadoria concedida a parlamentares?
As diferenças entre os benefícios do INSS e dos parlamentares são gritantes. Enquanto o teto do INSS é de R$ 5.189,00, o dos congressistas é de R$ 33.763,00, valor praticamente seis vezes maior. Essa diferença aumenta a cada ano, pois os reajustes dos segurados do INSS, que seguem o Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) não acompanham os concedidos a parlamentares. Para se ter uma ideia, os parlamentares precisam de 35 anos de contribuição e 69 anos de idade (homens ou mulheres) para solicitarem aposentadoria proporcional ao tempo de mandato, calculada em razão de 1/35 por ano de mandato. Divide-se o valor integral do benefício por 35 e multiplica-se pelos anos de mandato do parlamentar. Pelo INSS, os solicitantes de aposentadoria por idade devem ter, no mínimo, 15 anos de contribuição e 65 ou 60 anos de idade (homens e mulheres, respectivamente). Já para solicitar a aposentadoria por tempo de contribuição, são obrigatórios 35 anos de recolhimento para homens e 30 anos para mulheres. A conclusão a que se chega é que quem tem o poder de fazer leis, certamente, não fará mudanças que o prejudique, nem mesmo contra quem cause qualquer temor.

Como ficam as aposentadorias especiais por insalubridade? 
Importante deixar claro que não sou apenas um defensor da reforma. Sou advogado e professor e, portanto, devo ter opiniões diversas sobre o assunto. No entanto, entendo que a aposentadoria especial no Brasil, há muito tempo, deixou de ser um direito para se tornar um privilégio. Os trabalhadores de 20 anos atrás não estavam sob os mesmos riscos impostos aos trabalhadores de hoje. Atualmente, a empresa é obrigada a devolver para o mercado de trabalho o funcionário nas mesmas condições de seu ingresso. Para tanto, são realizados os exames admissional e demissional, que garantem que o funcionário não ficou com qualquer sequela decorrente da sua atividade profissional. Não pode ser devolvida à Previdência Social a irresponsabilidade do empregador que, no afã de obter lucro, coloca a vida ou a saúde do empregado em risco. Sou professor universitário e não consigo ver onde essa profissão pode ser considerada especial/penosa, pois trabalho em local coberto, com ventilação, por, no máximo quatro horas e tenho duas férias por ano. Como exemplo, no caso de motoristas e tratoristas, os veículos utilizados também evoluíram de tal forma que os riscos hoje são mínimos. As máquinas possuem dispositivos de segurança que evitam acidentes; caminhões e tratores, na maioria dos casos, possuem ar condicionado, câmbio automático, direção hidráulica e cabines revestidas de material adequado. A reforma prevê uma idade mínima para tais aposentadorias — acima de 55 anos para homens e 50 para mulheres —combinada a tempo de contribuição acima de 30 anos. Isso porque, pela legislação atual, um trabalhador só pode exercer atividade especial com mais de 21 anos de idade que, somados aos 25 anos de especialidade, resultariam em 46 anos de idade. Qualquer cálculo possível não permite que a conta feche —não dá para contribuir durante 25 anos, em média, com 20% do salario e receber por 30 anos ou mais 100% em uma aposentadoria. Outra mudança importante que a Previdência Social vai fazer é verificar os aposentados especiais que continuam trabalhando na mesma atividade, algo muito comum entre médicos, dentistas, enfermeiros e motoristas, mas proibido pela legislação.

Qual é o índice que determinará os reajustes no novo sistema? 
Apesar dos cálculos confusos, a intenção é desvincular os reajustes do piso da Previdência e do salário mínimo (R$ 937,00). Também se pretende mudar os critérios de reajuste dos demais benefícios, para que seja possível adotar o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), em lugar do INPC. A aplicação de índices idênticos para os benefícios de salário mínimo cria uma grande dificuldade para o Governo, na hora de aumentar esse valor. O maior problema está em achatar classes de aposentados com menos de três mínimos para apenas um em poucos anos. Se você concede um índice maior para o salário mínimo e menor para os benefícios acima, a diferença acaba fazendo com que outras classes migrem para receber um salário mínimo. 
  
Com as novas regras, como fica o fator previdenciário? 
Existe uma dúvida com relação aos homens segurados com 50 anos e às mulheres com 45 anos de idade, que atenderão à regra 85/95 pontos de transição. Para outros benefícios está claro um pedágio de 50% do tempo faltante, mas a regra da pontuação não ficou clara. Por exemplo, se um segurado com 30 anos de contribuição e 51 anos de idade — ou seja, com 81 pontos na regra atual — deveria adquirir mais quatro pontos. Assim, dentro de dois anos, o indivíduo estaria aposentado para não ter a incidência do fator previdenciário. Neste caso, entendo que o profissional deva somar mais seis pontos, na regra da PEC, ou seja, trabalhar mais três anos, obedecendo aos 50% de acréscimo.

A reforma prevê redução de pensão por morte e impede acúmulo de benefícios. Quem é prejudicado? 
Não adianta ter no papel algo irreal, como o art. 5º da Constituição Brasileira, que, no fim, não cabe dentro do Produto Interno Bruto (PIB). Devemos nos adaptar à realidade mundial. A Previdência brasileira possui vários acordos internacionais que, quando aplicados, muitas vezes evidenciam problemas em função das diferenças nas legislações. A legislação anterior à Lei n.º 8.213/91 previa o recebimento parcial de pensão por morte, na proporção de 50%, acrescido de 10% por dependente. Assim, um pensionista com quatro filhos receberia 60% e cada filho mais 10%, sendo que a cota dos filhos não passa para o cônjuge. Dessa forma, o máximo recebido seria de 60%. 

“Acredito em uma redução do tempo de 49 anos de contribuição para pelo menos 40 anos”, estima o especialistaO senhor sugere aos mais jovens: devem considerar planos previdenciários particulares? 
Previdência privada é uma aposentadoria desvinculada do INSS, servindo para complementar seu benefício junto ao órgão. Todo setor de previdência privada é fiscalizado pela Superintendência de Seguros Privados (Susep), órgão do Governo Federal, sendo, portanto, bastante seguro frente a outros investimentos.

Quais as armadilhas desse sistema?
Uma delas seria o risco da corretora quebrar, mas vale ressaltar que os títulos públicos ficam registrados na BM&FBovesp (unificação das Bolsas de Valores, Mercadorias e Futuros e a de Valores de São Paulo), o que significa que, se a corretora quebrar, basta mudar de corretora e migrar os títulos, o que chamamos de “transferência de custódia”.

Quais os planos disponíveis nesta modalidade?
São dois, basicamente. O Plano Gerador de Benefício Livre (PGBL), recomendado para pessoas com renda mais alta, pois o valor pago pode ser abatido no Imposto de Renda (desde que esse valor represente até 12% da renda bruta anual). Porém, quando o dinheiro é sacado, o imposto pago é referente ao total depositado. O segundo modelo é o Vida Gerador de Benefício Livre (VGBL), cuja principal diferença é que não pode ser abatido no Imposto de Renda. Porém, quando o dinheiro é sacado, o imposto cobrado é referente à rentabilidade. Para ver qual a melhor opção, procure uma financeira de confiança, pois a grande armadilha está na projeção/previsão de recebimento futuro de cada plano. Exija sempre por escrito aquilo que foi proposto. 



Texto: Rose Rubini
Fotos: Luis Cervi

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