Tabagismo na pandemia

Tabagismo na pandemia

Aumento no consumo faz com que os fumantes fiquem ainda mais suscetíveis à diversas doenças, inclusive à Covid-19

De acordo com uma pesquisa realizada recentemente pela Fiocruz, 34% dos fumantes do Brasil admitiram ter aumentado o consumo de cigarros durante a pandemia. Este crescimento, ainda segundo o estudo, está associado à deterioração da saúde mental dos tabagistas, com piora de quadros de depressão, ansiedade e insônia. A estatística preocupa, já que o cigarro é um fator de risco para várias doenças, inclusive para a Covid-19. Na entrevista a seguir, o professor de pneumologia e clínica médica da Universidade de Ribeirão Preto (UNAERP), Luciano Penha Pereira, responde dúvidas sobre o tema. 

O que esse aumento no consumo de cigarros representa para a saúde pública?  

Essa intensificação no consumo não refletirá de imediato, mas sim no futuro, uma vez que a inflamação causada pelo tabaco, mesmo depois que se interrompe o uso, pode continuar nos pulmões e no organismo. Os custos primários, com o tratamento, e os secundários, com perdas de dias de trabalho, aumentariam exponencialmente, trazendo grande piora na qualidade de vida desses indivíduos, menor produtividade ao país e elevação dos gastos com a saúde. Para se ter uma ideia, os custos dos danos produzidos pelo cigarro no sistema de saúde e na economia giram em torno de R$ 125 bilhões. O tabagismo está associado a diversas patologias, como Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC), doenças cardíacas, neurológicas e casos oncológicos, entre outras. Vale lembrar que os fumantes passivos também estão suscetíveis a essas condições que podem levar o paciente a óbito. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), o tabaco mata mais de 8 milhões de pessoas por ano. 

Quem são os fumantes passivos?  

Tabagismo passivo é a inalação da fumaça de derivados do tabaco por indivíduos não fumantes que convivem com fumantes em ambientes fechados. A poluição decorrente da fumaça dos derivados do tabaco em ambientes fechados é denominada de Poluição Tabagística Ambiental (PTA) e, de acordo com a OMS, é a maior responsável pela poluição em ambientes fechados, e a terceira maior causa de morte evitável no mundo. Cerca de 1,2 milhão de não-fumantes expostos ao fumo passivo morrem, por ano, no mundo. O fumante passivo chega a consumir o equivalente a quatro cigarros por dia e tem um risco 30% maior de desenvolver câncer de pulmão do que alguém não exposto à fumaça. Quando a mãe fuma na gravidez, por exemplo, o bebê é exposto à fumaça no útero e tem um aumento nos níveis de monóxido de carbono no sangue. Além disso, recebe menos oxigênio, o que pode resultar em morte fetal, aborto espontâneo e morte súbita infantil. Outro dado importante: cerca de 24% das crianças de zero a cinco anos que chegam ao pronto-socorro com problemas respiratórios apresentam cotinina, uma substância derivada da nicotina, na urina. Os riscos são infecções de ouvido repetitivas, resfriados constantes, bronquite, crises de asma, pneumonia, rinite aguda e aumento das chances da criança se tornar fumante no futuro. 

E quanto aos adultos? 

 A curto prazo, o fumante passivo apresenta irritação nos olhos, tosse e sintomas de alergia respiratória. A médio e longo prazo, corre o risco de desenvolver as mesmas complicações que o fumante de fato, principalmente quando são submetidos a fumaça em locais fechados. Os riscos são: 30% mais chances de desenvolver câncer de pulmão; 25% mais chances de desenvolver doenças cardiovasculares; Câncer de boca, laringe, faringe,  esôfago, pâncreas, rim, bexiga e colo de útero; enfisema pulmonar e bronquite crônica. 

Os cigarros eletrônicos apresentam os mesmos riscos?  

O tabaco fumado em qualquer uma de suas formas causa a maior parte de todos os cânceres de pulmão e contribui, de forma significativa, para acidentes cerebrovasculares e ataques cardíacos mortais. Os produtos de tabaco que não produzem fumaça também estão associados ou são fator de risco para o desenvolvimento de câncer de cabeça, pescoço, esôfago e pâncreas, assim como para muitas patologias buco-dentais. Hoje, já existem mais de 8 mil cigarros eletrônicos no mercado, com várias gerações. A primeira parecia um cigarro mesmo. A segunda, um cartucho recarregável. Agora, estamos na era dos e-liquids. Nos cigarros normais, demora-se, em média, 15 segundos para fazer o efeito da nicotina. Já no vape, a indústria simula o pico da principal substância do cigarro, acrescentando amônia para aumentar a rapidez da entrega da sensação do prazer. Isso causa maior dependência. Com mais aditivos ou essências, os cigarros eletrônicos (vaporizadores) são um perigoso atrativo para as crianças, os adolescentes e os adultos jovens. 

O tabagismo é, de fato, um fator de rico para a infecção do coronavírus?  

O tabaco causa diferentes tipos de inflamação e prejudica os mecanismos de defesa do organismo. Por esses motivos, os fumantes têm maior risco de infecções por vírus, bactérias e fungos. Podemos dizer, então, que sim, o tabagismo é fator de risco para a Covid-19. Estudos mostram que os pacientes de pneumonia com Covid-19 e sua progressão para formas mais graves e morte foram 14 vezes maiores entre fumantes do que para não fumantes. Uma explicação para isso é que muitos tabagistas já têm desenvolvida a doença pulmonar obstrutiva crônica, onde existe uma enzima que facilita a contaminação pelo vírus das células pulmonares.  

O que é necessário para um fumante abandonar o hábito? 

 Tabagismo tem tratamento. Desde 2002, o Ministério da Saúde, juntamente com as secretarias estaduais e municipais de Saúde, vem organizando uma rede de unidades de saúde do SUS para oferecer tratamento do tabagismo para os fumantes que desejam parar de fumar. O tratamento é realizado por profissionais de saúde e composto de uma avaliação individual, passando depois por consultas individuais ou sessões de grupo de apoio, nas quais o paciente fumante entende o papel do cigarro e dos outros produtos derivados de tabaco na sua vida, recebe orientações de como deixar de fumar, como resistir à vontade de fumar, e principalmente como viver sem produtos derivados de tabaco. Também são fornecidos medicamentos gratuitos com o objetivo de reduzir os sintomas da síndrome de abstinência à nicotina. Abandonar esse hábito traz uma série de benefícios. Agora, algumas alterações decorrentes da inflamação que ocorre em todo o corpo jamais deixarão de existir. Por isso, a prevenção sempre será a melhor saída. 

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