Técnico multicampeão

Técnico multicampeão

Marcos Pacheco aceitou o desafio de comandar o Vôlei Ribeirão na busca por uma vaga na Superliga B

Pacheco começou no esporte como atleta, mas foi fora de quadra, como técnico, que alcançou as principais conquistasO vôlei é a especialidade de Marcos Pacheco. A paixão pela modalidade o acompanha desde os tempos do colégio, quando começou a se interessar pelo esporte. De 1981 a 1992 atuou como atleta. As conquistas mais expressivas da carreira, no entanto, vieram quando saiu de quadra e passou a integrar a comissão técnica. Com conhecimento apurado e uma visão estratégica do jogo, Pacheco contribuiu para o sucesso de equipes renomadas, como Ulbra, Unisul, Medley/Campinas, Cimed/Florianópolis e Sesi-SP. Sagrou-se campeão da Superliga, principal competição nacional, em sete oportunidades — quatro delas como assistente e três como treinador. 

Sua experiência, agora, está sendo utilizada a favor do Vôlei Ribeirão. Atendendo ao convite do campeão olímpico nos Jogos Rio 2016, Luiz Felipe Fonteles, o Lipe, Pacheco assumiu o comando do time da cidade. Na entrevista a seguir, o técnico explica como foi a formação da equipe, analisa os primeiros resultados e revela os planos para o futuro. 

Revide: Como surgiu o seu envolvimento com o vôlei?
Pacheco: Foi na escola, em 1979. Sou de Gravataí, cidade que fica pouco mais de 20 quilômetros distante de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul. Tive a felicidade de frequentar um colégio cenecista, o Gensa. A cada bimestre, o professor de educação física trabalhava uma modalidade diferente. Com isso, podíamos testá-las e, na prática, descobrir nossas habilidades. Treinei handebol, vôlei, atletismo e futebol. Fiz parte das equipes de handebol e de vôlei nas Olimpíadas das Escolas Cenecistas. Gostei do clima da competição e decidi que queria continuar nesse caminho. Na época, jogava futebol no Grêmio de Porto Alegre. Também fui aprovado em um teste para o time de vôlei do Grêmio Náutico União, muito tradicional do Rio Grande do Sul. Enquanto pude, dividi meu tempo entre os dois esportes, mas as datas dos campeonatos começaram a coincidir. Precisava fazer uma escolha. Optei pelo vôlei porque, em 1982, entrei para a Seleção Gaúcha, o que me trouxe uma série de experiências positivas: estávamos em uma disputa nacional, fiz a primeira viagem de avião da minha vida, de Porto Alegre a Manaus, e conquistamos bons resultados. Vivia um momento especial e isso acabou pesando na hora da decisão. 

O que esse esporte tem de tão fascinante?
Hoje, na teoria, o voleibol é tratado como o segundo esporte do país. Aliás, o Marcel de Souza, técnico do basquete, deu uma declaração que achei bem pertinente. Disse que a modalidade ocupa o 11º lugar na preferência nacional e justificou: pela procura, pelo destaque na mídia e pelo nível de investimento, o futebol é o dono das dez primeiras posições. Depois, aí sim, vem o vôlei. Tenho algumas teorias para tentar explicar esse interesse. Em 1982, o Brasil foi vice-campeão mundial, perdendo a final para a Rússia, naquela época, União Soviética. Em seguida, vieram os Jogos Olímpicos de 1984, em Los Angeles, nos Estados Unidos, quando a seleção conquistou a primeira medalha da modalidade na competição. Nascia a famosa geração de prata que, comandada por Renan, William, Bernard, Xandó, Amauri, Montanaro e Fernandão, simboliza um marco na história do vôlei. Era um time extremamente técnico, mas pecava pela falta de altura. Não conseguíamos enfrentar as grandes potências do mundo. Esse cenário mudou em 1992, quando subimos no lugar mais alto do pódio, nas Olimpíadas de Barcelona. O grupo era formado por jogadores altos e habilidosos, como Carlão, Giovane, Tande, Paulão e Marcelo Negrão. Esse foi o ponto da virada. A partir daí, nossa Seleção acumulou vitórias. O vôlei se transformou em sinônimo de esporte vencedor e ganhou a mídia. As pessoas passaram a acompanhar os jogos, a torcer e até a praticar a modalidade, o que gerou esse fascínio. O vôlei é, de fato, um esporte apaixonante, que procura se atualizar constantemente e o público adora essa dinâmica. Cada set é uma história, cada ponto é uma batalha.

Quais as lições que você aprendeu como atleta?
Sempre fui um atleta intermediário. Joguei até 1992, na função de ponteiro passador. A partir daí, a rede ficou muito alta para mim. Durante os anos dentro de quadra, aprendi a ter disciplina, respeito, postura e comprometimento com o time, lições extremamente válidas, que trago comigo até hoje. 

Como foi a transição de jogador para a comissão técnica?
Em 1985, quando defendia o Grêmio Náutico União, ganhei uma bolsa de estudos para a faculdade. Por conta desse programa, além da rotina como atleta, assumi o treinamento da categoria de base do clube. Sete anos depois, estava em Novo Hamburgo, na FrangoSul Ginástica. No fim da temporada, o Jorginho Schmidt, que era o técnico, sinalizou que não havia interesse em renovar o meu contrato como jogador, mas que gostaria que eu integrasse a comissão. Aceitei a proposta e me tornei seu auxiliar técnico, tanto no FrangoSul, quanto na Ulbra e no Canoas. Tenho que citar, ainda, outras duas pessoas muito importantes nessa transição: Javier Weber, ex-técnico da seleção Argentina, com quem trabalhei na Ulbra e na Unisul, e Renan Dal Zotto, técnico da seleção masculina de vôlei, que me chamou para o projeto do Cimed. São três profissionais gabaritados, cada um com suas características distintas, que contribuíram bastante para a minha formação. Aos poucos, fui encontrando minha linguagem e meu estilo de treinar, o que eu acreditava ser válido manter e o que eu preferia descartar. Tive a oportunidade de atuar como técnico principal pela primeira vez na Unisul, em Florianópolis. Desde então, nunca mais parei.

O vôlei evoluiu muito nos últimos anos, principalmente na parte tática. Os espectadores podem não saber, mas cada jogada é cuidadosamente pensada. Como montar a estratégia para a partida?
O público costuma olhar apenas a plástica dos movimentos. Eles vibram com um saque potente, por exemplo, mas esse recurso nem sempre é a melhor opção, dependendo do momento da partida. Um serviço direcionado e curto, que parece despretensioso, pode ter uma efetividade muito maior. Ele serve para tirar o atacante da rede, o que induz o levantador a fazer uma combinação específica. Com isso, o bloqueio consegue se antecipar, tirando o espaço do jogador. Nada é por acaso. Esse planejamento é o que mais me fascina no voleibol. Durante a preparação, analisamos as características do adversário: seus pontos fortes, suas fragilidades e como o time se comporta diante das situações de jogo. Com essas informações, traçamos planos para neutralizar as principais ações da outra equipe e para elevar o nosso poder ofensivo. O oponente faz exatamente o mesmo processo e, assim que o juiz apita, começa um verdadeiro jogo de xadrez. A dinâmica muda rapidamente e temos que fazer ajustes de acordo com o que está acontecendo naquele instante. Vamos jogar mais pelo meio ou pela ponta? Vamos usar a bola de fundo ou não? Vamos atacar na diagonal ou na paralela? Ter essa percepção, mesmo tomado pela adrenalina do jogo, é essencial. Atualmente, com a ajuda da estatística, conseguimos visualizar essas variáveis com mais clareza e, assim, tentamos entender, prever e combater a estratégia do adversário. 

À frente do Vôlei Ribeirão, o objetivo inicial é garantir uma vaga e disputar a Superliga BDepois de ser sete vezes campeão da Superliga, você chega a Ribeirão Preto, cidade que não tinha um time profissional de vôlei há 17 anos. O que o motivou a aceitar esse desafio?
Quando meu contrato com o Sesi não foi renovado, decidi que era a hora de realizar um antigo plano familiar: morar fora do Brasil. Minha esposa, minha filha e eu queríamos viver essa experiência. Ficamos animados com a ideia de aprender outro idioma e descobrir uma nova cultura. O mais importante é que estaríamos o tempo todo juntos, algo raro porque, com a constante troca de times, muitas vezes, acabamos em cidades diferentes. Fui sondado por três clubes no exterior e tudo apontava para a concretização desse sonho. Até que aceitei um convite para ministrar um curso para 120 professores e técnicos de vôlei em Córdoba, na Argentina. Exatamente na mesma semana em que estava lá, o país sediava uma etapa da Liga Mundial. Além dos donos da casa, a chave era composta por Brasil, Sérvia e Bulgária. Casualmente, fiquei no mesmo hotel que o da Seleção e encontrei o Lipe pelos corredores. O jogador comentou comigo sobre o Vôlei Ribeirão com muito entusiasmo. Fez uma breve apresentação da cidade, que eu não conhecia, adiantou que o objetivo era participar da Superliga B, com foco no acesso à Superliga A, e revelou que o time seria instrumento para fomentar o esporte e a comunidade de uma maneira geral. Aí veio a pergunta: está interessado em fazer parte desse grupo? Disse para o Lipe que, aos 51 anos, não tinha mais idade para aventura. Ele me garantiu que o projeto era uma realidade. Pensei e conversei bastante com a minha esposa, que me acompanhou nessa viagem. Resolvi encarar o desafio, que era exatamente o que eu precisava: uma mudança de ares que tivesse o poder de me instigar. Ajudei a escrever quatro páginas na história do Sesi, agora, tive a chance de iniciar um trabalho do zero. Quando cheguei, tínhamos seis atletas e mais nada. Isso me motivou. Aos poucos, fomos nos estruturando e ainda temos muito para crescer. Tomara que eu tenha competência e capacidade para escrever um livro completo por aqui. 

A reação do público ao anúncio do Vôlei Ribeirão o surpreendeu?
Fiquei impressionado com a torcida de Ribeirão Preto. Nas ruas, nos treinos, na academia ou na clínica de fisioterapia que frequentamos, as pessoas param para falar sobre o time. Lembro do nosso primeiro jogo, contra o Sesi, em São Paulo. Naquele dia, uma quarta-feira, os ingressos para a próxima partida, a estreia em casa, no sábado, foram liberados para o público em troca de alimentos não perecíveis. Em duas horas, estava tudo esgotado. O ginásio ficou lotado, mesmo com a nossa equipe tendo poucas possibilidades de vitória diante de um adversário forte como o Taubaté. Fizemos uma campanha muito ruim no Campeonato Paulista, bem abaixo do esperado. Independente das derrotas, as arquibancadas continuaram cheias. Hoje, o Vôlei Ribeirão ainda não é compatível com o torcedor, mas estamos fazendo de tudo para reverter essa situação o quanto antes. Quero agradecer o carinho do público e pedir um pouco mais de paciência. Tenho convicção de que esse momento de conquistas vai chegar.

O que fica como experiência do Campeonato Estadual?
Essa competição serviu como um grande laboratório. Sabíamos que seria difícil, mas tínhamos expectativas que não foram alcançadas. O time enfrentou algumas dificuldades. O João Paulo e o Léozão, por exemplo, estavam parados. O Ualas tinha se machucado na temporada passada, no Maringá. Precisamos recuperá-los, colocá-los em condição de treino antes de liberá-los para o jogo. Isso atrasou um pouco nossa preparação. Sofremos para organizar a equipe, mas isso não é uma justificativa. Eram nove equipes, sete avançavam e ficamos em oitavo. O gosto da eliminação é ruim, porém, serviu para que víssemos nossas falhas e onde poderíamos melhorar. 

As contratações de Fábio Paes, líbero, Brunão, central, e Rafael Bairros, oposto, fazem parte do aprimoramento do time?
Sem dúvida. Esses três atletas vieram para reforçar o elenco, já pensando na Taça Prata, que dá acesso à Superliga B. Eles entraram em quadra na Copa Maringá, competição que nos ajudou a adquirir mais entrosamento e ritmo de jogo, dando continuidade ao treinamento sem a pressão de um campeonato oficial. As partidas foram contra Maringá, Canoas e Caramuru, equipes que participam da Superliga A, mas que possuem um investimento intermediário, semelhante ao nosso. Os jogadores que contratamos eram titulares em suas equipes. Isso cria uma disputa saudável por posição. Todos acabam se esforçando um pouco mais porque ninguém quer ficar no banco de reservas.

O Vôlei Ribeirão também promoveu uma peneira para encontrar talentos locais. A experiência foi positiva?
Foi fantástica, uma sacada genial. Até então, tinha participado de várias seletivas para a base das equipes que eu comandava. Os jogadores iam para o sub 17 ou sub 19 e, depois, eu pinçava um ou outro para o time adulto. Aqui o processo foi mais rápido: da peneira direto para a escalação. Recebemos 200 pessoas na Cava do Bosque. Eram 200 sonhos. Não determinamos um número de vagas, mas tínhamos alguns critérios para a aprovação. Conseguimos cinco atletas muito bons e formamos um grupo eclético. De um lado, temos o João Paulo, com passagem pela Seleção Brasileira e vivência internacional, e o Ualas, que já foi campeão da Superliga pelo RJX. Eles sabem qual é a sensação de estar no topo e conhecem o caminho para chegar lá. Foram convencidos a embarcar nessa jornada de tentar uma vaga na Superliga B pela credibilidade do projeto, pela estrutura extraquadra oferecida e pela palavra de confiança do nosso gestor. Não tínhamos um grande aporte financeiro para negociação. Na outra ponta, vemos jovens talentos que começam a aparecer, como é o caso do Gabriel e do William, por exemplo. A mescla da experiência dos veteranos com as expectativas, os sonhos e a vontade dos novatos tem se mostrado uma combinação benéfica para o Vôlei Ribeirão.

Quais são os próximos passos?
Participaremos da Taça Prata, de 23 a 29 de outubro, em Itapetininga. São oito times competindo em busca de três vagas de acesso para a Superliga B. Será uma batalha difícil. Se tudo der certo, o próximo passo é ser campeão ou vice do campeonato, garantindo, assim, o direito de disputar a Superliga A. Atingir essa meta só depende de nós e temos ciência dessa responsabilidade. Cumprindo o cronograma e subindo para o campeonato principal, o contexto muda completamente. Teremos que redefinir as ambições do Vôlei Ribeirão. O time quer ser coadjuvante ou protagonista? Qual será o investimento disponibilizado? Tudo isso tem que ser levado em consideração. 

O Vôlei Ribeirão é um projeto que veio para ficar?
Não tenho dúvida. O time tem patrocinadores, foi montado para ganhar títulos, mas também tem uma importância social muito grande para a cidade. O Vôlei Ribeirão está vinculado ao Fundo Social. Com a troca de ingressos para os nossos jogos, arrecadamos uma enorme quantidade de alimentos não perecíveis, de fraldas geriátricas e de materiais de limpeza para apoiar instituições de caridade. Mesmo sem os resultados em quadra, esse trabalho tem sido muito bem feito. Quando o time estiver consolidado, pretendemos investir, ainda, em escolinhas, fomentando o esporte em Ribeirão Preto e região. Estamos com um déficit de talentos para vôlei em todo o país. Antes, o Brasil era protagonista absoluto dos campeonatos da base. Este ano, não conquistamos nenhuma medalha. Essa falta de renovação é preocupante. O incentivo ao esporte deve começar cedo, na escola. Com certeza, pretendemos fazer nossa parte nesse sentido. Estamos dando um passo de cada vez, pensando em longo prazo. 

Texto: Paula Zuliani
Fotos: Julio Sian

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