Tudo sobre elas

Tudo sobre elas

Ginecologista, obstetra e mastologista, o médico Ângelo Matthes acompanha, há 40 anos, as principais transformações pelas quais a mulher vem passando

Natural de Divinolândia, no interior paulista, o médico Ângelo do Carmo Silva Matthes (CRM: 23.343), passou por diversas cidades antes de escolher Ribeirão Preto para se estabelecer. Santa Rita do Passa Quatro, São José do Rio Preto e Campinas fizeram parte do caminho até a permanência na cidade, que conheceu na juventude, quando se mudou para o município acompanhando a família. Foi aqui que concluiu, em 1974, o curso de superior na Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FMRP-USP). Também na cidade, conquistou o título de especialista em Ginecologia e Obstetrícia, pelo Hospital das Clínicas da mesma instituição, em 1976. Mestre e doutor em Tocoginecologia, é também especialista em Mastologia. O desenrolar da carreira acadêmica e as condições, não só de trabalho, mas de qualidade de vida que encontrou em Ribeirão Preto o fizeram permanecer na cidade, onde formou família e consolidou carreira, que já ultrapassa quatro décadas. Nesse período, acompanhou de perto as evoluções da Medicina nas áreas em que atua e, principalmente, as transformações que marcaram a trajetória da mulher da década de 1970 até os dias atuais.

Segundo o especialista, a pílula anticoncepcional representou uma revolução na vida da mulherRevide: O que o levou a escolher a Medicina?
Ângelo:
Acredito que escolhi a Medicina pelas experiências que vivi na adolescência, quando tive um quadro relativamente grave de hepatite que me deixou acamado por cerca de seis meses. Nesse período, recebi a atenção especial de um médico de Santa Rita do Passa Quatro, onde morava, que marcou minha vida. O doutor Miguel Bello foi um modelo profissional fantástico para mim, em diversos aspectos. Passei a admirá-lo não apenas pelo conhecimento técnico da Medicina, mas também pelo carinho com que me tratava, assim como a todos os seus pacientes. Além disso, quando chegou o momento de escolher a futura profissão, meu primo estava estudando Medicina e, conversando a respeito do curso, percebi que era o que eu queria fazer.

Por que acabou escolhendo especialidades, de uma forma ou de outra, relacionadas à mulher?
As escolhas foram feitas, provavelmente, com base na influência de professores e no entendimento que passei a adquirir dentro do curso. Aprendi que o ginecologista é um médico extremamente completo, pois, em sua atuação, além de saber tudo sobre os órgãos sexuais femininos, desempenha as funções de clínico, cirurgião, terapeuta e muito mais. Isso vai ao encontro do que as descobertas da ciência vêm comprovando: na verdade, não podemos tratar as doenças pontualmente, mas, sim, olhar o ser humano de maneira global. Em outras palavras, é preciso ter uma visão holística do paciente, especialmente, quando estamos falando da mulher, que é um ser com muitas nuances. Creio que, desde o início, este tenha sido o aspecto da Ginecologia que mais me atraiu. A Obstetrícia foi um desdobramento natural da primeira especialização e a Mastologia, um complemento importante, que me abriu um novo universo. 
 
Além da clínica, o senhor atua nas salas de aula e em pesquisas. Como concilia as diversas atividades?
Hoje, coordeno o Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da Universidade de Ribeirão Preto (Unaerp), onde sou professor da mesma disciplina. Vivo, então, as várias frentes da profissão: academia, pesquisa e clínica, o que me permite estar sempre atento às questões mais comuns no consultório e às mais recentes linhas de pesquisa dentro das minhas especialidades. 

 Entre suas linhas de trabalho científico, qual merece destaque?
As pesquisas sobre a Síndrome da Vagina Curta Relativa (SVCR), que ajuda a entender parte do desconforto que muitas mulheres sentem na hora do sexo. O órgão feminino tem um limite de distensão e esse assunto precisa ser difundido, especialmente entre os profissionais da saúde. Outra linha é na cirurgia ginecológica: sou defensor da Histerectomia Vaginal, hoje chamada de Histerectomia sem incisão, procedimento de retirada do útero e órgãos adjacentes através da vagina. Apesar de a cirurgia garantir, entre outros benefícios, uma recuperação mais rápida à mulher, ainda são poucos ginecologistas que a realizam.
 
É possível apontar as principais diferenças entre a mulher atual e a que frequentava seu consultório no início da carreira, há 40 anos?
Acredito que, hoje, a mulher esteja mais preocupada com a saúde e com aspectos estéticos do que antigamente. Atualmente, estar em dia com sua imagem corporal é muito mais importante do que era no passado. Essa atenção ao próprio corpo é positiva porque deixa as mulheres mais conscientes da saúde. Esse fator, juntamente com as inúmeras campanhas, tornaram as pacientes mais disciplinadas em relação ao câncer de mama, por exemplo. Hoje em dia, elas fazem exames com maior regularidade, assim como investigam periodicamente outros órgãos e possibilidades. Isso, de uma forma ou de outra, acontece porque elas querem se sentir bem consigo mesmas, em todos os aspectos. 
 
Como era a relação da mulher com o ginecologista algumas décadas atrás?
Antigamente, muitas mulheres iam ao médico apenas quando estavam grávidas ou quando tinham outra sintomatologia. Hoje, sabem que precisam fazer o exame de Papanicolau anualmente, fazer a mamografia, buscar as vacinas que têm à disposição, cuidar da alimentação natural e se preparar para uma menopausa saudável. Tudo isso está atrelado à busca pela satisfação estética, cuja conquista acaba refletindo em uma melhor qualidade de vida.
 
Qual é a hora certa para procurar um ginecologista?
A especialidade está preparada para atender à mulher em todas as fases da vida, da infância à velhice. Sendo assim, qualquer hora é hora de procurar o especialista, desde a criança que enfrenta um problema específico até a senhora que lida com as consequências da menopausa, passando pela garota que está prestes a iniciar a vida sexual. O que muda é a necessidade de cada uma das pacientes. 
 
Quais são as questões mais comuns levadas pelas mulheres ao consultório?
Depende muito da fase que elas estão vivendo, mas, de maneira geral, a principal preocupação de todos nós, médicos e pacientes, é a realização de exames que podem prevenir doenças futuras, como Papanicolau e Mamografia, que sinalizam os dois principais cânceres que acometem as mulheres — colo de útero e mama. Na fase reprodutiva, a procura para aspectos da anticoncepção, do pré-natal e de questões sexuais são as mais prevalentes. Mais tarde, os exames que apontam para uma tendência à osteoporose também se tornam muito importantes e ganham nossa atenção. 
 
Entre as mulheres mais jovens, quais os principais anseios? 
Na fase em que elas estão iniciando a vida sexual, suas preocupações giram em torno do uso da pílula anticoncepcional, que representa, até hoje, uma das ferramentas mais revolucionárias para a mulher, em busca de seu “empoderamento”, termo que se tornou mais comum recentemente, mas que vem sendo construído há décadas. Esse grupo mais jovem também está bastante atento a infecções e à prevenção de doenças sexualmente transmissíveis, um avanço também alcançado em função de diversas campanhas.
 
Quais questões são mais latentes entre as pacientes mais velhas?
Mais tarde, quando a menopausa se aproxima, elas estão mais preocupadas em controlar os sintomas dessa fase, como as ondas de calor, as dores na relação sexual e a regulação hormonal. Daí em diante, também passamos a prestar atenção em problemas cardiorrespiratórios e à temida osteoporose. No entanto, ao contrário do que se pode imaginar, quanto mais os anos avançam, menor é a necessidade de a mulher visitar o ginecologista, por exemplo, para a realização de exames preventivos.
 
A maternidade continua sendo um ponto central?
Sim, uma boa fatia das mulheres vem ao consultório por causa da gestação. Nesse sentido, vale a pena destacar que a Medicina obstétrica evoluiu muito. Já é possível, por exemplo, apontar previamente inúmeros problemas com o feto através de exames avançados realizados antes de seu nascimento. A atenção à futura mamãe também evoluiu. 
 
O número elevado de cesárias realizadas no Brasil abriu uma ampla discussão recentemente. Qual sua opinião sobre o assunto?
Atualmente, defende-se muito o parto natural e humanizado. Na Maternidade Cidinha Bonini, por exemplo, a atenção à gestante segue a linha do parto humanizado, feito por médicos e enfermeiras obstétricas extremamente capacitados. O nascimento acontece com o mínimo de interferência possível ou sem interferência nenhuma. No entanto, minha tendência pessoal é optar por um parto com alguma interferência, tendo como primeira opção o parto normal induzido, realizado com hora marcada, o que é perfeitamente possível. Isso porque entendo e tenho convicção de que a melhor forma de receber uma criança ao mundo é de maneira programada. Esta é apenas a minha opinião. Mais importante do que isso deve ser o desejo da gestante e o bem-estar da mãe e do bebê. Nossa busca, como ginecologistas e obstetras, deve ser a de respeitar as escolhas das mulheres com a máxima segurança.
 
Houve uma polêmica exagerada em torno do assunto?
Difícil avaliar sob esse prisma, mas minha opinião sobre isso está muito bem estabelecida. Em primeiro lugar vem o desejo da paciente. Meu papel, como médico, é informar, orientar e dar opções às gestantes. Isso muda diante de situações especiais, quando há risco para mãe ou bebê. Quando a paciente pede para que eu tome uma decisão, aí sim, decidimos conjuntamente com a mãe e o companheiro, sempre que possível. Com base na minha experiência de 40 anos como obstetra, afirmo que parto programado é muito mais prático e lógico para todos os envolvidos, o que vai ao encontro das mudanças da Medicina e do mundo. Isso não quer dizer que eu seja contra o parto natural, sem nenhuma interferência; a decisão deve ser da mãe.
 
Os homens têm sido presença mais constante nos consultórios, acompanhando suas parceiras?
Especialmente durante a gestação, o número de homens que frequentam o consultório do ginecologista ao lado das esposas já aumentou bastante, mas, infelizmente, o contato durante o pré-natal é prioritariamente com as mulheres. Essa é uma participação que deve ser incentivada, uma vez que a parceria durante a gravidez traz benefícios para os futuros pais, o bebê e a família. A frequência das visitas masculinas no consultório de médico do mastologista também cresceu por conta do aumento de ginecomastias, presença de tecido mamário que dão aparência feminina às mamas, o que traz baixa autoestima a muitos homens.
 
De acordo com o médico, as mulheres estão mais conscientes sobre a importância de exames preventivos, como o que identifica o câncer de mamaComo fica a relação do casal depois dos filhos?
Diversos trabalhos mostram que, pelo menos no primeiro ano após um parto, 30% mulheres têm dor na relação sexual. Apesar de haver questões fisiológicas envolvidas — como o processo de cicatrização e a própria distensão de ligamento — são as mudanças emocionais e comportamentais que a mulher enfrenta depois que se torna mãe que mais modificam o relacionamento do casal. Dupla jornada de trabalho, as necessidades do filho e as cobranças do marido contribuem para isso. 
 
O sexo ainda é um “tabu” para as mulheres?
Já foi mais. Nesse sentido, o que posso dizer é que, quando há abertura entre médico e paciente durante a consulta ginecológica, é possível constatar que pelo menos 30% das mulheres trazem reclamações que podem estar relacionadas ao sexo. Um trabalho recente realizado na Inglaterra mostrou que 10% das mulheres britânicas têm dor na relação sexual. O resultado, que tive a oportunidade de comentar, será publicado em uma revista internacional especializada em breve. Nas observações que fiz, destaco que os 10% verificados pelos pesquisadores ingleses podem ter sido minimizados. Na minha experiência clínica, a dor na relação sexual corresponde a, pelo menos, 10% de consultas ginecológicas. Dores pélvicas têm uma prevalência ainda mais alta, variando de 15% a 30% entre as mulheres que estão na menacme, período de atividade menstrual. Entre elas, ao menos 10% estão relacionadas ao ato sexual. Além da dor, elas já abordam outras questões relacionadas ao sexo: falta de orgasmo, de desejo e frigidez, em alguns casos, não são incomuns. Contribuir para a solução de problemas dessa natureza significa ajudar a sanar questões afetivas importantes. Tenho convicção, como ginecologista, de que já ajudei a salvar muitos casamentos.
 
As questões subjetivas da especialidade são abordadas durante a formação em Ginecologia?
Com certeza elas devem ser, como acontece na Unaerp. Isso porque a paciente deve ser avaliada, como disse anteriormente, de maneira global. No meu entendimento, é impossível formar, hoje, um médico exclusivamente técnico. Se ele não tiver a capacidade de ouvir para encontrar meios de resolver determinado problema, não vai ajudar suas pacientes.
 
Outra especialidade que integra seu currículo é a Mastologia. Quais as principais evoluções nessa área médica?
Acredito que a tecnologia empregada no diagnóstico, que vem se tornando cada vez mais precoce, é o que mais contribui para o sucesso de o tratamento do câncer de mama, que ainda acomete um elevado número de mulheres. Somente no Brasil, a previsão do Instituto Nacional do Câncer é de que sejam registrados 52 mil novos casos da doença. A boa notícia é que, ao ser diagnosticado em sua fase inicial, as chances de cura já beiram 100%. A pesquisa de fatores genéticos pode prever a suscetibilidade da mulher desenvolver o câncer de mama. As técnicas de oncoplastia incorporadas ao tratamento cirúrgico da mama, com certeza, melhoraram a qualidade de vida das pacientes acometidas por esse mal.

 Quando diagnosticadas com um câncer de mama, quais os principais medos das mulheres?
São diversos, mas o medo da mutilação da mama é comum a quase todas elas. Mais uma vez, é o diagnóstico precoce que faz a diferença na hora de propor um tratamento mais conservador, que garanta a preservação de sua aparência corporal ao máximo. Este fator contribui, e muito, para a recuperação. Quando isso não é possível, a mama pode ser reconstruída de maneira bastante satisfatória.
 
Para o senhor, o que é saúde?
A própria Organização Mundial da Saúde (OMS) define o termo como o bem-estar mental, físico, social e sexual do indivíduo. Quando se trata uma paciente com câncer da mama, que ficou livre da doença, mas ficou mutilada e depressiva, não dá para dizer que ela está com saúde. Portanto, ser saudável é muito mais do que ter um corpo livre de doenças. Nesse sentido, o papel do médico é ouvir, orientar e resolver, sempre que possível. 


Texto: Luiza Meirelles
Fotos: Ibraim Leão

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