Um ano de desafios

Um ano de desafios

Atual presidente da Associação Musical de Ribeirão Preto, Sílvio Contart revela as dificuldades e os novos projetos da Orquestra Sinfônica de Ribeirão Preto para 2017

Fundada em 1921, a Orquestra Sinfônica de Ribeirão Preto (OSRP) é o segundo mais antigo grupo do gênero no país e um dos maiores patrimônios culturais de Ribeirão Preto. Apesar desse histórico impressionante, a Orquestra — mantida pela Associação Musical de Ribeirão Preto — vem enfrentando uma grave crise nos últimos anos, tendo, inclusive, corrido o risco de interromper as atividades recentemente. Entre os principais motivos para isso está a crise de credibilidade que atravessou, sobretudo em decorrência de problemas de gestão que desestimularam patrocinadores. 

Nesse sentido, o ex-presidente da mantenedora da Orquestra, Cyrilo Luciano Gomes Júnior, desenvolveu um trabalho importante, conseguindo reverter parte da imagem negativa da OSRP diante da opinião pública e dos patrocinadores. Após seu falecimento, em abril de 2016, esse esforço passou para as mãos do arquiteto e urbanista Sílvio Trajano Contart. Na entrevista a seguir, o atual presidente da entidade elucida a atual situação da Orquestra e destaca os projetos desenvolvidos para enfrentar os desafios de 2017. 

Sílvio Contart dá continuidade aos projetos que objetivam resgatar a credibilidade da Orquestra Sinfônica de Ribeirão PretoRevide: O que a Orquestra significa para você? 
Sílvio:
Meu envolvimento com a Orquestra aconteceu porque sou um apreciador de música e, por isso, costumo frequentar e assistir aos concertos. Quando morei fora do país, gostava muito de participar de eventos do gênero. Nunca fui músico e também não aprendi a tocar um instrumento, mas sempre gostei ouvir boa música. Quando voltei para Ribeirão Preto, há mais de 20 anos, procurei a Orquestra para me envolver como sócio ou participar de alguma forma. A OSRP é o meu trabalho voluntário, uma forma que tenho para contribuir com a cidade e com a região. Ajudando a Orquestra, posso cuidar de algo que gosto: a música erudita.

Por que decidiu assumir a presidência da Associação Musical de Ribeirão Preto?   
Com a fatalidade do falecimento do Cyrilo, assumi o cargo interinamente, uma vez que era vice-presidente da entidade, mas acabei muito envolvido com a função e decidi continuar. No entanto, nunca tive essa ambição.

Qual era a situação da Orquestra quando assumiu a presidência?
Comecei a sentir os problemas da Orquestra quando ainda atuava como vice-presidente, mas não sabia a dimensão das dificuldades e de toda a problemática envolvida. Quando assumi a presidência, o cenário era de crise financeira total, com salários e impostos atrasados, ações trabalhistas, dificuldade de honrar compromissos. Essa situação já acontecia com o Cyrilo, que estava tentando resolver por meio de atitudes fantásticas. Estamos conseguindo sair da crise graças ao trabalho que o ex-presidente começou, ao qual, agora, estou tentando continuar. 

Que ações são essas, especificamente? 
Em um dado momento, a Orquestra passou por uma crise de credibilidade por causa de certas condutas na gestão que desestimularam os patrocinadores, tanto as empresas quanto as pessoas físicas. Toda entidade sem fins lucrativos que vive de doações e de amparo da sociedade precisa ter uma lisura e demonstrar, claramente, seu movimento financeiro. Ninguém quer dar dinheiro para uma instituição sem saber como esse recurso será utilizado. Felizmente, a questão da credibilidade foi enfrentada de forma muito eficiente pelo Cyrilo, que era promotor e procurou a Justiça para resolver situações pendentes, além de ter solucionado problemas institucionais importantes. No entanto, o Brasil passa por uma crise econômica séria, momento em que a sociedade inteira está procurando economizar, o que agrava a situação. No entanto, a captação de recursos é uma necessidade constante da Associação. Para ficar mais fácil, é importante lembrar a relevância da atividade desenvolvida pela entidade. Com a crise, há menos músicos e concertos, o que acaba interferindo um pouco no brilho da Orquestra. Quando assumi a presidência, até a relação com a Secretaria Estadual de Cultura estava resolvida, o que permitiu aprovarmos alguns projetos importantes. Estamos, novamente, aptos a captar verbas a partir de renúncia fiscal por meio de iniciativas estaduais, como o Programa de Ação Cultural (ProAC), e federais, como a Lei Rouanet. Nesse momento, buscamos parceria com pessoas físicas dispostas a doar e com empresas que recolhem ICMS e pagam  Imposto de Renda.

Os patrocinadores estão voltando a colaborar com a Orquestra?  
No final do ano passado, conseguimos um bom montante. Ainda somos muito dependentes das empresas do setor sucroenergético, principalmente, das usinas de açúcar e de álcool, que nos ajudam muito. Temos contribuintes importantes na área do comércio e da indústria, mas a maioria são usinas, que apuram lucro uma vez ao ano — contribuem com muito, mas poucas vezes. A Orquestra precisa, agora, ampliar a base de contribuintes mensais para garantir um fluxo de caixa mais homogêneo, ou continuaremos acumulando dívidas a serem pagas no final do ano. Sempre sobra um pouco de verba de um ano para o outro, mas, sem captação constante, as dívidas voltam a se acumular. 

A crise de credibilidade também afetou os sócios da Orquestra? 
Sim. Ainda temos que encontrar formas de manter os sócios em longo prazo, o que estamos tentando equacionar agora. O sócio envelhece, falece, muda de cidade, descobre outros interesses. Por isso, temos que trabalhar nesse sentido, convidando-os para assistir aos concertos, mandando material impresso, pela internet, pelas redes sociais, informando sobre todas as ações da Orquestra. Tivemos, também, outros problemas: perdemos cadastro, deixamos de mandar boleto por questões de comunicação interna. No entanto, os sócios não representam mais uma parte tão expressiva do nosso orçamento. Faturamos com sócios, hoje, R$ 30 mil, sendo que nossa despesa mensal é de mais de R$ 200 mil.

Quantos músicos compõem a Orquestra atualmente? 
Temos 35 músicos — já tivemos 55, mas não perdemos os 20 nessa última crise. Nossa ideia é manter a base da OSRP com esse número de músicos e, conforme o concerto pedir, complementar o grupo com músicos convidados. Essa medida reduz a folha de pagamento mensal e possibilita sustentar uma boa base: temos um maestro titular, um maestro assistente e um número razoável de músicos, que garantem a identidade como Orquestra. 

Qual é o cenário financeiro atual da OSRP? 
Com o dinheiro que arrecadamos no final do ano passado, pagamos uma série de dívidas. O Cyrilo havia conseguido uma doação, por meio de um acordo feito com o Ministério Público do Trabalho, que fez um aporte interessante para a Orquestra, por meio de um fundo de compensação que o órgão possui para ajudar entidades. Esse dinheiro chegou a nós em meados do ano passado e permitiu acertar salários atrasados. No começo do ano, a captação costuma ser mais fraca, então, temos que correr atrás para melhorar esse cenário durante o ano, quando os concertos recomeçarão e a Orquestra voltará a aparecer na mídia, favorecendo bons resultados nas campanhas de adesão e na busca por apoio de patrocinadores. 

Que ações têm sido implantadas para melhorar a situação da Orquestra? 
Estamos abrindo o diálogo com os músicos, com a administração, com os funcionários, com os nossos conselheiros, com diretores e com os sócios, de forma a envolvê-los em cada iniciativa. Cada um deles é muito importante para nós. Estamos, também, buscando parcerias com outras entidades e realizando concertos com corais convidados, por exemplo, com a Cia. Minaz. Temos proporcionado maior interação da Orquestra com outras entidades da área cultural. Estabelecemos, ainda, um bom relacionamento com a equipe do Theatro Pedro II — a Mariana Jábali, diretora da Fundação Pedro II, esteve à frente da Associação Musical recentemente. Há, portanto, uma boa sinergia entre todos esses agentes em relação ao calendário e procuramos estabelecer uma programação para o ano inteiro. A Orquestra vai realizar, em média, dois concertos ao mês, além do Juventude tem Concerto.  Estamos criando uma nova postura editorial para a nossa revista, publicada a cada concerto, abrindo-a para outros assuntos; desenvolvendo um novo projeto gráfico, em novo formato, em parceria com Luís Henrique Cruz. Depois dessas primeiras iniciativas, repensaremos toda a comunicação visual da Orquestra, inclusive, mudando o site. Posteriormente, quem sabe, poderemos reformar nossa sede, instalada em um prédio muito antigo, com condições de trabalho longe de serem ideais.

Estão sendo elaboradas iniciativas para conquistar mais público?
Queremos desassociar a ideia de que, para assistir a um concerto, é preciso ter cabelos brancos e ir ao Theatro Pedro II. É possível acompanhar uma apresentação da Orquestra em outros lugares. No ano passado, por exemplo, houve apresentações em parques, no Sesc, em outras cidades e em igrejas. Este ano, queremos fazer ainda mais concertos na comunidade, na rua, no shopping e até no supermercado. Para as pessoas terem vontade de colaborar com a Orquestra, o grupo precisa ter relevância para a comunidade e, para isso, tem que ser conhecido.

Os projetos que vinham sendo colocados em prática permanecem? 
Sim, reativamos o projeto de música nas escolas, chamado Tocando a Vida, mantemos o Juventude tem Concerto e o Coral. Estamos tentando desenvolver outras ações por meio de conversas com a Secretaria de Educação, como aulas de música na rede pública de ensino. Temos a ambição, ainda, de voltar a ter uma escola de música da — a Orquestra Jovem —, mas tudo depende da estabilidade financeira que ainda não atingimos. 

Ribeirão Preto reconhece a importância de um patrimônio cultural como a OSRP?
Todo mundo reconhece o valor da história e dos momentos que a Orquestra já viveu, com grandes maestros e lindas apresentações. No entanto, precisamos transformar esse amor à arte em vontade de contribuir — esse passo é mais difícil. Devido ao momento de crise, não está sendo fácil para ninguém. No entanto, vale reforçar que cultura é essencial e, se deixarmos a Orquestra acabar, perderemos muito. Quanto mais a OSRP aparecer e realizar ações para se aproximar do público, mais retorno conseguirá desse público, que irá participar mais de suas atividades. Para isso, temos que investir em comunicação visual e utilizar  mais as redes sociais. Assim, envolveremos as pessoas e as traremos para perto da Orquestra. O público se interessa pela música erudita por diferentes razões, mas é impossível saber exatamente qual é esse motivo sem assistir a um concerto ao vivo. Não adianta ouvir um CD; participar do concerto, acompanhar os movimentos do maestro e da orquestra é uma experiência única e rara.  Só vivendo essa experiência para entender do que se trata. O esforço para manter a OSRP se justifica no fato de que ela representa, não apenas para o público da cidade, mas também da região, a oportunidade de ter essa vivência tão única. 

A Orquestra conta, hoje, com 35 músicos

Texto Carla Mimessi
Fotos Ibraim Leão

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