Uma artista contemporânea

Uma artista contemporânea

Além do portfólio repleto de obras importantes e das várias participações em salões renomados pelo país, Adriana Palma Franco do Amaral se tornou uma das principais incentivadoras da arte em Ribeirão

Desde cedo, Adriana Palma Franco do Amaral demonstrava habilidade e talento para desenhar e para manusear os pincéis, assim como criatividade, senso estético para coordenar o uso de cores e um olhar apurado para construir imagens diferenciadas através da fotografia. A carreira como artista visual, no entanto, só começou anos depois, em 2003, quando um de seus trabalhos foi selecionado em um edital do Museu de Arte de Ribeirão Preto Pedro Manuel-Gismondi (MARP). A partir daí, nunca mais parou. Com um olhar sensível, uma técnica apurada e um estilo próprio de se expressar, imprime sua personalidade, tanto nas peças de porcelana que pinta, quanto no trabalho com as fotos.

Respeitada no cenário cultural e com prêmios importantes no currículo, Adriana, hoje, também se dedica à promoção da arte e da cultura. Ministra aulas e cursos, idealizou o projeto da Casa Abaeté – Pesquisa, Criação, Produção e Circulação de Arte em Ribeirão Preto e, ao lado do artista plástico Daré, é sócia-proprietária da Galeria Plano A. A seguir, acompanhe algumas passagens interessantes dessa trajetória. 

Antes de iniciar a carreira como artista visual, você se formou em Zootecnia e tem até mestrado na área. Por que, na hora de escolher um curso, decidiu seguir essa profissão? 
Realmente, tenho mestrado em Zootecnia, na área de produção animal (Nutrição de Ruminantes), pela UNESP. Gosto muito de animais. Sempre vivi cercada por cachorros e gatos em casa. Quando criança, um dos meus programas favoritos era passear pelo bosque de Ribeirão Preto. Venho de uma família de pecuaristas, tanto por parte de mãe, quanto por parte de pai. Esse fato também pesou na hora da decisão. Por tudo isso, quis fazer uma faculdade relacionada a esse universo. Outro detalhe é que, naquela época, a ideia de morar em outra cidade era extremamente atrativa e esse curso era sediado em Uberaba, ou seja, a combinação perfeita. 

Com uma carreira consolidada e prêmios importantes no currículo, Adriana também se dedica à promoção da arte e da cultura em Ribeirão Preto.Quando e por que resolveu mudar de ramo e ingressar no mundo das artes?
O processo foi gradativo. Após defender a tese de mestrado, fui para a Austrália e para a Nova Zelândia. Nesses países, tive a oportunidade de enriquecer meus conhecimentos ao estudar o sistema de produção deles. Em todas as fazendas que me receberam, notei algo em comum: as louças pintadas à mão. Desde a infância, eu já me aventurava com os pincéis e fazia esse tipo de arte em porcelana. Ao ver peças tão lindas, o interesse ressurgiu com força total. Assim que voltei para Ribeirão Preto, retomei a pintura. Comecei a desenvolver um jeito próprio de trabalhar e senti a necessidade de aprimorar minha técnica. Tive aulas de desenho, onde aprendi o que era ponto de fuga, planos, composição, perspectiva, profundidade de campo, entre outros conceitos. Nesse período, também me dediquei a outra paixão que surgiu na adolescência, a fotografia. A evolução foi nítida. Fazia umas fotografias diferentes — era assim que eu as chamava. Hoje, depois de 14 anos, fica claro para mim que, desde o princípio, eu buscava um estilo bem autoral. Em 2003, tive coragem de enviar para um edital do MARP uma série com dez fotografias. O material foi selecionado e, a partir daí, considero-me uma artista visual. 

Alguém te influenciou nessa decisão?
Duas pessoas tiveram um papel importante nessa trajetória. A primeira é a minha mãe, Arlette Palma Franco do Amaral. Como disse, tinha contato e intimidade com pincéis, tintas e câmera fotográfica, habilidades que descobri por incentivo dela. Minha mãe é musicista e, nos anos 70 e 80, fazia tapetes arraiolos, algo supermoderno para aquela época em Ribeirão Preto. O colorido das peças era fantástico e incrível. Enquanto crescia, observava a atenção dela estudando, minuciosamente, as tonalidades dos novelos de lã em cima dos riscos dos tapetes. Tenho, inclusive, uma obra nomeada “Da caixa de costura da minha mãe sai meu colorido”. O artista plástico Ulieno Sérgio Cicci também me deu uma importante contribuição. Tive o privilégio de conviver com ele, intensamente, nos meses anteriores ao seu falecimento, em 12 de junho de 2000. Nadávamos juntos, na Sociedade Recreativa e de Esportes de Ribeirão Preto (Recra). Certa vez, mostrei algumas fotografias minhas para ele e recebi a seguinte resposta: “Tire da gaveta e comece a mandar para salões de arte”. Depois de uns dez dias, infelizmente, ele faleceu, mas esse curto período que compartilhamos foi suficiente para que Ulieno influenciasse a minha arte.  

Afinal, o que a arte significa para você? 
Liberdade, independência e autonomia. Através dela, conheço pessoas que não conheceria e partilho o meu pensamento com outros indivíduos que, muitas vezes, nem conheço. Jamais teria um vínculo com eles se não fosse minha obra.

Gosta de explorar todas as ferramentas que a arte proporciona para se expressar?
No início, gostava de desenhar e de pintar bonecas, roupas e flores. A fotografia apareceu mais tarde na minha vida, na adolescência. Fotografava a família e os amigos, antes de entender que essa era uma boa ferramenta para manifestar a minha arte. Todas as técnicas me encantam, mas, como forma de expressão, atualmente, é à fotografia que me dedico.

Tem um estilo determinado ou transita por vários? 
Faço fotografia contemporânea. Talvez seja um termo muito abrangente, mas é assim que me reconheço.

O que a inspira?
Quando começamos em uma profissão, sempre temos alguns artistas que servem como referência, que parecem nortear nosso espaço. Posso citar Rubens Mano, o casal alemão Bernd e Hilla Becher, Thomas Struth, Candida Hofer, Thomaz Farkas, Uta Barth, Win Wenders, Hiroshi Sugimoto, Celine van Balen, Sophie Calle, Nan Goldin e Mário Cravo Neto. Com o passar do tempo, vamos construindo uma personalidade própria e um processo criativo particular. Hoje, o que mais me inspira são os momentos que estou vivendo e os elementos que estão ao meu redor.

Como funciona o seu processo criativo?
Às vezes, eu penso em algo — visualizo até detalhes cromáticos — e vou, depois, buscar as imagens que melhor representam o que quero passar. Já aconteceu, por exemplo, de estar em um determinado local e, naquele instante, presenciar um fenômeno que acabou gerando um insight. Nesse caso específico, o resultado foi a obra “Vacuidade”. Já fiz várias fotografias e precisei de um tempo para sedimentar as ideias, discernir as emoções e, aí sim, dar corpo ao trabalho. Neste momento, estou terminando a obra “Há sempre algo novo para ver”. São fotos feitas em 2011 e que só agora estou montando o conceito, editando e tratando as imagens. Devemos considerar também, como parte do processo criativo, a pesquisa do tipo de papel que será utilizado para a impressão (fine art, fotográfico, com brilho, sem brilho, com textura ou sem textura), a decisão de usar ou não uma moldura (em madeira, acrílico, alumínio, tecido ou só adesivada na base rígida), a escolha do vidro (normal, antirreflexo ou antirreflexo com tratamento óptico) e a forma de montagem da composição na parede, ou seja, a disposição das obras no ambiente. Enfim, o processo criativo é longo e exige bastante do artista.

A arte pode estar presente em todos os lugares?
Sim, como arte em geral, mas cada especialidade possui peculiaridades e exigências específicas. Há, por exemplo, esculturas públicas e outras mais intimistas. A fotografia em si, tornou-se quase onipresente na vida contemporânea, tanto em propagandas, meios de comunicação e redes sociais, quanto em museus e galerias. A intenção e o espírito de quem a faz transforma essa fotografia em arte ou não, independente de onde ela esteja.

É preciso muito estudo, pesquisa e dedicação para compor uma grande obra? 
Sim, é um trabalho constante e cotidiano. Muitas composições que fazemos ao longo da carreira se tornam o caminho para essa grande obra.

Quais foram as principais exposições e prêmios?
A minha primeira exposição, em julho de 2003, no MARP, foi muito importante. “Você é aquilo que come” foi exibida em três unidades do Sesc: Ribeirão Preto, Interlagos e Catanduva. Em 2012, ganhei um prêmio no Salão de Arte de Ribeirão Preto (SARP) com a obra “Lugares que moram para sempre”, que passou a fazer parte do acervo do museu. Em 2013, destaco “Cofre”, no MARP. No mesmo ano, ocupei a Casa Abaeté com o projeto “Dias e Noites”, realizado em parceria com o Centro de Criação Contemporânea de Florianópolis. Também estão entre as principais obras “Entradas”, projeto realizado pelo Programa de Ação Cultural (ProAc – ICMS), lei de incentivo do governo do Estado de São Paulo, e “Vacuidade”, projeto contemplado com o Proac – Editais e promovido pelo MARP, em 2015. Essa última, inclusive, está em exibição no Museu de Arte Contemporânea do Mato Grosso do Sul (MARCO), em Campo Grande, até fevereiro deste ano.

O que é a Casa Abaeté?
É uma casa que fica na rua Visconde de Abaeté. Minha família e eu moramos por muitos anos nesse local, portanto, ela guarda lembranças inestimáveis. Herdei o imóvel da minha mãe, mas ele estava bem deteriorado. Em 2016, fiz uma viagem a Portugal e fiquei impressionada ao ver como o povo de lá preserva os patrimônios históricos. Quando voltei, resgatei um dinheiro e, aos poucos, comecei a restaurar a casa, que é da década de 60. O lugar foi se transformando e ganhando vida. Tornou-se um espaço com uma energia agradável, onde dou aulas de fotografia, de arte contemporânea e promovo bazares no Dia das Mães e no final do ano, o “Mercado Abaeté”. 

Como está o panorama artístico em Ribeirão Preto atualmente? Há bons artistas locais? 
Atravessamos um momento muito feliz na cena artística ribeirãopretana. Temos artistas ativos, em meio de carreira, com um corpo de obra sólido e poéticas bem particulares, facilmente identificáveis. Temos, também, novos artistas despontando com personalidade e evidente capacidade criativa.

Existem, na cidade, bons espaços expositivos?
O MARP, o museu público municipal de arte contemporânea, graças à perseverança dos funcionários e da diretoria — apesar da crise econômica pela qual passa o país e, particularmente, o município —, mantém as portas abertas com uma programação anual completa e um salão de arte contemporânea (SARP) que ocorre, ininterruptamente, há mais de 40 anos. Instituições particulares surgiram ou se consolidaram nos últimos anos, como a galeria do SESC, o Instituto Figueiredo Ferraz  e a Galeria Marcelo Guarnieri. Espaços criados e gerenciados por artistas se multiplicaram, proporcionando um circuito local de exposições e momentos de debate e de interação entre artistas e público, como Heloísa Junqueira Ateliê, Espaço Arter, W Espaço de Arte (desde 2017 transformado em Centro de Arte Contemporânea W e W Residência Artística) e Galeria da Praça (espaço expositivo e comercial ligado ao Ateliê da Praça). Mais recentemente, nasceu o Plano A, um projeto de autogestão com proposta multifacetada que inclui plataforma digital, espaço físico expositivo e galeria anexos à Casa Abaeté. O artista plástico Daré e eu somos os idealizadores. Trabalhamos com estratégias para a construção de parcerias e de eventos compartilhados com artistas de outras partes do país. Ministramos cursos e colóquios para o público, especialmente para alunos de Arquitetura, realizamos exposições, recebemos visitantes interessados em livros especializados da nossa biblioteca. Nosso propósito é fomentar e disseminar a cultura e a arte. 

O público comparece a esses encontros?
Há um público formado, fiel e assíduo às exposições, palestras e oficinas promovidas por essa rede de artistas e de instituições, mas pode ser muito maior diante das potencialidades socioeconômicas da cidade. Um público ampliado, que se interesse por artes plásticas como um bem cultural e imaterial capaz de fazer parte do cotidiano de suas vidas. Talvez, precisemos, ainda, derrubar alguns pré-conceitos. Há pessoas que veem as artes plásticas como uma atividade de privilegiados e a obra de arte como uma mercadoria cara, destinada apenas a ricos. Tem também quem acredite que esse tipo de trabalho só pode ser entendido por experts e iniciados. Os altos preços são praticados por uma parcela ínfima do mercado. A maioria dos artistas possui obras bem acessíveis. Como passeio cultural, e mesmo como entretenimento, nada será mais barato em Ribeirão Preto do que visitar uma boa exposição. Todos, absolutamente todos os espaços promovem mostras direcionadas à população com entrada franca, contando, em muitos casos, com monitoria ou com a presença dos proprietários e de artistas para recepção dos visitantes e esclarecimentos sobre o que está exposto. Então, só não se rende a esse universo encantador quem não quer porque, hoje, a cidade conta com uma boa estrutura voltada às artes. 



Texto: Paula Zuliani
Fotos: Luiz Cervi

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