Uma jornada de desafios
“Temos que ser fortes por nós, pelas nossas famílias, pelos nossos alunos”, ressalta Fabio Itasiki

Uma jornada de desafios

Professor, jornalista, escritor e colunista do Portal Revide, Fabio Itasiki avalia a retomada do ensino presencial; para ele, trabalho do profissional de Educação seguirá pautado pela resiliência

Com experiência de mais de 30 aos atuando em escolas particulares e cursinhos, Fabio Itasiki já presenciou situações diversas — e adversas — na Educação. Nenhuma delas, contudo, compara-se ao impacto causado pela pandemia de Covid-19 à aprendizagem de crianças e adolescentes. A Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) estima que, em média, dois terços de um ano letivo tenham sido perdidos em todo o mundo em razão do fechamento das escolas. “Se antes do isolamento, do distanciamento social, das aulas remotas, a discrepância entre o ensino dos colégios particulares e da rede pública já era grande, com a pandemia esse hiato ficou mais visível, diante das diferenças socioeconômicas. Se há um ponto comum nesse desafio, é a perda de alunos”, destaca o jornalista, pós-graduado em Comunicação, professor de técnicas de redação e consultor educacional para o Senac-SP, editora pela qual lançará, em agosto, o livro “Oficina de Redação – Foco Enem”. Na entrevista a seguir, Itasiki ressalta os desafios impostos aos profissionais da Educação no período e compartilha as expectativas para o futuro.

Desde o início da pandemia, qual foi o maior desafio enfrentado pelas escolas?

A pandemia impôs ao Brasil e ao mundo novas formas de pensar e de agir. E, claro, não foi diferente na Educação. Porém, não seria coerente analisar as escolas como um todo — até mesmo pelas dimensões continentais que o nosso país apresenta —, colocando o ensino público e o particular na mesma situação. Se antes do isolamento, do distanciamento social, das aulas remotas, a discrepância entre o ensino dos colégios particulares e da rede pública já era grande, com a pandemia esse hiato ficou mais visível, diante das diferenças socioeconômicas. Se há um ponto comum nesse desafio, é a perda de alunos.

 Com as aulas remotas, muitas escolas particulares viram migrações de seus alunos para a escola pública e o ensino público (municipal, estadual e federal) assistiu ao êxodo de alunos que abandonaram os estudos por vários motivos: econômicos, infraestruturais, psicológicos. Desse modo, cada escola foi afetada de várias formas, desde a perda de alunos, diminuição de funcionários, afastamento de profissionais por questões psicológicas e, no caso das instituições particulares, até o fechamento parcial ou definitivo de escolas tradicionais. A Unesco estima que, em média, dois terços de um ano letivo foram perdidos em todo o mundo devido ao fechamento das escolas. Um exemplo é o Colégio Imaculada Conceição, em Belo Horizonte, que resistiu o quanto pode, mas anunciou que fechará suas portas em 2022. Em todas as regiões do país, colégios foram extintos ou paralisados e esse número ainda é impreciso, porque nem todos os estabelecimentos de ensino deram baixa em seus alvarás de funcionamento.

É possível mensurar o prejuízo aos alunos de um ano das escolas?

Ainda não é possível fazer uma análise mais profunda das perdas que a ausência da escola na vida dos alunos irá causar, porque seria um pensamento muito simplista pensar apenas em perda de conteúdo, de matérias. É preciso observar paulatinamente, de forma mais holística, todo o cenário da Educação no Brasil nos próximos anos, cuidar do presente e tentar programar o futuro da Educação no país. Um bom começo é observar o estudo “Perda de Aprendizagem na Pandemia”, criado e desenvolvido pelo Insper e pelo Instituto Unibanco, que apresenta um cenário preocupante: estudantes que concluíram a 2ª série do Ensino Médio em 2020 iniciaram o terceiro ano com nove ou dez pontos a menos na escala do Sistema de Avaliação da Educação Básica em Língua Portuguesa e Matemática (Saeb), e sabemos que, para o futuro profissional dos estudantes, um menor conhecimento nessas duas matérias impacta em salários menores e perdas de rendimentos futuros.

No cotidiano das escolas que hoje já recomeçam a funcionar com separação das salas de aulas em duas ou mais turmas, é possível notar alguns prejuízos globais, como menor convivência e troca de experiências entre alunos e professores, diminuição de atividades presenciais para os alunos da Educação Infantil, ou seja, perda de compartilhamentos, emoções, vivências, sociabilização. Para os alunos do Ensino Básico, as aulas remotas — que não se configuram como sistema de EAD — tiraram o contato mais direto com um dos principais referenciais de vida que eles podem ter: o professor. 

Que medidas estão sendo tomadas para garantir a segurança dos professores, funcionários e alunos nessa retomada?

 Com atraso, os Ministérios da Saúde e da Educação apresentaram uma portaria com orientações, no início do mês de agosto, para o retorno às aulas presenciais, mas existem sugestões muito mais amplas nos materiais da Unicef, da Unesco e do Banco Mundial, que estabeleceram uma Estrutura Normativa para Reabertura das Escolas. Existem determinações, mas cada escola, em diferentes localidades do Brasil, vive suas realidades. Há instituições de ensino que oferecem equipamento exclusivo, como microfone e passadores de slides para os professores, três tipos de álcoois na sala de aula, e há escolas que não possuem recursos para o sabão nos banheiros ou para imprimir um aviso para não utilização dos bebedouros. O acolhimento dos estudantes está sendo feito das mais diferentes formas, com medidas como aferição de temperatura, higienização das mãos e dos calçados, distanciamento das carteiras na sala de aula e uso obrigatório de máscara. Mas, não podemos nos esquecer da vacinação. Quanto mais pessoas vacinadas, imunizadas, menor risco individual e coletivo corremos de sermos contaminados.

Como os pais podem se posicionar nesse retorno diante do hiato no ensino presencial?

Os pais, como sempre, devem ser o suporte para os filhos nesse processo de retomada da Educação no Brasil, pois são o primeiro contato que os estudantes têm, a primeira referência de cidadania, de comportamento, de validador do conhecimento educacional e dos valores familiares. Pais e responsáveis devem encaminhar os estudantes às atividades pedagógicas presenciais, quando for possível, e permanecer com as atividades remotas. Então, a atenção dos pais tem que ser redobrada. Aliás, em tempos de mudanças, há de se direcionar pelo pensamento de Edgar Morin: ‘reforma de pensamento significa reforma de educação’, para que possamos melhorar a Educação no Brasil. Essa atenção deve estar concentrada na observação do aproveitamento acadêmico para que não ocorram as lacunas educacionais e, se necessário, deve-se efetivar uma recuperação curricular de conteúdos perdidos durante as aulas remotas. E, com ou sem pandemia, os pais deveriam fazer a integração com a escola, a fim de saber se o filho, se a filha, está em um ambiente psicologicamente saudável para o desenvolvimento de sua individualidade, de seu caráter, dos seus princípios morais e sociais. Por isso, a conversa mais detalhada, mais atenciosa, entre pais, filhos e escola torna-se necessária para um melhor desempenho educacional e social do estudante.

Seu trabalho tem uma conexão direta com vestibulandos. Para quem está na fase dos vestibulares, ou esteve em 2020, qual foi o maior prejuízo e como os efeitos negativos da pandemia nesse processo podem ser abrandados?

Semanalmente, através das redes sociais e da mentoria, eu converso com muitos estudantes e vestibulandos e a pandemia continua oprimindo, deixando incertezas e medos. Alguns vestibulandos, com o ensino remoto, não conseguiram entrar no clima de competitividade ou ter ânimo para enfrentar os estudos a fim de prestar os principais vestibulares do país. Neste ano, o próprio número de inscritos para o Enem é um reflexo negativo da pandemia. Apenas 3.109.762 pessoas tiveram inscrição confirmada, segundo o Inep — o menor número de estudantes desde 2005. Esse já deve ser um sintoma entre os alunos concluintes do Ensino Médio. Alguns desistiram de prestar o Enem no ano passado e, neste ano, temos esse número diminuto de alunos. Vale lembrar que o Enem já teve 8.722.290 de inscritos em 2014. Para tentar abrandar essa fase que estamos vivenciando na Educação brasileira, o retorno gradativo ao ensino presencial deveria ser acompanhado de um Plano Nacional de Emergência para a Educação, organizado por pais de várias realidades regionais brasileiras, Conselho Nacional de Educação (CNE), sistemas de ensino, sindicatos de escolas particulares, secretarias de Educação e de Saúde, instituições como Fundação Lemann, Todos pela Educação, Reinventando a Educação, por exemplo, em um esforço nacional de recuperação político-educacional dos últimos três anos. O PNE do MEC está ultrapassado, desatualizado. No site do programa, nem consta que passamos por uma pandemia.

Qual sua expectativa diante da retomada presencial das aulas com capacidade de alunos aumentada?

 Sobre a questão da capacidade aumentada, na verdade, é apenas uma situação a ser vivenciada pelas escolas públicas e particulares, com todas as regras de biossegurança, observando critérios epidemiológicos, pedagógicos, econômicos, sociais. Minha expectativa é que na retomada das aulas, aos poucos, voltemos melhores, desde o Ensino Infantil até o EJA. Que a escola seja um local de encontros com a Educação, para desenvolvimento físico, psicológico, social; encontros com o aprendizado de vida, na troca de experiências enriquecedoras para os alunos. É o que Paulo Freire deixa como pensamento para nós, professores e professoras: ‘educar-se é impregnar de sentido cada momento da vida, cada ato cotidiano’.

Na sua opinião, a pandemia deve transformar o papel de professores no futuro?

 Ela pode ser considerada um divisor de águas? Há de se analisar o papel das professoras, dos professores, de duas formas. Primeiro, a pandemia serviu como oportunidade para aqueles professores que só queriam ensinar, mas não queriam aprender, poderem perceber que o saber é um processo contínuo e que a vontade de conhecer novas tecnologias, novos processos, novas habilidades, tem que estar no nosso DNA. Sim, não está sendo fácil, nem será fácil, pois colegas estão passando por danos psíquicos, depressão, baixa autoestima. Perdemos um amigo muito importante para a Covid-19, o Luiz Carlos Domingues, o Professor Panela, a quem dedico essa entrevista, por todo conhecimento, sabedoria e amizade que ele nos proporcionou. Depois, acredito que os educadores serão responsáveis — e isso já acontece —, pela checagem efetiva da transmissão dos conhecimentos na formação global dos estudantes. Será assim, em esforço coletivo, que iremos fazer: realizar avaliações diagnósticas constantes, testar os níveis e as qualidades de ensino nas escolas brasileiras e, principalmente, testar nossa resiliência, pois temos que ser fortes por nós, pelas nossas famílias, pelos nossos alunos.

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