Vice combativo

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Carlos Cezar Barbosa, vice-prefeito de Ribeirão Preto, detalha momentos da carreira, destemperos e aprendizados nos dois anos de vida política

Ainda sem gabinete próprio e, ironicamente, às margens da Rodovia Antônio Duarte Nogueira, o vice-prefeito de Ribeirão Preto, Carlos Cezar Barbosa (PPS), recebeu a reportagem da Revide para uma conversa sobre a política na cidade nesses dois anos, como uma das principais, e mais polêmicas, figuras públicas do município. Em um escritório repleto de livros de grandes filósofos e juristas, adornado com quadros e lembranças das viagens a Cuba, o experiente promotor com três décadas de carreira, mas um novato de dois anos na política, relembrou momentos desde a formação da chapa com Duarte Nogueira (PSDB), até os mais recentes atritos. Inclusive, contou quando esteve no centro das discussões que envolveram uma possível acusação de doação de campanha partindo de funcionários da Prefeitura para a primeira-dama, Samanta Duarte Nogueira. Sempre ativo nas redes sociais, Barbosa não se acanha em expor as desavenças com o prefeito. Segundo ele, “as pessoas não estão acostumadas com sinceridade”. A seguir, a entrevista com o vice-prefeito. 

Texto: Paulo Apolinário

O que mudou na relação do senhor com o Prefeito Duarte Nogueira (PSDB) do início da corrida eleitoral até agora?

Começamos 2017 com uma sinergia muito boa. Aliás, acho que 2017 foi um ano bom para o governo. Logo de início ele tomou decisões importantes para o município. E isso só não se manteve, porque eu confio e acredito nas pessoas até que elas me deem motivos para não confiar mais. Em abril de 2018, quando a primeira-dama [Samanta Duarte Nogueira] saiu do cargo de presidente do Fundo Social de Solidariedade para disputar as eleições, nós tínhamos uma boa relação, quase que uma relação de amizade. Até que eu fui surpreendido por um fato bastante decepcionante. A minha esposa [Camila Santanna], era vice-presidente do Fundo Social e, além disso, foi convidada pela primeira-dama para assumir a presidência durante o período em que ela estava em campanha. Tudo levava a crer que ela seria a substituta natural da Samanta. Porém, fui surpreendido com a nomeação da então secretária da Educação para o cargo. Aquilo foi de uma descortesia muito grande. Foi a revelação de que eu e a minha esposa não erámos tão bem-vindos assim no governo. A partir daquele momento, houve uma quebra de confiança. Não guardo nenhum tipo de mágoa com relação a isso, mas, infelizmente, isso acabou deteriorando a relação. Daí por diante, a relação ficou mais distante. 

Nogueira e Carlos Cezar: Segundo Barbosa, houve uma "quebra de confiança" entre ele e o prefeito Duarte NogueiraComo foi a sua saída da Secretaria da Assistência Social?

A secretaria enfrentava enorme carência e vinha trabalhando, inclusive, em desconformidade com o que preconiza o Sistema Único de Assistência Social. Ou seja, com número de funcionários inferior ao que é exigido e instalações precárias. Isso estava me causando um desgaste muito grande. Fui ao prefeito na segunda quinzena de maio e falei que não iria continuar. Ele pediu que eu ficasse e me fez a promessa de que iria destinar R$ 2 milhões para reformas e a contratação de pelo menos 20 assistentes sociais. Quando chegou setembro, nada disso tinha acontecido. Nada do que ele prometeu aconteceu. Eu deixaria a secretaria de qualquer forma, depois houve outro episódio que acelerou a minha saída. 

O episódio que acelerou a saída do senhor foi com relação às doações à campanha eleitoral da primeira-dama?

Sim. Essa foi uma questão que eu reconheço que conduzi mal. Mandei uma mensagem via WhatsApp para pessoas que exerciam cargo de confiança na minha secretaria. A minha mensagem era no seguinte sentido: ‘ninguém que tem cargo de confiança na minha secretaria é obrigado a fazer nenhum tipo de auxílio para campanha, vocês não estão aqui de favor e não devem nada para ninguém. Essa postura é proibida pela lei’. Todavia, infelizmente, dentre essas pessoas, descobri que tinha muita gente mau caráter e isso vazou para a imprensa. Esse vazamento não foi feito por mim. Em momento algum eu quis prejudicar a Samanta com isso. Contudo, hoje eu faria diferente. Hoje eu colheria as provas que eu entendesse necessárias. Eu tenho expertise para fazer isso, até para que essas provas não fossem destruídas posteriormente, e levaria diretamente ao Ministério Público. 

O senhor já comentou que não direciona as críticas ao prefeito, mas a “alguns gestores da máquina pública”. Acredita que a administração em Ribeirão Preto ainda é obsoleta em alguns setores?

Eu vejo que em alguns setores da administração existem profissionais que talvez não fossem os mais adequados para exercer as funções que exercem. Não vou mencionar quais são para não criar polêmica em cima disso. Mas eu acho que a máquina pública poderia funcionar melhor, se nós tivéssemos gestores mais comprometidos e mais afeitos à matéria da pasta que ocupa. Contudo, na Secretaria da Fazenda, por exemplo, temos um profissional de primeira linha. Se tivéssemos outros secretários da qualidade do Manoel [Gonçalves], eu acho que teríamos uma gestão muito mais eficiente. 

Seria o caso, então, de serem feitas mais indicações técnicas?

Eu penso que a indicação técnica é fundamental. Aliás, isso foi uma promessa do prefeito quando ele foi eleito. Que ele colocaria nos cargos respectivos as pessoas que tivessem a capacidade técnicas necessária para exercer aquele cargo. E eu vejo que em alguns setores isso não se concretizou. 

E o senhor pensa em se candidatar algum dia?

Eu não gosto nem de falar disso nesse momento, porque vai contra o meu lema de que eu quero viver o presente. O que eu quero, agora, é que essa gestão acabe bem. Penso que o momento é de união entre vereadores, Executivo e sociedade. Ribeirão Preto precisa disso. A cidade passou por momentos muito difíceis na gestão anterior. Temos que admitir que o prefeito assumiu a gestão com problemas gravíssimos e muitos deles ele conseguiu equacionar. E também deu equilíbrio à saúde financeira do município, que pode não ser das melhores, mas, ao menos, você não vê tantas reclamações de falta de medicamento, o salário dos servidores está em dia, fornecedores são pagos com regularidade e poucos atrasos. 

A Secretaria da Fazenda já declarou que um dos motivos para 2018 ter sido economicamente pior do que 2017 foi o peso dos repasses ao IPM. Qual a sua opinião sobre isso?

O IPM é algo que já era de conhecimento do Executivo desde o início. Na equipe de transição isso já tinha sido ventilado. Os aportes que o município faz acabam prejudicando, e muito, os investimentos. Talvez tenha sido essa uma das falhas do Executivo por não tratar da questão do IPM logo no primeiro ano de governo. 

O senhor acredita que a discussão da Planta Genérica foi conduzida de maneira equivocada?

Eu acho que todo projeto importante para a cidade tem que ser bastante debatido. Mandar um projeto para a Câmara, para que ela vote a toque de caixa, eu não acho salutar nem democrático. Todo o projeto importante para o município tem de ter tempo suficiente para ser debatido. 

Quais seriam as suas conquistas pessoais nestes quase dois anos e meio de mandato?

Eu aprendi muito nesse período. Eu tinha uma visão externa do Executivo e Legislativo, enquanto promotor de Justiça e hoje eu conheço mais internamente esses dois poderes, mas isso me trouxe mais decepção do que alegrias. Da classe política como um todo, eu diria que um quarto é composto por gente bem intencionada. Os outros três quartos, infelizmente, são pessoas que estão muito mais preocupadas com o próprio futuro político e carreira do que propriamente com o interesse da coletividade. E isso, para mim, é decepcionante, porque eu venho de uma carreira de 32 anos no Ministério Público e lá a gente aprende que nenhuma carreira pública possui um fim em si mesma. O objetivo é sempre instrumental: servir para atender os interesses da coletividade. Infelizmente, na política, eu vejo que isso não é bem aplicado. 

Teve início um debate na Câmara sobre a redução do número de vereadores. Atualmente são 27.  Qual número o senhor acredita ser o ideal?

Eu acho que não deveria ter saído de 22. É um número bastante razoável para Ribeirão Preto. Alguém poderá dizer: ‘mas repasse do orçamento para a Câmara é o mesmo, independentemente do número de vereadores’. Mas esse valor não precisa, necessariamente, ser gasto. Ele pode ser devolvido para o Executivo investir. Por outro lado, o risco que a sociedade corre é que vereadores que têm um poder de comunicação maior, que estão na mídia, ou um poder econômico maior, sejam eles bons ou não, têm mais chances de serem reeleitos. Caberá ao eleitor fazer um juízo de valor sobre o que é de fato ser um bom vereador. Se é estar todo dia nas rádios, ou se é defender o interesse público, apresentando bons projetos e boas propostas.

Em caso de reeleição do prefeito Duarte Nogueira, o senhor participaria novamente da chapa?

Não. Eu jamais seria candidato a vice, também não sou candidato a prefeito. Nesse momento, nem gosto de falar sobre isso. 

Por quê?

Quando você se integra em uma chapa, como foi o meu caso, você nutre a expectativa de ter um protagonismo maior.  Ninguém me prometeu nada, mas era uma expectativa que eu tinha. Só que, o que a gente percebe na prática é que quando o vice começa a fazer coisas boas para o município, isso já gera a impressão de que ele quer ser candidato, quer aparecer demais, puxar o tapete, etc... Essa é uma visão míope da política e dos políticos brasileiros. A grande verdade é que o político brasileiro se inspira muito em Maquiavel, sem nunca tê-lo lido — talvez seja da índole mesmo fazer maldade.

Pelo seu posicionamento nas redes sociais, por postar fotos em Cuba, por exemplo, não teme que essa “visão míope da política” que passamos, não possa lhe trazer críticas?

Eu não tolero o regime comunista. Não tolero nem a extrema esquerda nem a extrema direita. Cuba tem um regime intolerável, porém eu adoro Havana. Eu adoro a cidade, as pessoas, o charuto, o rum e a música. O povo cubano é extremamente receptivo e educado. A cidade é uma cidade que te leva ao passado. Ir para Cuba é algo que faz muito bem para mim.

"Eu jamais serei candidato à vice novamente", declarou BarbosaEntão, se alguém mandar o senhor para Cuba, é um elogio?

É sim [risos]. Apesar disso, o regime cubano vai exatamente na contramão daquilo que eu defendo, que é a liberdade. Eu gosto de um ambiente livre e democrático. Acho que isso é fundamental. A democracia pode não ser perfeita, mas acredito que não inventaram nada melhor até hoje. 

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