Visão amplificada

Visão amplificada

Partindo da realidade brasileira atual, o empresário Maurilio Biagi Filho faz uma análise da cena política e econômica do Brasil e de Ribeirão Preto, com destaque para o agronegócio

Com grande experiência nos mais diversos setores, Maurilio Biagi Filho percorre com naturalidade os mais variados círculos empresariais. Referência para o agronegócio, em especial, o setor sucroenergético, disponibiliza seu tempo para colaborar com o país de outras maneiras. Juntamente com a presidência do Grupo Maubisa, é vice-presidente da Academia Nacional da Agricultura da Sociedade Nacional de Agricultura (SNA). Atua, como conselheiro, em importantes instituições: Comitê de Governança da Câmara Americana de Comércio (AMCHAM), Conselho Superior de Meio Ambiente (COSEMA-FIESP), Conselho Superior do Agronegócio (COSAG-FIESP) e Conselho Empresarial da América Latina (CEAL). Na entrevista a seguir, dá sua opinião sobre o cenário brasileiro e ribeirãopretano, especialmente no que diz respeito à política e à economia.

Como o senhor definiria o momento político-econômico brasileiro: foi a economia que gerou uma crise política ou o inverso?
Na economia, a crise sempre resulta de falta de fundos ou de uma péssima gestão econômica. Sem dúvida, o caso brasileiro está inserido no segundo grupo. Para confirmar essa informação, basta avaliar os últimos 12 anos, em que houve arrecadações recordes, ano após ano. Conclui-se, portanto, que foi a má administração que levou o país a ter 14 milhões de desempregados e outros 22 milhões, aproximadamente, de subempregados. O Brasil ainda enfrenta um agravante: a corrupção, que tem revelado números sem precedentes na história, não só brasileira, mas mundial.

A proporção das revelações que vêm sendo feitas graças às investigações da Polícia Federal o surpreenderam?
Muito. Ninguém poderia imaginar que havia um esquema de corrupção tão grande e bem estruturado como o que está sendo revelado atualmente. Quando Emilio Odebrecht, por exemplo, menciona as cifras que eram movimentadas para o pagamento de propinas dentro da sua Odebrecht, a maior empreiteira do país, fica difícil acreditar. Imagina se toda a competência utilizada para gerir esse enorme sistema de corrupção fosse usada em benefício do Brasil? Teria sido possível fazer grandes obras por aqui. O desmando que dominou o país atrasou nosso desenvolvimento em muitos anos. 

Quais são as principais consequências dessa situação para o Brasil?
A infraestrutura foi a área que mais sofreu, pois reformas, ampliações e novas instalações que deveriam estar em pleno funcionamento não saíram do papel. Além disso, a corrupção comprometeu empresas nacionais de destaque, como a Petrobras, a Eletrobras e os Correios que lutam para se recuperar. Por muitos anos, o Brasil foi gerido com base em um sistema arcaico de governo, que não dá a devida importância às concessões, por exemplo, modelo que se demonstrou tão bem-sucedido no Estado de São Paulo. Também não dá para ignorar o fato de que instituições importantes para o desenvolvimento do país, como BNDES, Banco do Brasil e Embrapa, foram utilizadas para contemplar interesses políticos por muitos anos. O lado positivo de tudo o que o Brasil vem enfrentando é o fato de que, agora, está claro que ninguém, nem mesmo os integrantes da alta cúpula federal, sairá ileso ao se envolver com a corrupção. Também já dá para comemorar a chegada de muitos gestores de carreira, experientes e donos de amplo conhecimento técnico, a grandes empresas estatais e estratégicas para o país. 

O que falta para que o Brasil retome o caminho certo?
Falta, principalmente, realizar as reformas necessárias, que são muitas. Algumas terão que esperar, mas outras, como a trabalhista e a previdenciária, são urgentes e precisam ocorrer com rapidez. No entanto, a situação se complica no momento em que não são prestados esclarecimentos corretos à população. É importante ressaltar, por exemplo, que nenhum direito do trabalhador será perdido se as mudanças nas leis trabalhistas acontecerem. Ao contrário disso, muitas situações que já fazem parte da realidade do trabalhador brasileiro — como o parcelamento das férias e o acesso ao Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) — ganharão o tratamento devido. Já se a reforma da Previdência  não acontecer, chegaremos a uma situação caótica em poucos anos: o fato é que o modelo atual não pode ser sustentado por muito tempo, então, é preciso mudar.

Por que se chegou a esse ponto?
Nos últimos 12 anos ou mais, as concessões feitas alcançaram enormes patamares. Dava para imaginar que em algum momento a conta não iria fechar. Isso aconteceu em todas as esferas, principalmente públicas, onde os gastos só aumentaram. Para se ter uma ideia, cada parlamentar brasileiro  chega a custar cinco vezes mais do que o de países mais desenvolvidos. O Congresso Nacional custa mais aos cofres públicos do que o Congresso dos Estados Unidos, que são a maior economia do mundo. Os gastos exorbitantes se repetem em todas as esferas do poder nacional, mas, agora, os eleitores parecem estar mais atentos a isso também. 

As repercussões positivas desse processo de combate à corrupção já podem ser percebidas?
Eu creio que sim. Recentemente, participei de um evento em Foz do Iguaçu, no Paraná, onde estavam reunidas muitas lideranças empresariais e políticas. Os únicos políticos aplaudidos  de pé naquele encontro foram, justamente, os que representam um novo perfil, jovem e cheio de vontade de fazer diferente. O primeiro foi o prefeito de Porto Alegre, Nelson Marchezan Júnior, um político extraordinário em quem se deve prestar atenção. O segundo foi Antonio Carlos Magalhães Neto, prefeito de Salvador que, apesar de vir de uma família com vasta tradição política, traz ideias novas e vem surpreendendo. O terceiro foi Jonas Donizette, prefeito de Campinas, que está fazendo um trabalho elogiado. Por último, o prefeito de São Paulo, João Dória Junior, por estar implantando ideias inovadoras na capital paulista. Tenho certeza de que, se o Duarte Nogueira, nosso prefeito, estivesse lá, seria o quinto a receber uma intensa salva de palmas, pois ele integra a lista de políticos com esse novo perfil.

Como avalia as últimas eleições em Ribeirão Preto?
Entre tantos candidatos, a cidade teve a sorte de eleger Duarte Nogueira Júnior. O atual prefeito é jovem, mas tem maturidade política, pois acumula experiências na Assembleia e na Câmara dos Deputados, além de ter sido secretário de Estado em quatro oportunidades. Nogueira é de Ribeirão Preto, tem equilíbrio, caráter, preparo e experiência. Seu pai foi um dos melhores prefeitos da cidade, e, certamente, Nogueira Júnior quer superá-lo — e deve conseguir. Também olho para a Câmara dos Vereadores com bons olhos, pois vimos a chegada de muita gente jovem e cheia de vontade. Até meados do ano passado, não se imaginava a possibilidade de que certos políticos municipais ficariam de fora da Casa de Leis pelos próximos quatro anos. Surpreendentemente, o resultado das urnas deixou todos os envolvidos na Operação Sevandija e tantos outros que já tiveram sua chance de contribuir e não o fizeram do lado de fora. 

Como avalia o trabalho da nova administração nesses primeiros meses do ano?
Acredito que o principal mérito do novo prefeito até aqui foi não ter produzido nenhum ruído, apesar de ter encontrado uma cidade absolutamente destruída pela má administração anterior. Duarte Nogueira vem acumulando conquistas importantes, como dar continuidade aos pagamentos do funcionalismo público municipal, que quase parou a cidade no começo do ano. O desempenho do novo prefeito, que está conseguindo arrumar a casa e sendo persistente em sua busca por recursos para investimento, vem superando minhas expectativas.  No caso da Câmara, creio que ainda precisamos estar mais próximos, como cidadãos, apoiando e cobrando mais. 

Como driblar a falta de recursos para investimentos na cidade?
Não há outro jeito a não ser buscando em outras instâncias de poder. No entanto, vale registrar que é preciso rever o modelo de administração pública em vigor no Brasil. Atualmente, os recursos estão concentrados na esfera federal, deixando muito pouco para os municípios, o que gera custos elevadíssimos e abre espaço para atos de corrupção astronômicos. Na minha opinião, é preciso dar mais responsabilidade e autonomia aos municípios, que é onde a população manifesta, de fato, suas demandas. 

No âmbito nacional, apesar da crise, o agronegócio apresentou números positivos. Como isso é possível?
Acredito que o agronegócio segue seu rumo de forma independente porque os agricultores estão muito focados em trabalhar. Além disso, uma conjunção de fatores favoreceu o setor: preço excepcional das commodities, produção recorde de diversos itens de exportação, entre tantos outros. Também é importante destacar que o agronegócio ficou de fora dos escândalos de corrupção que acometeram o país. O setor teve acesso ao crédito com taxas de juros compatíveis e, hoje, representa aproximadamente 40% da economia brasileira — o que também ajuda a mostrar que, infelizmente, o restante vai mal. 

Agrishow 2017: expectativa do empresário é que sejam movimentados R$ 2,4 bilhões em negóciosQual foi o segmento que mais sofreu?
A indústria foi a mais atingida e, hoje, representa menos de 10% da economia. O setor é, também, o que mais sofre com lutas sindicais e ações trabalhistas. Poucos sabem, mas o Brasil é o país que concentra o maior volume de ações trabalhistas do mundo: 95%. Cada reclamação trabalhista por aqui — há em torno de 20 milhões tramitando pelos tribunais — gera um retorno de R$ 15 mil, em média, para o reclamante, mas custa R$ 50 mil ao contribuinte, gastos com a justiça do trabalho por ação. Somente esse dado mostra o total descontrole que se criou nessa área.

Ribeirão Preto acaba de sediar a 24ª Agrishow. No encerramento do evento, qual a expectativa dos organizadores?
Antes de falar da Agrishow 2017, é importante olhar para trás. Em 2015, a Feira não deu o retorno esperado — não porque o agronegócio ia mal, mas por conta das expectativas negativas relativas à economia brasileira, que contaminaram todos os setores. Os agricultores decidiram, então, segurar os investimentos que não eram urgentes, o que repercutiu negativamente, por sua vez, na indústria de máquinas e implementos agrícolas. Já em 2016, foi possível observar uma recuperação, com um pequeno crescimento. Este ano, acredito que o pessimismo começa, finalmente, a se dissipar. As pessoas já estão voltando a investir e ajudando a irrigar a indústria dedicada ao segmento. Além disso, a agricultura brasileira baterá recorde de produção de grãos em 2017: serão mais de 230 milhões de toneladas. Lembrando que esse número não leva em conta a produção de cana (600 milhões de toneladas), laranja e outras culturas, o que comprova a força desse setor. Por isso,  acredito que a Agrishow deste ano vai consolidar uma boa recuperação. Estou apostando em um resultado próximo de R$ 2,4 bilhões.

Qual a importância de um evento dessas proporções para a cidade?
Poucos anos atrás, a Agrishow quase saiu da nossa cidade, o que teria sido uma enorme perda. Isso porque o evento gera um movimento econômico gigantesco, que começa, pelo menos, um mês antes, com toda a preparação da feira. Eu diria que são movimentados mais de R$ 600 milhões, não apenas em Ribeirão Preto, mas em toda a região. Além disso, a Agrishow atrai visitantes de todos os cantos do país, o que favorece a troca de contatos e de experiência que beneficia todo o agronegócio brasileiro. Durante o evento, o pequeno agricultor tem muita relevância — representa cerca de 30% do público — e é aqui que ele fica conhecendo todos os grandes lançamentos da indústria de máquinas e equipamentos. 

Cheia de buracos nas ruas e outros tantos problemas latentes, Ribeirão Preto deixa uma boa impressão nos visitantes da Agrishow 2017?
O visitante que está habituado a participar da Agrishow sabe que a cidade já viveu dias melhores. No entanto, muitas pessoas acompanharam a realidade do município nos noticiários e entendem a situação. Pode-se dizer que a Operação Sevandija foi proporcionalmente superior à Lava Jato, já que representa 10% do orçamento municipal — isso é o que sabemos. Em 1994, um tufão passou por Ribeirão Preto e devastou a cidade. Eu diria que recuperar o município, hoje, é mais difícil do que foi naquela ocasião. O que vivemos agora foi um total “desgoverno”, que atingiu o coração da cidade. No entanto, isso é passado e a realidade precisa ser enfrentada. De certa forma, estamos tendo a oportunidade de reescrever a história de Ribeirão Preto e do Brasil.

Como a sociedade pode participar desse processo?
Além de estar atenta às ações dos governantes, é possível atuar diretamente nas mudanças que se quer ver através da participação das grandes entidades empresariais. Em Ribeirão Preto, por exemplo, a Associação Comercial e Industrial de Ribeirão Preto (ACIRP) deixou de cobrar e de se posicionar em relação a muitas questões envolvendo a cidade. Recentemente, a entidade vivenciou um processo eleitoral que levou a chapa encabeçada por Dorival Balbino a assumir a diretoria pelos próximos três anos. Posso dizer que o novo presidente e sua equipe estão cheios de vontade de contribuir para as melhorias necessárias. 

Quais são as prioridades da entidade?
É retomar o posto de relevância que sempre ocupou, funcionando como uma espécie de “secretaria sem pasta” da administração municipal. A proposta é estabelecer um bom diálogo com os gestores municipais e com as demais entidades ribeirãopretanas, funcionando como uma nova liderança. Faz parte das metas da Associação aumentar o número de participantes e ser mais útil para cada um deles. Na minha opinião, o universo empresarial vai ganhar força quando todas as entidades se unirem em torno de seus objetivos comuns. No meu entender, isso será possível se as lideranças souberem conduzir essa soma de uma maneira satisfatória para todas as entidades. 

Texto: Luiza Meirelles
Fotos: Júlio Sian

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