A visão de um empreendedor

A visão de um empreendedor

Em seis décadas de trabalho e 79 anos de vida, o empresário ribeirãopretano Maurilio Biagi Filho sempre foi extremamente ativo, tanto em suas empresas quanto nas causas mais nobres relativas à Economi

Descendente de família de imigrantes italianos, que batalhou em busca de seus sonhos no Brasil, Maurílio herdou do pai Maurílio Biagi a visão empreendedora e a paixão pelo trabalho. Iniciou a carreira em 1956, como estagiário na Usina Santa Elisa, passando por todos os cargos até a posição de presidente, a partir de 1979. Durante seu tempo na empresa (1956-2002), a Santa Elisa cresceu, transformou-se em Cia Energética Santa Elisa, com participação de 15% do Bradesco, fazendo fusão com a usina São Geraldo, que marcou o início do período de fusões no segmento.

Maurílio também foi executivo de destaque em importantes empresas da família à época, como Refrescos Ipiranga (Coca-Cola - com fábricas em Ribeirão Preto, Uberlândia e Sorocaba), Cervejaria Kaiser, A.K.Z. Turbinas, Sermatec, Renk Redutores, Zanini Equipamentos Pesados e suas associadas. Foi conselheiro da Solorico, introdutora do adubo granulado no Brasil. Posteriormente, contribuiu na consolidação da Citrorico, plantio de laranjas, e Sucorico, produção de sucos e Lagoa da Serra, pioneira na inseminação artificial de gado, além de ter sido presidente e diretor acionista de mais de uma dezena de usinas.

Por essa atuação, recebeu várias condecorações e prêmios, entre eles, o de empresário do Ano, em 1981, comenda de Ordem do Mérito Industrial São Paulo, em 2021, ambos pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). Em 2003, a Brazilian-American Chamber of Commerce outorgou ao empresário, o prêmio de Personalidade do ano, entregue em solenidade em Nova Iorque. Na condição de conselheiro, Maurílio participou e ainda atua em importantes instituições como a FIESP e o Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM), entre outros.

Atualmente, é presidente do Conselho de Administração da holding familiar Maubisa, que opera no segmento imobiliário, agronegócio e de investimentos em variados setores da economia. 
Por ter essa vasta experiência corporativa em vários setores e este extenso currículo, bem como por ser parceiro da revista desde a fundação, nesta edição comemorativa, a Revide convidou o empresário para a entrevista de abertura. De maneira informal e descontraída, ele analisou as mudanças de comportamento no mundo empresarial, os novos hábitos de consumo, os reflexos da pandemia e a situação política do país.

Desde que iniciou sua carreira empresarial, muitas mudanças aconteceram no mundo corporativo. Como o senhor analisa isso?

Não foram muitas mudanças, posso dizer que mudou praticamente tudo, a não ser os princípios que deveriam ser os mesmos, embora em alguns casos também tenham mudado. Os mais jovens nem percebem porque para eles sempre foi assim. A mudança constante. Já nasceram no mundo digital, nunca foram analógicos. Nunca estiveram offline, nem na barriga da mãe. Mas para quem nasceu na década de 1940, certamente tudo mudou, em especial nos últimos 10 anos, quando as mudanças ficaram mais aceleradas e evidentes.

De que forma isso afetou as relações pessoais e comerciais?

Vivemos a Quarta Revolução Industrial (4.0), denominação que engloba algumas tecnologias para automação e troca de dados e utiliza conceitos de sistemas ciber-físicos, internet das coisas e computação em nuvem. Isso gerou uma mudança de comportamento e consequentemente de hábitos de consumo, em todos os setores. Passamos a consumir informação, moda, gastronomia e varejo de outras formas. Tudo se tornou mais digital, inclusive as relações de trabalho. Temos aplicativos para transporte, serviços financeiros, restaurantes, supermercados. Tudo na palma da mão. Com a pandemia, esse processo se acelerou com as reuniões virtuais, lives e até implantação da telemedicina. Nas relações pessoais, também afetou. Quando penso que se fosse hoje não daria nem para namorar no portão porque somos completamente vigiados por câmeras, satélites, drones e pelos nossos próprios celulares. Conhecemos pessoas por aplicativos, falamos com as pessoas que estão ao nosso lado por mensagem de WhatsApp, enfim toda forma de se relacionar foi modificada. Temos uma falsa sensação de liberdade, mas de fato, perdemos a nossa privacidadade.

As crises também se tornaram mais frequentes na última década?

Este século traz crises muito mais constantes e ao mesmo tempo mais passageiras. Do mesmo jeito que vêm, vão e já são substituídas por outras. No século 20, devido ao advento das duas grandes guerras ou da depressão de 1929, choque de petróleo em 70, percebemos hiatos de 20, 30 anos, entre crises. Já não é mais o caso no século 21. Aliás, em 2021 tivemos que lidar com várias crises diariamente, muitas delas fabricadas. Mas nós que estamos aqui, desde março de 2020, vivemos a maior crise da história. Temos referência de outras, mas não vivenciamos. Junto com ela, veio uma crise que jamais imaginei e que nunca existiu. Enfrentamos uma crise de caráter, de ódio, de um radicalismo jamais visto e potencializado pelos meios digitais. Sempre existiram os radicais no mundo, mas conseguíamos conviver com isso de maneira minimamente civilizada, mas agora a intolerância tomou conta, generalizou, não está restrita a um ou outro grupo, está até dentro de pequenos núcleos familiares. 

Estamos ainda enfrentando essa crise sanitária jamais vista. Qual o legado que esta pandemia deixará?

O maior legado dessa pandemia é que ela escancarou o quanto  somos frágeis. Ele nos deu uma lição de humildade e resiliência. Escrevi um artigo no início da pandemia e citei a frase emblemática de Sócrates, o filósofo, que dizia “só sei que nada sei”. Todos nós ficamos perdidos e estamos perdidos até hoje. É algo desconhecido e estamos aprendendo, trocando o pneu do carro com o carro andando. Conseguimos a vacina a toque de caixa, o que ajudou demais a minimizar os efeitos da Covid 19, mas ainda há muito a evoluir e a descobrir. A terceira dose será eficaz? Teremos que tomar todo ano? Temos como prevenir? Virão outras ondas? Essa e outras perguntas ainda continuam sem respostas e uma parte das pessoas ainda nem acredita na eficácia das vacinas existentes. Outro ponto, que não chega a ser um legado, mas é um problema antigo que a pandemia deixou muito mais evidente foi a desigualdade social. Ela sempre foi grande, mas todo mundo fazia vista grossa e ficava fechado na sua bolha, ignorando esse fato por interesse. Na pandemia não teve como esconder debaixo do tapete. 

Quais os principais desafios e oportunidades do Brasil no pós-pandemia?

Vivemos um momento controverso com maiores desafios e ao mesmo tempo as maiores oportunidades. Agora, o grande desafio é conseguirmos pacificar o país, dar rumos seguros à nação. Conseguimos avanços importantes com as reformas que passaram no Congresso, mas não são suficientes. Também é desafiador e urgente acelerar ainda mais a vacinação contra a Covid 19. Já evoluímos muito, mas podemos mais. Ou seja, a prioridade deve ser acelerar a economia para gerar oportunidades às pessoas, milhões delas que ficaram em situação de maior vulnerabilidade social após a crise sanitária. Para isso acontecer temos que continuar com a vacinação em grande escala, reformas estruturantes (tributária, política, administrativa) e as privatizações. Se tivermos competência, o país positiva e se desenvolve, se não todos nós perderemos.

O senhor falou em pacificação, o que quer dizer com isso?

Paz é um estado de espírito, de alma. Lembrando, acho pertinente, Ribeirão Preto é conhecida como a capital do Agronegócio. E o que isso tem a ver com pacificação? Como sempre diz o ex-ministro Roberto Rodrigues: O agro é paz! O Brasil já é o terceiro maior produtor de alimentos do mundo e tem um candidato ao nobel da paz ligado ao setor, o Dr. Alysson Paolinelli. Não há paz onde existe fome. E nossa Ribeirão Preto, além disso, é comandada por um engenheiro agrônomo, que sabe muito bem disso e tem um espírito pacificador. Então, o exemplo vem daqui e que o Brasil siga! E por que falo isso? Porque tanto o prefeito como o presidente assumiram após uma crise institucional.   Um pós-impeachment e Lava Jato e o outro pós-sevandja e impedimento da ex-prefeita.  Ambos passaram por desgastes para tomar as medidas necessárias e foram ora criticados, ora elogiados.

O senhor sempre foi um incentivador e parceiro da Revide nesses 35 anos. Qual a importância da revista para Ribeirão Preto?

A Revide sobreviveu a todas as transformações que mencionei. Foi um ato de heroísmo passar por todas essas crises, principalmente por ser uma revista originalmente impressa. Ela soube se reinventar, sem perder a essência. Hoje é a revista mais importante da nossa região. É uma referência no jornalismo e tudo isso mostra que a frente de qualquer negócio precisa ter alguém competente, guerreiro, que acredita no que faz e enfrenta os desafios com determinação. Participei de perto da trajetória da Revide desde o início e agora, já mais distante, acompanho e torço para o seu sucesso. Por que mais distante? Nós passamos, é inexorável, mas as empresas e instituições podem e devem permanecer. Este é o desafio. Quantas empresas centenárias a Revide deu destaque, incentivando a continuidade, inclusive as da nossa família, que está por aqui há 136 anos. 

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