Tempo de reformas

Tempo de reformas

Especialistas apontam que, para que o Brasil se recupere da atual crise econômica com rapidez e efetividade, é preciso realizar reformas estruturais há muito atrasadas

Para conhecer o atual momento econômico nacional, é preciso olhar para os números alarmantes que vêm se estabelecendo nos últimos anos, especialmente em 2015 e 2016. Um deles é o que registra a queda do Produto Interno Bruno (PIB) per capta, que atinge 10% em menos de três anos, assim como as crescentes taxas de desemprego, que já ultrapassam 11%, e da inflação que, no acumulado de 12 meses, supera 9%. Em Ribeirão Preto, a economia fechou 2015 em baixa, com queda no PIB de -6,33%, de acordo com análise da Associação Comercial e Industrial de Ribeirão Preto. Na cidade, o consumo caiu mais de 13% em relação aos números anteriores, sendo a principal variável a contribuir para o desempenho negativo registrado. Diante dos números, não há como não admitir uma crise econômica de proporções históricas — segundo os especialistas, a maior da história desde que o PIB é medido e acompanhado de perto. 

De acordo com os economistas, uma recuperação consistente e duradoura só será possível se, juntamente com a adoção de medidas econômicas adequadas, for priorizada uma série de reformas estruturais fundamentais para o país. Entre as principais estão a reforma Previdenciária, Trabalhista, Tributária e Política, todas igualmente latentes e há muito adiadas. 

De acordo com o professor, economista e consultor Marcelo Bosi Rodrigues, a Previdência — que só este ano deve gerar um prejuízo de aproximadamente R$ 80 bilhões aos cofres públicos — demanda o estabelecimento de novas regras há, pelo menos, uma década. “Faz tempo que o modelo nacional não atende a realidade brasileira. Não é possível sustentar um sistema que não acompanha as mudanças na expectativa de vida do brasileiro e no novo perfil do cidadão”, argumenta o especialista. 

Tomando como exemplo as mulheres, que se aposentam com, em média, 52 anos, e vivem, de acordo com os dados oficiais, mais de 72 anos, não fica difícil imaginar que a conta entre a contribuição feita e o benefício recebido não fecha. O prejuízo dessa e de outras distorções que precisam ser corrigidas é arcado pela sociedade, já que o rombo retira a possibilidade de investimentos em outras áreas. Como completa o presidente do Banco Ribeirão Preto, teme-se que a sociedade não aceite as mudanças necessárias. “Para mim, é preciso perguntar ao trabalhador se ele topa se aposentar cinco anos mais tarde e aumentar, com isso, as chances de seu filho ter um emprego em 90%. Creio que, se ele entender essa relação, a resposta será sim”, afirma o economista.

Outra reforma estruturante intimamente ligada a todos os trabalhadores é a trabalhista. “No Brasil, essa questão traz embutida um argumento de manutenção de direitos adquiridos, mas, na prática, isso não é verdade. O brasileiro deve entender que o maior direito a ser defendido é ao emprego, à inflação mais baixa e a melhores condições de vida”, esclarece Nelson Augusto. Segundo o economista, a reforma trabalhista significará mais flexibilidade e modernização às relações de trabalho, sempre com o objetivo de manter o emprego. O economista lembra que a legislação trabalhista brasileira foi criada na década de 1930, e não comporta mecanismos adequados para o enfrentamento de crises, por exemplo. 

Igualmente importante é a reforma tributária. Segundo o economista da Associação Comercial e Industrial de Ribeirão Preto, Fred Guimarães, a carga tributária brasileira precisa ser adequada às condições da população. Uma das medidas necessárias seria tributar menos as famílias e aumentar o imposto sobre a riqueza e o setor financeiro”, indica o especialista. Para Nelson Augusto, simplificar a tributação, antes mesmo de alterar taxas, já seria um avanço importante dentro desse cenário. “Em substituição ao ICMS, que complica a vida do produtor que vende para o país inteiro, a criação do Imposto sobre Valor Agregado (IVA), amplamente discutido e maduro, é um bom exemplo do que dá para ser feito”, expõe o presidente do BRP. 

Olhando para trás

Antes de avançar para as expectativas em relação ao futuro da economia, é preciso entender de que forma o país entrou na rota que o trouxe ao atual momento. Para isso, é necessário voltar no tempo e resgatar alguns aspectos econômicos, desde a estabilidade da moeda nacional, o Real, em 1994. “Naquele momento, o Brasil iniciou uma sucessão de ajustes estruturais e estruturantes da economia, com o intuito de montar um arcabouço de gestão da política econômica percebido nacional e internacionalmente”, destaca Nelson Rocha Augusto. Desde então, o processo de globalização das relações econômicas — e de tantas outras — intensificou-se progressivamente, atingindo a virada do século já bastante avançado e irreversível.

Nesta fase, o país se modernizou e criou mecanismos críveis, percebidos ao longo do tempo. “Podemos citar o nível de automação e independência maior do Banco Central para a tomada de decisão, o estabelecimento da meta inflacionária e vários avanços institucionais nesse sentido”, exemplifica Nelson Augusto, destacando como legados desse momento histórico a inflação sob controle, as finanças públicas em ordem, o estabelecimento da taxa de câmbio flutuante e uma certa segurança, intensificada ao longo dos primeiros anos do novo século.

Na segunda metade do primeiro governo de Lula, a partir de 2004, o volume de reservas internacionais adquirido pelo Brasil se tornou bastante significativo — o que ainda é uma realidade, apesar da crise. “No entanto, a sequência de reestruturações se desacelerou e o quadro que se estabeleceu foi de uma política econômica mais intervencionista, pautada por muitas escolhas políticas, entre outros fatores que mudaram o eixo até então estabelecido”, salienta Marcelo Bosi. As mudanças não alteraram o momento de consolidação da credibilidade brasileira no cenário internacional e a confiança estabelecida também internamente. Prova disso foi a postura adotada no auge da crise internacional de 2008, que teve como estopim a bolha imobiliária norte-americana, com efeitos no mundo inteiro. No Brasil, a repercussão desse momento foi branda. “Após essa crise, começamos a crescer de forma concisa e a viver em um ambiente favorável em termos de liquidez mundial. A valorização das commodities também favoreceu muitos segmentos”, analisa o economista da ACIRP. 

No âmbito nacional, o estímulo ao consumo fez girar e engordar a economia — de forma excessiva. “O governo fez a opção de baixar impostos de bens de consumo e facilitou demais o crédito, mas não soube a hora de cessar esses benefícios ou alterar o rumo. Aliás, diria que adiou demais essa decisão em função de interesses políticos”, completa Marcelo Bosi. O esgotamento do modelo de consumo levou a uma sucessão de gastos excessivos, gerou incertezas e muitas expectativas negativas, que foram se consolidando na medida em que não produziram reação governamental.

O limite extrapolou, definitivamente, em função das eleições de 2014, quando o governo assumiu o risco de manter benefícios a altos custos para os cofres públicos. Além disso, o desgaste político causado pelos escândalos de corrupção envolvendo grandes empresas com intensa participação estatal, como a Petrobras, e as principais empreiteiras do país agravaram a tendência de queda das expectativas relativas ao Brasil. 

Ciências indissociáveis, a política e a economia ainda dependem da consolidação do novo cenário nacional para se reestabelecerem. No Governo Federal, o presidente interino Michel Temer (PMDB) aguarda o fim do processo de impeachement contra a presidente afastada Dilma Rousseff, mas já sinalizou, por meio das nomeações feitas até aqui, disponibilidade para os ajustes econômicos necessários e autonomia para as instituições competentes. Apesar da mudança ter pouco tempo, já há efeitos positivos registrados, alterando a rota descendente da curva da expectativa econômica para cima.

Uma dose de otimismo

Apesar da agudeza da crise, essa mudança rápida na expectativa não significa pouco. “O mercado reconheceu logo que a equipe econômica desse governo interino tem muita experiência e sabe o que está fazendo”, destaca Nelson Augusto. Limitação de gastos, corte de despesas, avanço com a reforma tributária, volta do câmbio flutuante, disciplina fiscal e inflação sob controle são algumas das medidas que já começam a surtir efeitos. “Todos os indicadores já apontam fortemente para cima. A realidade, porém, leva tempo para mudar”, continua. 

Para ele, quanto mais consciente estiver a sociedade brasileira da austeridade desse momento e sobre sua participação direta na mudança do país, mais breve poderá ser a recuperação da economia brasileira. Conforme Marcelo Bosi, as perspectivas melhoram no último trimestre do ano, mas sem mudanças muito significativas. De qualquer forma, os grandes eventos desse semestre e a proximidade do Natal deve dar novo ânimo. Em 2017, o cenário geral deve deixar de ser negativo, com chances de  melhoras reais. 

Um recomeço para a política

Perpassando todas as reformas necessárias, está a forma de representação política, que também precisa  ser reformada. “Em todas as esferas do poder no Brasil, ninguém se sente representado por ninguém. Mais do que isso, as pessoas não se sentem mais representadas nem mesmo pelo síndico do próprio condomínio”, ilustra Nelson. Sendo assim, o presidente do BRP entende que a criação de um novo modelo, completamente diferente, seja o melhor caminho. “Seria como passar uma borracha em todos os partidos e começar de novo. Tecnicamente, é possível fazer isso. Resta viabilizar essa transformação radical politicamente”, pontua, destacando que este momento, por toda mobilização social vista recentemente em torno do impeachment, talvez seja uma oportunidade inédita. O economista continua salientando que o Brasil depende de inúmeros investimentos, especialmente relativos à infraestrutura, de longuíssimos prazos, impossíveis de serem atraídos sem o equilíbrio na cena política. Só dessa forma será possível traçar perspectivas para as próximas décadas. 

Compartilhar: