Crimes que abalaram Ribeirão Preto

Crimes que abalaram Ribeirão Preto

Na contramão de uma história reconhecida de desenvolvimento, Ribeirão Preto é, também, cenário de crimes de grande repercussão na mídia e na memória de seus moradores

Com 161 anos de história, Ribeirão Preto é o um dos maiores municípios do Brasil. De acordo com dados disponibilizados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), atualmente, a cidade tem população estimada de 682.302, o que a coloca à frente de capitais como Cuiabá e Florianópolis, que possuem 585 mil e 469 mil habitantes, respectivamente. As proporções avolumadas, entretanto, não se restringem apenas aos índices geográficos ou à economia, cujo Produto Interno Bruto (PIB) figura entre os 25 maiores do país: Ribeirão Preto se sobressai também no cenário policial. A criminalidade é representativa em quantidade e em repercussão. 

Em 2016, o número de homicídios dolosos registrados na cidade foi de 51, três vezes menor do que em 2001, quando os dados chegaram a 176 casos. Na época, a cidade sofria com ações de um grupo de extermínio. Em 2017, o líder do movimento, o ex-investigador da Polícia Civil Ricardo José Guimarães foi condenado a 72 anos de prisão por participação em assassinatos. O grupo atuou contrariando o propósito para o qual foi criado: em vez de combater o crime, multiplicou o número de homicídios da cidade. Até o grupo ser criado, o índice de mortes na cidade era, em média, de 50 a 70 casos anuais. Durante a atuação da equipe, esse número saltou para uma média de 200, chegando ao ápice de 263 homicídios no ano 2000.

Maior assalto da cidade

Entre os crimes que chamaram atenção do noticiário nacional, o assalto contra a empresa de transporte de valores Prosegur é o mais recente. No dia 5 de julho de 2016, uma quadrilha cercou a empresa, na Avenida da Saudade, no bairro Campos Elíseos, e roubou R$ 51,2 milhões. Foi o maior assalto da história de Ribeirão Preto, que resultou em um prédio destruído, várias casas e carros danificados, queda de energia, falta de água, duas pessoas mortas e várias feridas. Isso sem contar as centenas de pessoas que acordaram assustadas naquela madrugada, com estouros de dinamite e intenso tiroteio vindos do local.

O assalto resultou em um prédio destruído, várias casas e carros danificados, duas pessoas mortas e várias feridas

A Polícia Militar (PM) estima que a ação tenha sido realizada por mais de 20 criminosos, que estavam em 10 veículos. O delegado Ricardo Turra confirma que esse foi o maior assalto da história da cidadeNa fuga, alguns moradores foram rendidos e tiveram os carros roubados. Na altura do km 321 da Rodovia Anhanguera, o cabo da Polícia Rodoviária Tarcísio Wilker Gomes, que fazia patrulhamento, foi morto pelos assaltantes com um tiro na cabeça. No local do crime, um homem morreu em consequência de queimaduras. 

O delegado titular da Polícia Civil na Delegacia de Investigações Gerais de Ribeirão Preto (DIG), Ricardo Turra, conta que um pequeno detalhe foi crucial para a investigação: um código de barras. A etiqueta, que estava em um saco plástico de um mercado, fez com que a polícia conseguisse desvendar a trajetória de um dos integrantes da quadrilha. “Nós começamos a esclarecer o crime por meio de um pedaço de papel, um código de barras que foi deixado para trás na chácara em que os assaltantes estavam escondidos. O papel nos levou ao mercado que eles haviam feito compras. Depois, com imagens das câmeras de segurança, encontramos uma testemunha que conhecia o suspeito”, afirma o delegado.

Há 11 anos na DIG, Ricardo confirma que o assalto foi o maior caso da história da cidade. “Pessoas de Ribeirão Preto e de São Paulo foram identificadas como líderes desse crime. Foi o assalto de maior proporção do município e o maior que eu assumi como delegado titular”, avalia Ricardo.   

O menino do rio

Em novembro de 2013, Ribeirão Preto figurou nos jornais do país todo com o caso do menino Joaquim, então com três anos, encontrado morto no rio Pardo, próximo a Barretos, cinco dias após desaparecer da casa onde morava com a mãe, o padrasto e o irmão, no Jardim Independência, em Ribeirão Preto. Em 2016, Guilherme Longo confessou que cometeu o crime com um estrangulamento e, logo depois, jogou o corpo da criança em um córrego, que deságua no rio Pardo. Após a confissão, fugiu do país. 

Guilherme tentou se alistar na França antes de seguir para Barcelona, na Espanha, onde foi preso. “Ele saiu de Montevidéu e foi à França, onde tentou se alistar na Legião Francesa, que é semelhante a uma ONG que presta ajuda a comunidades. Entretanto, como essa organização pesquisa sobre a vida dos colaboradores, desistiu e seguiu para o outro país”, reforça Alexandre Durante, assistente de acusação do caso. 

O advogado conta, ainda, que o caso foi complexo e exigiu um trabalho conjunto da população com a imprensa, a Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo, a Polícia Federal, a Polícia Civil e órgãos internacionais. “As pessoas faziam denúncias e grande parte não dizia a verdade. Descobrimos até que Guilherme tinha uma motocicleta em seu nome que circulava por comunidades da Zona Sul da cidade de São Paulo. Ele utilizava essa artimanha para fingir que estava em São Paulo e dificultar as investigações”, detalha Durante.

O caso ganhou tamanha proporção que recebeu uma equipe própria de investigações. Uma chilena foi crucial para a operação. Através de comunicação virtual, via Skype, ela divulgou fotos e o endereço em que o acusado estava hospedado, em Barcelona. Com essas informações, a Polícia Federal (PF) descobriu o nome fictício usado por Guilherme: Gustavo Triani, um primo dele. O acusado teria feito RG, CPF, título de eleitor e passaporte na cidade de Santana do Livramento, no Rio Grande do Sul. Os documentos são autênticos, mas as informações são falsas: Guilherme utilizou uma certidão de nascimento de Gustavo para confeccionar a papelada. O passaporte foi feito no dia 27 de dezembro de 2016. As investigações provarão se ele teve ajuda de outra pessoa, como a de seu pai, que depositou R$ 100 mil em uma conta para, supostamente, ajudar o filho.

A Secretaria de Segurança também levantou que o RG de Triani foi feito em Ribeirão Preto, em 2001, e que o homem já morou na mesma casa em que o pequeno Joaquim residia. O primo do acusado registrou Boletim de Ocorrência (BO), alegando que não sabia sobre os feitos de Guilherme. Em agosto, a Espanha aceitou o pedido de extradição feito pelo governo brasileiro, mas Guilherme ainda pode recorrer da decisão. Enquanto isso, ele está detido lá. Além dos crimes pelo assassinato de Joaquim, o acusado responderá pela saída ilegal de Ribeirão Preto, falsidade ideológica e falsificação de documentos. “O processo deve se desenvolver a partir desta semana. As autoridades da Espanha têm 30 dias para autorizar a extradição”, revela o advogado.

O pai do Joaquim, Arthur Paes, diz que foi angustiante ver todo esse processo. “Minha vontade era de ir até a Espanha. Foi uma mistura de emoções, como alegria e raiva. A primeira etapa já conseguimos. O mínimo que esperamos é que ele seja preso pela Justiça até o final do julgamento. Os dois têm que ser presos. Natalia (Pontes, mãe do menino) não deveria ter sido solta. Não sei dizer o que realmente aconteceu, mas tenho a convicção que um dos dois sabe”, declara Arthur. A 2ª Vara do Júri e Execuções Criminais de Ribeirão Preto definiu que Natália e Guilherme serão levados a júri popular. O promotor de acusação do caso, Marcus Tulio Nicolino, explica que será aguardada a possibilidade das defesas recorrerem da decisão do tribunal, para que seja, então, marcada uma data para o julgamento.

Joaquim estava com três anos, quando foi assassinado pelo padrastro

Homem enterrado vivo


O empresário Alexandre Titoto foi condenado a 25 anos de prisão por homicídio triplamente qualificado, após ser considerado culpado pelo assassinato do analista bancário Carlos Alberto Araújo. O júri decidiu no dia 28 de setembro, no Fórum de Ribeirão Preto. Entretanto, ele ficou preso por menos de 24 horas e deixou a cadeia de Santa Rosa de Viterbo na noite de 29 de setembro. O empresário foi liberado e está em casa.

A decisão chegou a ser adiada duas vezes e Titoto respondeu todo o processo em liberdade. No julgamento, os sete jurados presentes acataram a denúncia do Ministério Público sobre a participação de Titoto no crime, ocorrido em 2003. A promotoria sustentou a tese de que Carlos Alberto Araújo foi morto sufocado ao ser enterrado vivo em uma localidade na zona rural de Altinópolis. O motivo seria uma dívida de R$ 620 mil.

Arrastada no asfalto

Em 6 de julho de 2016, a Justiça concedeu liberdade ao empresário Pablo Russel Rocha, condenado pela morte da garota de programa Selma Heloísa Artigas da Silva, conhecida como Nicole. Uma liminar concedida pela Justiça garantiu a liberdade de Pablo. De acordo com o advogado do caso, Sergei Cobra Arbex, Pablo ficará solto até que o recurso interposto pela defesa seja julgado. Ele diz, ainda, que logo após a condenação de seu cliente, recorreu à Justiça pela liberdade do empresário.

O caso que envolve Nicole e Pablo aconteceu em 1998: ela foi arrastada por mais de dois quilômetros por avenidas da cidadeO caso aconteceu em 1998, quando Nicole, à época com 21 anos, pegou uma carona com o empresário, de 22 anos, e foi arrastada por mais de dois quilômetros, parando na Avenida Caramuru. Na defesa, Pablo confirmou que deu carona à Nicole, porém informou que a teria deixado em uma chácara no Recreio das Acácias. Para isso, acessou o Anel Viário e, em seguida, as avenidas Adelmo Perdizza e Caramuru, quando ela pediu que parasse em um local conhecido por ser ponto de tráfico de drogas.

O empresário disse, ainda, que recusou o pedido da jovem e os dois começaram a discutir.  Nesse momento, Nicole teria descido da caminhonete e o empresário acelerou o veículo. Ainda de acordo com Pablo, como o som estava alto, ele não percebeu que a jovem havia ficado presa ao cinto e só notou quando parou o carro para trocar um pneu furado.  Segundo os relatos, ele desamarrou o braço da jovem e foi para casa. Para o Ministério Público, Nicole ficou enroscada ao cinto de segurança da caminhonete de Pablo quando tentou deixar o veiculo, após uma discussão entre os dois. Segundo o Instituto Médico Legal (IML), a garota estava grávida.

Na época do crime, o empresário ficou preso por dois anos e meio, na antiga Cadeia Pública de Vila Branca, hoje Cadeia Feminina de Ribeirão Preto. Após 18 anos do crime, no dia 30 de junho de 2016, em novo julgamento, ele foi encaminhado para a cadeia de Santa Rosa de Viterbo. No dia 4 de julho de 2016, Pablo foi transferido para penitenciária de Tremembé, de onde foi liberado dois dias depois.

Briga na Zona Sul

Marcelo Cury está em liberdade até a confirmação da sentença pelo Tribunal de JustiçaO nome de Marcelo Cury também está relacionado aos casos policiais mais conhecidos da cidade. O empresário foi condenado a nove anos e quatro meses de detenção, em júri realizado em agosto de 2016, em Ribeirão Preto. Os jurados consideraram que o empresário cometeu homicídio qualificado contra João Falco Neto. Eles consideraram legítima defesa os disparos que mataram Marco Antônio de Paula e qualificaram como atentado os disparos a Sérgio Coelho. Entretanto, os dois últimos crimes já prescreveram, de acordo com a juíza Marta Rodrigues Maffeis.
 
O processo relacionado a João Falco Neto está no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ-SP), aguardando julgamento do recurso. Enquanto isso, Marcelo está em liberdade, pelo menos até a confirmação da sentença pelo Tribunal de Justiça. O crime aconteceu no dia 5 de abril de 1997, em frente a uma choperia na Zona Sul da cidade. Na noite do crime, foram 11 tiros: um em um carro próximo, três em Sérgio, seis em Marco e dois em João. Das vítimas, apenas o primeiro sobreviveu. 

Contexto histórico 

Rafael Cardoso: “Não estamos vivendo o apocalipse. Estamos revivendo a históriaO historiador Rafael Cardoso, mestre em Histórias com Bases, diz que, ao se pensar em casos de crimes bárbaros, o susto vem da mídia. “Desde que Ribeirão Preto foi fundada, sempre ocorreram relatos semelhantes. É comum que esses casos sejam publicados nos jornais. Não estamos vivendo o apocalipse. Estamos revivendo a história”, explica.
O especialista diz que há uma diferença em relação aos crimes desde o século XIV, pois o estado passou a cuidar dos casos. “A mídia tem uma reflexão ética. As discussões viram memória coletiva. É importante ressaltar que os crimes sempre ocorreram, mas, cada vez ganham mais notoriedade. Por fim, essas ações bárbaras nos fazem refletir sobre até aonde o ser humano pode chegar”, provoca o historiador.





Texto: Pedro Gomes

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