As incertezas da previdência

As incertezas da previdência

Elaboradas na tentativa de solucionar o déficit orçamentário, as mudanças no sistema vigente causam desconfiança por parte da população

“A mudança na previdência só se tornará sustentável com a realização das demais reformas estruturais”, aponta BraghiniA Previdência Social é um direito social previsto no art. 6º da Constituição Federal de 1988 que assegura renda não inferior ao salário mínimo ao trabalhador e a sua família nas seguintes situações, previstas no art. nº 201 da Carta Magna: cobertura dos eventos de doença, invalidez, morte e idade avançada; proteção à maternidade, especialmente à gestante; proteção ao trabalhador em situação de desemprego involuntário; salário-família e auxílio-reclusão para os dependentes dos segurados de baixa renda; pensão por morte do segurado, homem ou mulher, ao cônjuge ou companheiro e dependentes. “Resumidamente, a Seguridade Social representa um amplo conjunto de benefícios e de serviços devidos pelo Estado em favor do cidadão. A ideia é evitar a exposição aos riscos sociais, passando pelas políticas públicas de saúde e questões de caráter assistencial até alcançarmos os tópicos previdenciários, elegíveis pelo legislador com a finalidade de garantir a satisfação das necessidades básicas do indivíduo, sejam transitórias ou permanentes”, pontua Marcelo Braghini, mestre em Direito, professor de Direito e Processo do Trabalho na Unaerp e autor de livros jurídicos.

Há diversas discussões a respeito do formato ideal a ser implantado por cada um dos países. Braghini explica que, no Brasil, o sistema previdenciário está atrelado ao modelo bismarkiano, lastreado por um “pacto entre gerações”. Os trabalhadores economicamente ativos são responsáveis por gerar os recursos financeiros destinados às aposentadorias. “Não há reservas. A remuneração depende integralmente dos valores arrecadados de todos os brasileiros por meio do pagamento dos impostos, sejam eles trabalhadores, empresários ou, inclusive, aposentados, quando compram produtos e serviços”, acrescenta Valdir Domeneghetti. Ainda segundo o doutorando em Controladoria e Contabilidade, mestre em Administração, professor e consultor, quando esse sistema foi adotado, o número de aposentados era muito baixo e não se imaginava, naquela época, que a população teria uma expectativa de vida tão alta no futuro. 

A realidade de hoje, no entanto, mostra que as estimativas não se concretizaram. De acordo com um levantamento divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), nos últimos 75 anos (de 1940 a 2015), o brasileiro está vivendo, em média, 30 anos a mais e esse índice tem aumentado, aproximadamente, cinco meses a cada ano transcorrido. “A conclusão a que podemos chegar é de que vivemos mais e melhor. Em consequência, recebe-se a aposentadoria durante muito tempo”, enfatiza Domeneghetti. Enquanto o número de aposentadorias cresce, a arrecadação de tributos federais sofreu uma queda significativa, resultado do cenário econômico e político adverso estabelecido no país. 

Domeneghetti explica que o problema é grave e pode comprometer as futuras geraçõesPara ilustrar essa dinâmica, o consultor cita os dados que podem ser acessados por qualquer cidadão, no Boletim Estatístico da Previdência Social (BEPS), do Ministério da Previdência Social, e nos Relatórios dos Resultados da Arrecadação, da Receita Federal. As pesquisas revelam que o número de pessoas economicamente ativas neste segundo semestre de 2017 gira em torno de 91,1 milhões, sendo que trabalhadores com carteira assinada são 33,4 milhões. “A cada dia, o trabalho formal cede espaço para o trabalho autônomo. Ao mesmo tempo, nossas principais fontes de custeio do sistema continuam vinculadas ao conceito de ‘folha de pagamento de salários’”, alerta Braghini. Já o número de aposentados alcança 34,1 milhões. Essa desproporção entre ganhos e gastos acabou provocando, inevitavelmente, um déficit na previdência social. 

Em 2015, o rombo ultrapassou R$ 85 bilhões. No ano seguinte, a marca chegou a R$ 152 bilhões. Para este ano, o cálculo está próximo dos R$ 181,2 bilhões. Na tentativa de reverter o quadro, iniciou-se uma discussão sobre a necessidade de uma reforma previdenciária. “Com o discurso de promover um reequilíbrio nas contas, foi apresentada uma proposta de Emenda Constitucional. Não havendo ambiente para o aumento de impostos, visto o já elevado comprometimento do Produto Interno Bruto (PIB) nacional, a equipe econômica do governo busca consenso para uma minirreforma previdenciária, capaz de elevar a idade mínima para 65 anos para homens, 62 anos para mulheres e 40 anos de contribuição, o que seria um tanto quanto excessivo diante da descontinuidade da qualidade de segurado pela grande maioria da população, efeito direto dos elevados índices de desemprego”, enfatiza o advogado. 

O tema é complexo. Desperta suspeita e revolta por parte de muitos cidadãos, que demonstram insegurança em relação ao futuro. Esse sentimento é agravado pela crise moral e ética que abalou a credibilidade dos governantes. Os especialistas, no entanto, concordam que alguma medida precisa ser tomada. “Será preciso um processo de adaptação. Lembrando que a mudança na previdência só se tornará sustentável com a realização das demais reformas estruturais, a exemplo da Reforma Tributária e da Trabalhista, esta última já aprovada no Congresso Nacional”, comenta Braghini.
Domeneghetti reconhece que reformar um sistema previdenciário, no meio de uma crise econômica, política e moral, não será tarefa fácil. “Todos os brasileiros precisam se envolver nessa questão, pois é um problema grave e delicado que pode comprometer o futuro de novas gerações, nossos filhos e netos”, finaliza o consultor. 

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