A operação que não sai da boca do povo

A operação que não sai da boca do povo

A Sevandija aguarda o depoimento da ex-prefeita de Ribeirão Preto, Dárcy Vera, no próximo dia 5 de dezembro, mas, enquanto isso, a operação ainda dá muito que falar

Desde o dia 1º de setembro de 2016, quando foi deflagrada a Operação Sevandija em Ribeirão Preto, pela Polícia Federal e pelo Grupo de Apoio Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), passaram-se 436 dias, 189 laudos periciais, três processos — com milhares de folhas anexadas — e mais de 5 terabytes de informações coletadas. Esses números ainda podem crescer. Porém, a Sevandija vem antes de tudo isso.

As investigações começaram em julho de 2015, a partir de informações sobre supostas fraudes em diversos setores da Prefeitura de Ribeirão Preto, da Câmara Municipal e de outros órgãos, como o Departamento de Água e Esgoto de Ribeirão Preto (Daerp) e a Companhia de Desenvolvimento da cidade (Coderp). As licitações que teriam sido fraudadas somariam R$ 203 milhões, valor de todos os contratos em suspeita. 

A conclusão da primeira fase da operação levou ao oferecimento, por parte da promotoria, de três denúncias à 4ª Vara Criminal de Ribeirão Preto e se referiam a três dos quatro fatos investigados: terceirização de mão de obra a órgãos públicos por meio da Coderp; licitação e contrato entre Daerp e empresa privada para renovação da rede de abastecimento de água; pagamento de honorários advocatícios decorrentes de acordo entre o Sindicato dos Servidores Municipais e o escritório de advocacia do qual a ex-advogada do próprio sindicato e então secretária municipal adjunta da Casa Civil, Maria Zuely Librandi, era uma das proprietárias. O quarto fato, que se refere à compra de catracas, ainda está sendo apurado.

Acusações

Membros do alto escalão do governo de Dárcy Vera foram denunciados pelo Ministério Público após as investigações da operação. Veja os motivos que levaram os promotores a apresentar as denúncias:

Dárcy Vera: a promotoria aponta que a ex-prefeita de Ribeirão Preto teria recebido propina em troca de uma suposta facilitação dos honorários advocatícios de Zuely.

Marco Antônio dos Santos: considerado o homem forte do governo, o ex-secretário municipal de Administração e ex-superintendente do Daerp e da Coderp seria o elo entres os três núcleos de investigações. Ele teria atuado intermediando os acordos no Daerp e as negociações para liberação dos honorários referentes aos pagamentos à empresa Atmosphera, que terceirizava funcionários para a administração municipal.

Ângelo Invernizzi: o ex-secretário municipal de Educação é acusado de fraudes em licitações na pasta.

Layr Luchesi Júnior: o ex-secretário da Casa Civil é acusado de fazer indicações de funcionários e de participar de fraudes em licitações.

Walter Gomes, Cícero Gomes, Capela Novas, Samuel Zanferdini, Maurílio Romano, Genivaldo Gomes, Saulo Rodrigues, Evaldo Mendonça (Giló) e Bebé: são os nove ex-vereadores acusados de participar de esquema de venda de apoio político por meio de indicações de funcionários para Atmosphera.

Davi Cury: o ex-superintendente da Coderp é suspeito de facilitar negócios da Atmosphera junto à companhia.
Maria Lúcia Pandolfo: suspeita de ser operadora do esquema Coderp-Atmosphera.

Sandro Rovani: seria o intermediário de Marcelo Plastino e políticos. Também teria participado no esquema de recebimento de propina para liberação de honorários advocatícios.

Maria Zuely Librandi: teria pagado contas particulares da ex-prefeita Dárcy Vera para facilitar recebimento de honorários advocatícios. A defesa alega que ela sofreu chantagem, embora negue que tenha participado de esquema.

Em depoimento, Walter Gomes confirmou ter feito indicações de funcionários à Atmosphera

Apreensões


Na operação, foram apreendidos ou bloqueados 68 imóveis, 66 veículos e mais de R$ 33 milhões em contas bancárias em dinheiro, além de mais 180 cabeças de gado, maquinário agrícola, obras de arte, artefatos de luxo, entre outros. A 4ª Vara Criminal de Ribeirão Preto já determinou a venda antecipada dos veículos e de outros bens que podem perder valor, como os gados, por exemplo, porém, as defesas recorreram contra a decisão e, agora, cabe ao Tribunal de Justiça de São Paulo confirmar ou não a medida. Caso confirme, os bens irão a leilão e o dinheiro obtido ficará à disposição da Justiça até o julgamento dos casos. Se as ações forem bem sucedidas, esses recursos serão restituídos ao município. Em março, a atual gestão da Prefeitura de Ribeirão Preto se reuniu com o Gaeco apresentando medidas para que os cofres do município comecem a ser ressarcidos dos prejuízos envolvendo possíveis fraudes em licitações.

Delações

A Sevandija contou, até o momento, com quatro delações premiadas. O primeiro a acertar um acordo de colaboração foi o ex-diretor técnico do Daerp, Luiz Mantilla. Em seguida, vieram as revelações do ex-presidente do Sindicato dos Servidores Municipais, Wagner Rodrigues, que admitiu fraude em atas de assembleias do Sindicato, possibilitando o acordo para o pagamento dos honorários advocatícios de Maria Zuely Librandi. Por fim, as duas delações mais recentes, realizadas em setembro, foram de Alexandra Ferreira Martins, namorada do empresário Marcelo Plastino, proprietário da empresa Atmosphera, que cometeu suicídio em novembro de 2016, e do sócio e ex-funcionário do empresário, Paulo Roberto de Abreu Júnior, que levantou questionamentos e reclamações de outros réus do processo.

Essas delações não teriam acrescentado fatos novos ao processo. Os réus colaboradores se dizem inocentes, embora admitam que tenham sido “envolvidos em algo ilícito”. Esse envolvimento, de acordo com Abreu Júnior, o levou à decisão de fazer a delação. Nos depoimentos, ele e Alexandra afirmaram que a Coderp pagava para a Atmosphera, em média, R$ 3,5 milhões ao mês, porém, os valores poderiam variar, já que eram remunerados de acordo com a jornada de trabalho dos terceirizados e que, com isso, o lucro da empresa também flutuava, girando em torno de R$ 700 mil a R$ 900 mil ao mês. Segundo o ex-funcionário da Atmosphera, Marcelo Plastino criou a empresa, em 2005, no nome da própria mãe para participar de licitações, já que tinha diversas dívidas ligadas a outro investimento, o que impossibilitaria a participação em editais públicos.

As revelações causaram repercussão entre os advogados. Um deles afirmou que estariam tentando jogar toda a culpa para cima de Plastino, por não estar mais vivo: “É de uma imoralidade jogar essa culpa no morto. É como o Lula falando da Marisa”. A citação faz referência ao ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva, que responde processo sobre o apartamento tríplex, na Lava Jato.

Para ficar de olho

Começam na próxima semana os depoimentos relacionados ao recebimento de propina para liberação dos honorários advocatícios devidos a Zuely, referentes à causa dos 28,35% de reparação de perdas salariais dos servidores municipais, causadas durante o Plano Collor. É nesse caso que Dárcy Vera é investigada. O primeiro a depor será o ex-presidente do Sindicato dos Servidores Municipais, Wagner Rodrigues, no próximo dia 13. Ele confessou, em delação, ter fraudado atas de assembleias do Sindicato para autorizar os pagamentos dos honorários, que são provenientes dos juros que os servidores têm direito a receber dos pagamentos realizados pela Prefeitura de Ribeirão Preto.

No dia seguinte, 14 de novembro, é a vez de o advogado Sandro Rovani depor. Ele é acusado de intermediar o contato de Zuely com o ex-secretário de Administração, Marco Antônio dos Santos, e com Dárcy Vera. A própria Zuely depõe no dia 20. Depois, no dia 27, está marcado o depoimento do advogado André Hentz, que atuou na ação da advogada para que houvesse o recebimento dos honorários. Em 30 de novembro, será ouvido Marco Antônio, antes da ex-prefeita, que tem depoimento agendado para o dia 5 de dezembro.

Embora os testemunhos ainda não tenham começado, um assunto deve pautar ao menos os depoimentos de Sandro Rovani e Wagner Rodrigues: uma lista de propinas. Em outra declaração de Rovani, no processo que investiga o contrato de terceirização da Coderp com a empresa Atmosphera, o advogado afirmou que uma lista encontrada em seu escritório teria sido “plantada”. Esse documento demonstra como seria a repartição da propina para a Prefeitura facilitar o pagamento dos honorários devidos a Zuely. O dinheiro ilícito seria dividido pela advogada entre os réus da ação, de acordo com a planilha encontrada e com a colaboração premiada de Rodrigues.

Rovani, porém, aponta que Rodrigues tinha uma chave de seu escritório, já que ele era advogado do Sindicato, e que o ex-presidente, inclusive, fazia reuniões no local. A informação foi recebida com surpresa até pelo advogado de defesa de Rovani, Júlio Mossin. Ele acredita que o assunto possa ser melhor explorado mais nos próximos depoimentos. Já o advogado de Rodrigues, Daniel Rondi, preferiu não comentar a linha de defesa de outro réu, mas lembrou que Rovani, como corréu na ação, “é o único que não tem obrigação de dizer a verdade” e que, por isso, a afirmação precisa ser comprovada. 

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