Sem consenso

Sem consenso

O novo código florestal no Brasil divide opiniões. Segundo especialistas, o texto abre brechas para a diminuição das áreas de reserva legal e põe em risco as áreas de preservação permanente

Segundo Marcelo Souza, a anistia passa uma mensagem de impunidadeDesde a aprovação do Novo Código Florestal em 2012, as discussões entre ruralistas e ambientalistas se acirraram. Os que estão do lado dos agricultores alegam que, com o novo código, muitos produtores terão de abrir mão de uma parcela da propriedade para reflorestar, o que diminui a produtividade das terras. Do lado oposto, os ambientalistas argumentam que a nova medida irá abrir brechas para o aumento do desmatamento, além de ser branda com aqueles que já derrubaram áreas verdes. No meio desta discussão, está o Judiciário, com destaque para os representantes do direito ambiental e os braços ambientais do Ministério Público. Serão eles os responsáveis pelos processos contra os que descumprirem a lei.

Para o professor da USP na área de Gestão e Instrumentos de Política Ambiental e de Recursos Hídricos, Marcelo Pereira de Souza, a nova lei tem mais contras do que prós. "O que se denominou de Novo Código Florestal, na verdade, podemos chamar apenas de Lei de Proteção da Vegetação Nativa, como consta no documento original. De Código ele não tem nada", contesta o professor. Contudo, Marcelo Souza ressalta um ponto positivo na nova lei. "Apesar de trazer algumas promessas que não foram cumpridas, existem as que são potencialmente boas, como o Cadastro Ambiental Rural (CAR). Essas informações trazem uma conformação geográfica e podem ser útil para o Estado e os produtores”.

O cadastro ao qual o professor se refere é uma ferramenta, segundo o Ministério do Meio Ambiente, que auxilia no processo de regularização ambiental de propriedades e de posses rurais. Consiste no levantamento de informações georreferenciadas da propriedade, com delimitação das Áreas de Proteção Permanente (APP), Reserva Legal (RL), área rural consolidada, áreas de interesse social e de utilidade pública, com o objetivo de traçar um mapa digital a partir do qual são calculados os valores das áreas para diagnóstico ambiental.

Sebastião Donizete destaca que há um instrumento legal que sistematiza a relação do homem com os recursos ambientaisJá para o professor de direito ambiental da Unaerp e promotor de Justiça, Sebastião Donizete Lopes dos Santos, é irrelevante discutir se a nova medida é um código ou uma lei. "O relevante é que há um instrumento legal que sistematiza a relação do homem com os recursos ambientais", pontua Santos. Todavia, o promotor vê um retrocesso na legislação ambiental brasileira. "Para o setor produtivo, podemos dizer que houve um avanço. Tudo vai depender do ponto de vista que aplicaremos sobre o tema”, pondera.

Sebastião Donizete defende que a decisão na aprovação do novo código seguiu um viés muito mais econômico do que ambiental. Para o professor, existem formas mais sustentáveis de se analisar o caso. Inclinar a discussão apenas para a questão econômica e de produtividade só traz prejuízos aos ecossistemas. “O Estado também não se preocupou em criar condições para melhorar a produtividade e diminuir a necessidade por novos espaços de terra. Faltou um equilíbrio”, analisa o promotor. 

A promotora de Justiça do Grupo de Atuação Especial de Defesa do Meio Ambiente (Gaema), Cláudia Habib Tofano, relembra que o novo código recebeu cinco ações de inconstitucionalidade, inclusive do Ministério Público do Estado de São Paulo. “No entender do MP, o novo código é inconstitucional por ser uma lei ordinária que não se coaduna com a Constituição Federal. Toda lei tem que se compatibilizar com a Constituição. Nesse caso, a carta magna garante um meio ambiente ecologicamente equilibrado e proíbe o retrocesso”, critica Cláudia. O julgamento das ações começou no último dia 14 de setembro, no plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), todas com relatoria do ministro Luiz Fux, mas ainda não há data prevista para a decisão.

Anistia

Para Cláudia Habib Tofano, novo código florestal é inconstitucional Um dos pontos que mais gerou discussão no novo Código Florestal foi a anistia aos crimes ambientais cometidos antes de 22 de junho de 2008, data na qual o decreto federal nº 6.514/2008 sofreu alterações. A medida trata das infrações e das sanções administrativas em relação ao meio ambiente e estabelece o processo administrativo federal para apuração destas infrações. Em resumo, o novo código permite que essas infrações, após a execução de plano de recuperação ambiental aprovado e acompanhado pelos órgãos ambientais, sejam “perdoadas”. Segundo consta no texto, as penalidades serão convertidas em “prestação de serviços ambientais”.

Para a promotora Cláudia Habib, a questão não deve ser analisada somente pela ótica criminal. "Em termos de direito ambiental, não estamos falando apenas de crimes, mas de danos ao meio ambiente. Nesses termos é óbvio que a anistia não é boa. Se tenho uma dívida particular, posso abrir mão dela, mas uma dívida com o meio ambiente não é assim. Ele é um bem coletivo. Se não for reparado, atingirá a todos", conclui a promotora. 

Outro ponto abordado pelos especialistas é que a anistia perdoa quem desmatou e pune quem agiu na legalidade. Segundo Marcelo Souza, a data de 22 de junho de 2008 é nociva ao povo brasileiro, significa um salvo conduto à ilegalidade. Não pune quem descumpre a lei e deixa no prejuízo quem agiu na legalidade. "A anistia não é uma questão somente ambiental, é um problema cultural no Brasil. O País tem anistia, até daquilo que não se poderia abrir mão. Ela cria uma condição de desalento para quem agiu de maneira correta, o que o desanima de manter uma postura ambientalmente correta. O que fica da anistia não é o perdão dos crimes, mas a mensagem de impunidade”, conclui o professor. 

As denominações ambientais 

Reserva Legal (RL) 
Área dentro de cada propriedade ou posse rural coberta por vegetação e pode ser explorada, economicamente, de forma sustentável, conservando fauna e flora nativa. Essa área não pode ser desmatada arbitrariamente. O tamanho da reserva legal varia de acordo com o bioma em que está a propriedade; sendo de 80% na região da Amazônia, 35% no cerrado, 20% em demais biomas do país.

Área de Proteção Permanente (APP) 
São áreas que devem permanecer intocadas. Não podem ser exploradas, economicamente, de nenhuma forma. A APP tem a função ambiental de proteger fauna, flora, recursos hídricos e a biodiversidade. São identificadas como APP regiões sensíveis como as nascentes e bordas de rios, os entornos de lagos e de lagoas, os topos de morros, as encostas, as restingas e as dunas, os manguezais e as bordas de chapadas e tabuleiros.

Como era

Áreas de proteção permanente (APP)
Delimitava uma área mínima, em cada margem, de 30 metros de mata preservada para rios com até dez metros de largura. Era proibida a extração de vegetação em locais com altitude superior a 1.800 metros. Também vetava a derrubada em áreas de encosta. As áreas desmatadas deveriam ser reflorestadas dentro da mesma propriedade ou dentro do mesmo ecossistema (da mesma mata, bacia hidrográfica, vale, etc.).

Reserva Legal (RL)
O percentual mínimo de preservação ambiental dentro das propriedades varia de acordo com o tipo de bioma: Amazônia Legal (80%), Cerrado (35%), outros tipos de vegetação (20%). A restante área pode ser desmatada desde que haja manejo florestal sustentável. 

Anistia 
Aplicava multa para os produtores que desmatassem, inclusive para os que se comprometessem a reflorestar o local. 

Como ficou

Áreas de proteção permanente (APP)
Preserva as medidas, com exceção das matas ao redor de rios com largura de até dez metros.  Determina que a recomposição de matas ciliares não mude de acordo com a largura do rio, mas sim de acordo com o tamanho da propriedade, variando de cinco a 30m. Permite também o cultivo de algumas culturas e pastoreio, inclusive em áreas com mais de 1.800 metros de altura e encostas. Outra mudança é que as áreas desmatadas podem ser reflorestadas no mesmo bioma, porém, não necessariamente na mesma região, ou estado. Por exemplo, se o produtor desmatar uma área de cerrado em Ribeirão Preto poderá replantar em uma área de cerrado em outro estado.

Reserva Legal (RL)
Mantém os mesmos percentuais, porém, a lei inclui no cálculo da Reserva Legal a área de APP; ou seja, a área total protegida em uma propriedade pode ser menor. O novo código prevê a possibilidade de redução do tamanho da Reserva Legal na Amazônia. Naquela região, o valor que era de 80% pode ser reduzido em até 50% com autorização dos órgãos competentes, federais e estaduais.

Anistia
Estabelece que multas para produtores que tenham desmatado áreas protegidas — tanto APP quanto Reserva Legal — até 22 de junho de 2008 sejam anistiadas. O perdão da Justiça tem como contrapartida a recomposição das áreas desmatadas.

Texto: Paulo Apolinário
Fotos Amanda Bueno

Compartilhar: