Apertando o cinto

Apertando o cinto

Segundo Detran-SP, em Ribeirão Preto há mais de 49 mil condutores com mais de 60 anos; com o avanço da idade, algumas precauções são fundamentais na hora de assumir o volante

Dirigir um veículo exige atenção, disciplina, boa visão, coordenação motora, noção de espaço e um bom estado de saúde mental. Essas são as condições para manter uma vida saudável no trânsito. Porém, tais pré-requisitos não determinam exatamente até que idade o indivíduo está apto a conduzir um veículo.

O geriatra Paulo Formighieri destaca que várias condições de saúde acentuadas com o passar dos anos afetam a capacidade ao volanteA proporção de idosos ao volante vem aumentando a cada dia, fundamentalmente em função do envelhecimento da população. Na Região Metropolitana de Ribeirão Preto, os idosos representam 38% dos habitantes, segundo a Fundação Seade. No Estado de São Paulo, de acordo com dados do Departamento Nacional de Trânsito (Denatran), há mais de 2 milhões de condutores da categoria B (carro) com mais de 61 anos que possuem Carteira Nacional de Habilitação (CNH) ativas. Só em Ribeirão Preto, conforme o Detran-SP, há mais de 49 mil CNHs registradas com exame médico válido de condutores com mais de 60 anos. 

Nesse cenário, fatores físicos e psicológicos característicos da idade mais avançada comprometem, ainda que parcialmente, o desempenho adequado de alguns motoristas com mais de 60 anos, que podem se envolver em acidentes de trânsito, algumas vezes causados por qualquer limitação motora.  É o que explica o geriatra do Hospital das Clínicas (HCRP) Paulo Fernandes Formighieri. “Diversas condições comuns no envelhecimento podem influenciar no aumento do risco da condução desta população e precisam ser periodicamente revisadas pelo indivíduo, pelos familiares e pela equipe de saúde”, afirma.

Entretanto, Formighieri diz que muitos idosos mantêm boa técnica de direção e andam sempre com prudência redobrada no trânsito, evitando situações de risco. É o caso da aposentada Carmen Cecilia Vendruscolo, de 76 anos, que dirige há 50 anos e sabe que suas condições já não são mais as mesmas de antes em relação ao volante. 

Com o avançar da idade, Carmem redobrou a atenção ao dirigirCarmem reconhece que apresenta muitas dificuldades quando está dirigindo, por isso, redobrou a atenção. “Antes eu tinha um desempenho bem mais acelerado. Hoje em dia, por apresentar uma visão e uma sensibilidade que já não são mais as mesmas, procuro dirigir com mais cautela, principalmente por conta do desrespeito dos outros motoristas e do movimento das ruas”, conta a aposentada. 

Para se prevenir de acidentes, Carmem anda no limite da velocidade permitida, respeita sempre as placas e os semáforos e deixa os mais apressados passarem sempre que possível. “Além disso, não uso as rodovias, pois não fui acostumada a dirigir nelas. Também procuro não dirigir à noite, porque tenho dificuldade de enxergar neste período”, finaliza a aposentada. 

De acordo com as normas determinadas pelo Conselho Nacional de Trânsito (Contran) e válidas em todo o país, não há limite máximo de idade para que uma pessoa dirija. No entanto, a renovação da CNH depois dos 65 anos deve ser feita a cada três anos, ou em período menor, de acordo com a avaliação médica. 

É o que explica o gerente de uma autoescola ribeirãopretana César Ponze, que trabalha no ramo desde 1998. “Por mais que seja pequena a procura de pessoas com mais de 65 anos, não há nenhuma lei que as proíba de conquistar a habilitação para dirigir. O que acontece é que, depois dos 65 anos, a necessidade de renovação passa de cinco para três anos”, explica o gerente.

Para o empresário Israel Antônio Fracasso Zanarotti e sua esposa, Neide Fortul Zanarotti, ambos com 69 anos, houve muitas mudanças no trânsito nas últimas décadas que acabaram atrapalhando o bom rendimento dos idosos na direção. “Desde 1975, quando conquistei minha primeira habilitação, pude notar várias mudanças no trânsito da cidade, principalmente, em relação ao desrespeito dos condutores, que aumentou bastante. Hoje em dia, os motoristas, especialmente os mais jovens, não respeitam as leis e, com isso, o perigo aumenta. Não é à toa que notamos um crescimento na estatística de acidentes”, comenta o empresário. 

O casal Israel e Neide salientam que o trânsito de hoje é muito mais desafiador do que o de antigamenteO contabilista explica que seu desempenho na direção acabou sendo afetado pela idade e isso requer mais atenção de sua parte. “Com o tempo, percebi que minha capacidade no trânsito diminuiu em relação à de antigamente. Minha principal dificuldade é que quando comecei a dirigir, as pessoas não ultrapassavam pela direita, só pela esquerda. Por conta disso, às vezes, acabo fechando alguns motoristas, mas fora isso é tranquilo quando estou dirigindo”, diz Zanarotti. 

Já sua esposa, Neide, afirma não ter nenhum problema no trânsito por conta da idade. “Lógico que, atualmente, tenho que prestar mais atenção nas ruas, até mesmo pelo fato de ter aumentado muito a quantidade de veículos em relação a quando tirei minha CNH, mas, tirando isso, vou para qualquer lugar e pego até estrada”, afirma.

Mudança no desempenho

Alguns problemas de saúde são decorrentes da idade avançada. Muitos deles podem ocasionar sintomas que atrapalham o desempenho de motoristas idosos. Segundo Formighieri, o ato de dirigir exige habilidade multifuncional e atenção, como análise constante de risco externo, atitude preventiva constante, muito controle emocional e avaliação de diversas condições de saúde. 

O médico explica que vários problemas podem acarretar prejuízos no trânsito, como perda de visão periférica, aumento do tempo de recuperação após ofuscamento e redução dos reflexos oculares, que podem ocorrer em diversas situações e precisam ser avaliados. 

De acordo com o especialista, prejuízos na audição também podem ser fatores decisivos na origem de acidentes de trânsito e precisam ser considerados. “O indivíduo pode não ouvir a aproximação de outro veículo”, exemplifica o geriatra.

Além desses problemas, efeitos colaterais de medicações, pressão arterial, glicemia, mobilidade articular, velocidade de reflexo e doenças neurodegenerativas também podem apresentar riscos para motoristas idosos. “Um problema especialmente importante e crescente são as doenças neurodegenerativas, como Alzheimer e Parkinson, que, na fase inicial, permitem ao indivíduo a manutenção da independência, com riscos crescentes para a ocorrência de acidentes. Esta população é frequentemente desobediente às orientações de suspender o uso dos veículos”, comenta Formighieri. O geriatra completa dizendo que não há uma idade exata para suspender a habilitação, mas os cuidados devem ser maiores e as reavaliações mais frequentes a partir dos 60 anos. 

Visão frágil

De acordo com Dr. Gleilton, catarata e degeneração da mácula estão entre as principais doenças relacionadas à visão e à idadePara o médico oftalmologista Gleilton Mendonça (CRM: 101.076), um dos diretores do Centro de Oftalmologia Especializada (COE) de Ribeirão Preto, a dificuldade visual e os acidentes de trânsito caminham juntos. É por isso que, segundo o oftalmologista, os exames realizados pelo Detran para a habilitação e renovação da CNH precisam ser rígidos.

Entre os vários problemas que podem afetar o bom desempenho dos idosos no trânsito, há dois principais: a catarata e a degeneração macular relacionada à idade (DMRI). A catarata, que é a perda da transparência do cristalino (a lente natural do olho), ocorre naturalmente em decorrência do envelhecimento e é considerada normal após os 55 anos de idade. 

De acordo com o oftalmologista, algumas doenças, traumas e cirurgias oculares podem precipitar a formação da catarata, que, uma vez formada, não possui tratamento clínico eficaz para a reversão. “A única opção de tratamento é a cirurgia, em que o cirurgião remove a lente natural doente, substituindo-a por uma lente artificial de material acrílico. Essa cirurgia é conhecida como facectomia”, diz Mendonça. 

Já a degeneração macular ocorre na mácula, pequena área da retina responsável pela visão dos detalhes. Este problema acontece por uma lesão degenerativa que surge com a idade, mais comum após os 55 anos. “Quando a mácula é lesada, a visão se torna embaçada e uma mancha escura cobrindo o centro da visão pode ser percebida. A degeneração macular afeta tanto a visão de longe como a de perto, podendo dificultar ou impedir atividades importantes, como a leitura e a condução de veículos”, afirma o especialista. 

A oftalmologista Marcela destaca que é importante fazer exames preventivos para o silencioso glaucomaApesar desses problemas atrapalharem a visão dos idosos e o bom desempenho no trânsito, o diagnóstico precoce é a chave para evitar as formas mais graves das doenças. “Quanto à catarata, quanto mais cedo realizado o diagnóstico e indicada a cirurgia, melhores serão os resultados, pois o processo de opacificação do cristalino torna essa lente natural do olho cada vez mais ‘dura’ e dificulta o procedimento, aumentando o risco de complicações. Já em relação à DMRI, o diagnóstico precoce e o início do tratamento com antioxidantes e suplementação vitamínica previnem a evolução da lesão degenerativa”, finaliza Mendonça.

Além da catarata e da DMRI, há outros problemas na visão que podem dificultar a direção para motoristas mais idosos, como o glaucoma e as retinopatias diabética e hipertensiva. Segundo a oftalmologista Marcela Sacchini, o glaucoma, doença ocular que provoca lesão no nervo óptico e no campo visual, pode levar à cegueira, quando não diagnosticada e tratada. “É importante que o paciente com idade avançada procure realizar sempre os exames periódicos, pois os sintomas do glaucoma costumam aparecer em fase avançada, notando-se a perda de visão apenas quando vivenciada a ‘visão tubular’”, explica. 

As retinopatias diabética e hipertensiva afetam os vasos sanguíneos do olho, podendo ocasionar deformidades conhecidas como microaneurismas. Essas deformidades, frequentemente, podem causar rompimento ou extravasamento do sangue, ocasionando hemorragia e infiltração de gordura na retina. “As retinopatias diabética e hipertensiva — sendo a diabética a mais recorrente — podem atingir quase 75% dos diabéticos há mais de 20 anos com a doença. Já na hipertensiva, a diminuição do calibre dos vasos também pode causar obstrução aguda dos mesmos, gerando fechamentos tanto arteriais como venosos”, diz a médica. 

Recomendações 

• Evitar dirigir à noite, ao amanhecer e ao anoitecer.
• Dirigir sempre com máxima atenção e precaução.
• Quando possível, evitar cruzamentos e conversões à esquerda.
• Ter cuidado ao realizar ultrapassagens.
• Evitar dirigir em horários de pico, em trajetos complicados e em condições meteorológicas adversas.
• Sempre descansar após 1h e meia ao volante.
• Dirigir, de preferência, carros com direção hidráulica, câmbio com transmissão automática, pedais com grande superfície e retrovisores amplos.
• Realizar exames oftalmológicos periódicos.
• Respeitar as recomendações estabelecidas pelo médico perito examinador na renovação da carteira de habilitação e de outros médicos.
• Ter cuidado com os efeitos colaterais de medicamentos em uso.
• Solicitar a um familiar que o observe dirigir e opine se está guiando com segurança ou não.

Fonte: Detran.SP

Exame de renovação

Segundo o Detran-SP, o exame médico do processo de renovação da CNH é o mesmo para todos motoristas, independente da idade, conforme a legislação federal de trânsito. O prazo da habilitação condiz com a validade do exame médico. Por isso, para renovar a CNH, é preciso realizar um novo exame. O profissional credenciado avaliará se o cidadão tem condições de continuar dirigindo e por qual período.

O médico examinador considera apto para dirigir o motorista que apresente, pelo menos, 70% da visão em seu melhor olho para as categorias amadoras, A e B, independente da visão do outro olho. Para as categorias profissionais, C a E, o motorista deve apresentar 100% da visão em um ou nos dois olhos, dependendo do porte do veículo.




Texto: Gabriela Maulim

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