Caiu na rede é meme

Caiu na rede é meme

Montagens cômicas ganham cada vez mais espaço na internet e transformam as redes sociais em verdadeira indústria do humor — com destaque para Ribeirão Preto

No dia 23 de maio de 2017, o presidente da República, Michel Temer (MDB), tomou uma decisão polêmica, mas que nada tinha a ver com reformas da previdência ou trabalhista, tampouco nomeações controversas a ministérios. Temer decidiu, naquela data, proibir o uso de fotos oficiais da presidência em memes. O impacto e a repercussão — ambos negativos — foram imediatos: a produção das montagens explodiu e o presidente passou à frente de qualquer personagem na preferência para piadas.

Memes, por definição, são representações imagéticas de uma opinião ou de um posicionamento, sempre incluindo texto, foto, gif (imagem com movimento) ou vídeo e utilizando o humor como ferramenta de disseminação. Essas peças são a junção de elementos pinçados do contexto original e alterados para uma aplicação livre de acordo com um novo contexto, escolhido pelo autor. 

Embora a definição textual pareça complicada, esse é um dos casos em que a prática é bem mais simples do que a teoria. Quem nunca acessou as redes sociais como quem não quer nada e deu de cara com uma série de imagens associadas a frases engraçadas? Há, inclusive, personalidades que já se tornaram clássicos nessas peças: a atriz Renata Sorrah, Mônica (a personagem dos quadrinhos), a cantora Gretchen e, claro, Temer, que não deixou de se tornar alvo das piadas on-line, embora tenha tentado se blindar.

Sazonalmente — e dependendo de algum fato específico —, os protagonistas das piadas mudam. Pode ser em razão de uma frase mal colocada, uma gafe ao vivo, uma resposta bem dada a algum insulto na internet ou qualquer insight criativo que caia no gosto dos internautas. Embora tenha uma fonte inesgotável de matérias-primas para a criação, os memes também sobrevivem com mais facilidade no habitat natural, que é a internet. Fora da web, a compreensão pode ser mais difícil, como destaca a jornalista Francine Micheli, que, em estudo para tese de mestrado pela Universidade Estadual Paulista (Unesp), analisa os memes e a opinião pública no período do impeachment da ex-presidente do Brasil, Dilma Rousseff, em 2016.
A tese de mestrado de Francine tem como objeto de estudo os memes com Dilma Rousseff no período do impeachment
“O meme, ao contrário de cartoons, fotos e textos, nasce obrigatoriamente junto com a web 2.0, quando são popularizadas as mídias sociais. Eles não têm origem rastreada, ou seja, é muito difícil encontrar quem tenha feito, a menos que levem algum indicativo como marca d’água de um usuário ou página de humor, por exemplo. O meme nasce, cresce e morre na internet, é produzido e endossado pela comunidade atuante em mídias sociais e a maioria não tem sentido no mundo real. Quer dizer, é muito difícil falar de um meme em um almoço de família e todos acharem graça. Muitos (especialmente quem não vive a cultura digital) não irão compreender a piada”, explica. 
O conteúdo das piadas, segundo Mayara, depende da população a que dizem respeito
A psicoterapeuta Mayara Silva diz que é possível observar que o conteúdo dos memes e das piadas varia de acordo com a população a que as montagens dizem respeito. “Por exemplo, produções norte-americanas de humor on-line trazem como conteúdo a facilidade do armamento civil, enquanto no Brasil, corrupção na política é um tema geral muito popular. Adultos casados tendem a se identificar com imagens de humor que representam as dificuldades da vida a dois, enquanto adolescentes e jovens adultos gostam de memes que retratam as dificuldades de amadurecer”, afirma. Ainda de acordo com Mayara, o que torna uma imagem engraçada para determinado grupo é, justamente, a identificação com o assunto em questão.

Tipo exportação

Poucas foram as vezes em que memes criados no Brasil ultrapassaram fronteiras para fazer sucesso em terras estrangeiras. Um dos casos mais bem-sucedidos foi o de Gretchen, considerada a “Rainha dos Memes” na web. O uso de imagens da cantora à exaustão pelos internautas chegou a níveis tão altos a ponto de chamar a atenção da cantora norte-americana Katy Perry, que convidou a brasileira a estrelar o vídeo de divulgação da música “Swish swish”, em julho de 2017 — a produção ultrapassa os 81 milhões de visualizações no Youtube.
Segundo Wellington Cardoni, volume de trabalho da Carreta Furacão aumentou desde a viralização na internet
No entanto, engana-se quem pensa que Ribeirão Preto ainda não carimbou o passaporte no mundo do humor. Criada em 2006, a Carreta Furacão já é famosa pelo trem que circula nas ruas da cidade, mas viu a popularidade chegar a níveis estratosféricos nos últimos dois anos, quando centenas de milhares de internautas deram início a petições para receber a atração em diversas cidades brasileiras.

Formada por intérpretes fantasiados de personagens famosos, como Capitão América, Mickey e Fofão, a Carreta Furacão soma mais de 600 milhões de visualizações em vídeos publicados na internet, segundo o produtor e empresário responsável pelo grupo, Wellington Cardoni. Para ele, ter viralizado na rede foi positivo, mesmo que com a imagem do grupo associada a frases descontextualizadas na produção de memes. Cardoni atribui o sucesso e o grande alcance da Carreta à criatividade. “Não ficamos na mesmice, fazemos as coisas acontecerem, dando atenção, brincando, levando alegria. Construímos uma carreta com estilo de balada, com qualidade, microfone, uma coisa nossa”, completa o empresário.

O “boom” da Carreta Furacão aconteceu a partir de uma performance filmada dos personagens, ao som de “Vem dançar o Mestiço”, do músico Leandro Lehart. De acordo com o empresário do grupo, o sucesso da trupe ribeirãopretana foi tanto que chamou a atenção do autor da canção, que entrou em contato com Cardoni para o planejamento de trabalhos em conjunto. O resultado foi um CD da Carreta com a produção de Lehart, lançado em setembro do ano passado. “Tudo o que aconteceu após termos viralizado foi muito positivo. Conseguimos fechar muitos shows com a repercussão na internet”, conta o empresário, destacando até a abordagem da BBC de Londres, que produziu uma reportagem sobre a turma.

O buraco é mais embaixo

Apesar de parecerem indefesos e inofensivos, os memes estão longe de serem meras piadas virtuais. Para Francine, essas montagens são, na comunicação, uma espécie de evolução da forma como os homens lidam com os problemas. “A piada é um alívio à sensação de desamparo, gerando graça na desgraça. É só voltar à Grécia Antiga, onde as comédias teatrais satirizavam os políticos e formavam a opinião dos menos favorecidos. Depois vêm as charges, os cartoons e filmes como ‘Tempos Modernos’, de Chaplin, que é uma crítica ferrenha aos modos de produção industrial do início do século XX. Da mesma forma, o meme cumpre muito bem esse papel na realidade atual e digital”, analisa.

O uso do humor no trato de sérios assuntos pode ser um indicativo da dificuldade de encarar aquele tema, mas também pode facilitar a interação, como afirma a psicóloga Marystella Carvalho Esbrogeo, mestre pela Universidade de São Paulo (USP-RP) e membro-filiada da Sociedade Brasileira de Psicanálise de Ribeirão Preto. “A utilização do humor para tratar de assuntos sérios diz algo sobre a dificuldade de falar abertamente sobre o assunto, mas, por outro lado, pode ser um facilitador, no sentido de mostrar algo que está difícil de ser elaborado. Assim, as piadas trazem em si uma crítica individual ou coletiva, revelam uma verdade sobre o mundo e, neste sentido, ajudam na superação de um medo ou de um desconforto, através do prazer de rir daquilo. Às vezes, temos de exercitar em nós a capacidade de rir de nós mesmos, de levar a vida de uma forma mais leve e divertida”, recomenda a especialista.

Ainda que o humor seja uma saída legítima e ofereça um jogo de cintura muitas vezes necessário no trato social, as especialistas ouvidas pela Revide alertam para a necessidade de administrar o uso dos memes de forma saudável. “O que pode se tornar prejudicial, de fato, é abordar assuntos importantes exclusivamente através das piadas. Quando pensamos em redes sociais, atualmente, percebemos que assuntos muito sérios se tornam base para uma infinidade de memes, mas eles não estão sendo conversados de outras maneiras mais saudáveis e eficazes. É nesse sentido que se torna prejudicial”, afirma Mayara.

Lindíssima, falou tudo?
Marystella: “a utilização do humor para tratar de assuntos sérios pode facilitar a elaboração de determinado tema”
Ainda que pareçam mundos diferentes, o virtual pode dizer muito sobre o real e vice-versa. Para Marystella Esbrogeo, a evolução da web trouxe avanços e desafios para a sociedade. “O importante é pensar de forma criativa diante desse novo mundo, sem imaginar que o antigo é melhor. O mundo externo sempre impõe dificuldades, cabe a nós desenvolver uma forma de transformar a realidade em algo proveitoso. Os avanços tecnológicos e a virtualização estão inseridos no cotidiano de todos nós, independente da idade. Acredito que o papel da psicanálise não é se posicionar a favor ou contra a nova realidade, mas ajudar a pensar sobre ela e a encontrar novos caminhos. O excesso na utilização das mídias pode ser prejudicial, quando, por exemplo, substitui as relações humanas pelas virtuais. Por isso, deve-se observar com atenção a forma, a frequência e a finalidade com que o universo virtual está sendo utilizado”, explica.


Que termo foi esse ?

Não se sabe exatamente qual foi o primeiro meme brasileiro, mas a origem da expressão é certa. O primeiro estudioso a citar o termo “meme” foi o biólogo inglês Richard Dawkins, no livro O Gene Egoísta, de 1976. A palavra foi utilizada para definir unidades de cultura e comportamento passadas de geração em geração por animais, que vão adaptando tal fator a seu tempo, contexto e habitat. Meme surge de mimetizar, copiar, imitar.  

Nunca nem vi?

01 - Mene:
uma subversão do meme, sendo ainda mais específico para pequenos grupos que já possuem referências determinadas para absorver e entender certa piada (feita com a associação de imagem e texto). O mene, na maioria das vezes, carrega um humor non sense, semioticamente “sem lógica”, que é bastante difundido e apreciado em certas mídias sociais, como o Twitter e o Tumblr. 

02 - Montagem: simplesmente a manipulação de imagens, sem o compromisso com ser engraçado ou criar um posicionamento sobre determinados assuntos.

03 - GIF: da sigla em inglês Graphics Interchange Format (formato de intercâmbio de gráficos), criado em 1987. A grosso modo, os GIFs são imagens em movimento, que podem ser sobrepostas em um mesmo arquivo.

“Tendi... faz um”?

Alguns sites oferecem aos internautas a possibilidade de criar seus próprios memes. Para quem tiver vontade de treinar as habilidades do humor no mundo virtual, seguem duas opções:

www.gerarmemes.com.br
geradormemes.com/

De onde vêm


Intertítulos da reportagem fazem referência a memes. Veja quais: 

Que tiro foi esse?

Música da funkeira brasileira Jojo Toddyinho, que estourou no início de 2018, transformou-se em hit do Carnaval e em meme nas redes sociais.

Nunca nem vi

Frase de um homem visivelmente embriagado que viralizou na web em vídeo de reportagem da TV Record Altamira, em junho de 2017. 

Lindíssima, falou tudo 

Não se sabe ao certo a origem do meme, mas é utilizado para encerrar uma conversa ou assinar embaixo 
de um ídolo. 

“Tendi... faz um” 

Resposta dada pela cantora Anitta a um internauta que sugeriu a ela produzir novos CDs e clipes.


 

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