As Cores da Copa

As Cores da Copa

Durante a Copa do Mundo, Ribeirão Preto e região não são coloridas apenas de verde e amarelo. A região está repleta de estrangeiros que trazem mais cultura, história e torcida para a competição

Ribeirão Preto se torna, cada vez mais, uma cidade cosmopolita. Ao longo do ano, os ribeirãopretanos recebem festivais de cultura italiana e japonesa. Podem desfrutar de restaurantes franceses, espanhóis e árabes. Também estudam, lado a lado, com pessoas de todas as partes do mundo nas principais universidades da cidade. Essa mistura de cores e de culturas se torna mais viva em tempos de Copa do Mundo, quando a paixão pelo país de origem se torna mais pulsante.

Para se ter uma ideia, por ano, em média, 300 estrangeiros entram com o pedido de registro de trabalho em Ribeirão Preto no Ministério do Trabalho, de acordo com números do Observatório de Migrações Internacionais, do próprio Ministério. Os números fazem parte do Cadastro de Registros de Estrangeiros (Sincre). Então, não estranhe caso esteja assistindo algum jogo nas próximas semanas e ouvir gritos de “goal”, “golo”, “but”, “tor” ou “mal” — deve ser de um dos vários gringos que escolheram Ribeirão Preto como segunda casa.

O país que sedia a Copa de 2018, a Rússia, também tem filhos em Ribeirão Preto. O cavaleiro olímpico, Serguei Fofanoff, o “Guega”, tem raízes no país eslavo. O avô de Guega fez parte da cavalaria do Czar Nicolau II e lutou contra os bolcheviques, comandados por Vladmir Lênin, durante a Revolução Russa, em 1917. “Como durante a Revolução muitas pessoas morreram, inclusive amigos e companheiros de batalha, meu avô acabou se escondendo em um navio e fugindo de lá”, explica o cavaleiro.  
O cavaleiro campeão Pan-americano, Seguei Foffanof, conta que a descendência multiétnica quase causou problemas
O navio, que fez uma escala na China, deu três opções ao avô Fofanoff: ir para a Austrália, para o Canadá ou para o Brasil. “Ele achou que o Brasil era o país mais distante e escondido possível, resolveu vir para cá porque ninguém viria atrás dele”, conta Guega. Ao chegar ao Brasil, o primeiro Fofanoff em terras tupiniquins foi para uma colônia de imigrantes russos, em Santa Rosa, no Rio Grande do Sul. Lá, conheceu a avó de Guega, outra russa fugida da Revolução. Foi assim que a família Fofanoff fincou raízes no Brasil. Porém, apesar do nome russo, o cavaleiro também possui cidadania italiana, por conta da mãe.

A mistura incomum de nacionalidades quase deixou Guega de fora das Olímpiadas de 1996, em Atlanta, nos Estados Unidos. “Quando cheguei de madrugada ao aeroporto de Miami, a Polícia Federal local me perguntou o que eu iria fazer nos EUA. Respondi que estava lá para representar o Brasil nas Olímpiadas”, relembra o atleta. Porém, o brasileiro de nome russo e passaporte italiano não convenceu as autoridades estadunidenses. Guega teve que passar a noite no aeroporto até que o Comitê Olímpico Brasileiro resolvesse o mal-entendido. Felizmente, o cavaleiro conseguiu comprovar que era de fato brasileiro e disputou as Olímpiadas daquele ano. Perguntado para qual time irá torcer, Guega explicou.

“Torço pelo Brasil. Se a Itália estivesse na Copa, torceria para ela também. Não posso negar que tenho um carinho pela Rússia, pela minha história, mas se jogar Brasil e Rússia, eu vou torcer pelo Brasil”, finaliza.

Últimos finalistas
A estudante alemã, Rebecca Eisenberg, conta que o clima na Alemanha é muito parecido com o do Brasil durante a Copa do Mundo
Finalistas na última Copa do Mundo, Alemanha e Argentina também possuem representantes em Ribeirão Preto. A estudante Rebecca Eisenberg nasceu em Essen, na Alemanha, e escolheu a USP de Ribeirão Preto para concluir os estudos iniciados na faculdade de pedagogia especial na Universidade Tecnológica de Dortmund. Rebecca revela que o clima da Copa na Alemanha não difere muito do Brasil. O fanatismo dos alemães pelo futebol é comparável ao brasileiro, tanto pela paixão, quanto pelo número de títulos. A estudante conta que, por lá, as pessoas costumam se reunir para assistir aos jogos em praças, bares e locais públicos e, assim como brasileiros, também fazem churrascos e reúnem a família e os amigos em casa para os jogos.  “Às vezes, lojas e bares oferecem descontos para cada gol da Alemanha — em torno de 10% de desconto por gol. O prêmio também pode ser uma dose de bebida de graça, no caso dos bares.

Infelizmente muitos endereços pararam com isso após o 7x1”, brinca a alemã. A maior diferença é em relação às folgas. “Na Alemanha, as pessoas não podem parar trabalhar. Se tiver que trabalhar durante um jogo, azar da pessoa. Lojas, bancos e o comércio em geral permanecem abertos”, conclui Rebecca.

Vice-campeões na última Copa e eternos rivais da Seleção Brasileira, os argentinos também têm torcida em Ribeirão Preto. O professor de história Lucas Dario Romero Y Galvaniz é filho de argentino e nutre a paixão do pai pelo futebol. Galvaniz, que pouco sabe sobre a trajetória do pai do país vizinho para o Brasil — apenas que ele se mudou para cá após conhecer a esposa —, acredita que sua vinda tenha a ver com a ditadura militar argentina. O governo militar no país vizinho matou cerca de 8 mil pessoas, mas há versões que apontam para aproximadamente 30 mil desaparecidos.
O professor história Lucas Dario Romero Y Galvaniz torce para os argentinos e não perde a chance de alfinetar a Seleção Brasileira
O pai de Galvaniz era policial e perdeu pessoas próximas por conta da ditadura.  O professor comenta que torcer pela Argentina, no Brasil, o torna alvo de muita conversa e brincadeiras durante os jogos. “Discutimos muito entre amigos, mas nunca a ponto de brigarmos, claro. Contudo, rende muito sarro, principalmente depois do 7x1”, alfineta Galvaniz.
Apesar de torcer pelos hermanos, o time do coração do professor é o brasileiro. “O convívio direto com o futebol nacional me fez torcer pelo Palmeiras, mas nutro um carinho muito grande pelo Boca Junior, time do meu pai”, explica.

Coincidentemente, na edição deste ano da Copa Libertadores da América, ambos os times estão no mesmo grupo. O Palmeiras levou a melhor, empatando a primeira partida e ganhando a segunda. “A Libertadores teve altas emoções por aqui. Quando joga Palmeiras e Boca, sou Palmeiras”, conta.  Durante a Copa, Galvaniz é um argentino nato. Além de torcer pelo país, não perde a oportunidade de alfinetar os brasileiros. “Na última Copa, os brasileiros evitaram um novo Maracanaço contra a Argentina (em alusão à derrota do Brasil na Copa de 1950). Nessa edição, acredito que os dois times tenham chances também: a Argentina, pelo Messi e pelo DiMaria; o Brasil, só pela camisa e pelo Tite”, finaliza.

Japão, beisebol e Copa
Apesar da paixão pelo beisebol e das raízes japonesas, Júlio admite que o seu coração durante a Copa é verde e amarelo
Não é só Ribeirão Preto que está cada vez mais globalizada, toda a Região Metropolitana também está. Perto de Guatapará, 40 minutos distante de Ribeirão Preto, surge no meio dos canaviais um pedacinho do Japão. A colônia de Mombuca, famosa pela revenda de ovos para toda região e também pela cêramica, há meio século é o reduto da cultura oriental na região.

O professor Julio Koojiro Ebisawa conta que os avós formaram uma das primeiras famílias na colônia de Mombuca. O sansei, nome dado aos netos de japoneses, explica que após a Segunda Guerra Mundial (1939 - 1945) muitos japoneses buscavam oportunidades para recomeçar a vida. Os seus avós, os issei (imigrantes) vieram para o Brasil em 1962.

Porém, esta foi uma imigração diferente da ocorrida no início do século, famosa pelo navio Kasato Maru que trouxe os primeiros nipônicos para o Brasil, em 1908. Os japoneses da primeira imigração foram, em sua maioria, encaminhados para as lavouras de café. Na segunda imigração, os japoneses vieram com o intuito de comprar terras e começar sua própria lavoura, na maioria, de arroz. “Minha família veio com meus avós e quatro filhos. Partiram para tentar uma nova vida em um país completamente diferente em relação a clima, língua, cultura e comida, enfrentando uma fase bastante difícil até se adaptarem ao Brasil”, conta Ebisawa.

Por preservar tanto a cultura oriental na colônia, o esporte não poderia ficar de fora. Entretanto, diferente do Brasil, da Alemanha ou da Argentina, o futebol não é o carro-chefe dos esportes na terra do sol nascente. Os mais populares por lá são beisebol, sumô e go (um jogo de tabuleiro). Na lista dos esportes preferidos pelos torcedores, o futebol aparece sempre da quarta posição em diante. Sendo assim, preservou-se a paixão pelo beisebol — Guatapará até conta com um time, cujos integrantes (quase todos) são descendentes de japoneses e tem Ebisawa como presidente. “O beisebol na nossa colônia começou junto com a imigração. Eu jogo beisebol desde os sete anos, participando de campeonatos regionais e nacionais. Hoje em dia ainda praticamos, mas como forma de lazer, juntando os amigos que gostam do esporte”, explica o presidente do time.

Apesar de não ser o esporte número um, o futebol vêm ganhando espaço no Japão. Desde os anos 90, a modalidade cresceu muito no país. Com quatro Copas da Ásia, o time do uniforme azul se classificou para a primeira Copa em 1998, na França. De lá para cá, garantiu vaga em todas as edições, inclusive, sendo sede em 2002, ao lado da Coreia do Sul.  Ebisawa admite que torce para as duas seleções, mas confessa sua preferência, caso haja um confronto Japão x Brasil.  “Se acontecer das duas seleções se encontrarem, com certeza meu coração é verde e amarelo”, conclui. 


Texto: Paulo Apolinário

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