(Des)respeito à opinião alheia

(Des)respeito à opinião alheia

Em função do momento político brasileiro, casos de violência gerados por discussões têm se tornado cada vez mais frequentes, aumentando episódios de intolerância

Tanto no noticiário nacional quanto no internacional, um traço comum tem deixado muitas pessoas preocupadas com o rumo de certas condutas mundo afora: a intolerância e a violência decorrente dela. Não faltam notícias sobre atitudes agressivas entre cidadãos com leituras e opiniões diferentes sobre o mesmo fato. No futebol, a briga entre torcidas adversárias não chega a ser uma novidade, assim como ocasionais mortes antes ou depois de partidas de grande repercussão não são inéditas. Tanto isso é verdade que, em São Paulo, torcidas adversárias estão vetadas de dividir o estádio em clássicos.

Para agravar ainda mais a situação, infelizmente, esse tipo de situação não se limita aos campos de futebol. É possível identificar episódios dessa natureza em todas as esferas da sociedade — inclusive, naquela que deveria primar pelo diálogo, que seria um dos princípios de sua essência: a política. Até mesmo nesta esfera, os casos de violência ocasionados por diferenças de pensamento vem se tornando mais comuns do que se poderia imaginar.

Nesse sentido, pode-se afirmar que 2018 tem sido um ano tenso e intenso para a política brasileira. Não por acaso, trata-se de um ano eleitoral, em que será definido o próximo presidente da República, entre outros ocupantes de cargos essenciais na condução do país, como governadores estaduais, deputados estaduais e federais e senadores. Há pouco menos de dois meses das eleições, no entanto, ainda não há clareza sobre o que as urnas devem revelar antes do final deste ano. O futuro do país ainda é nebuloso.

Some a isso o fato de, diariamente, os brasileiros conviverem com o surgimento de novos casos de corrupção, políticos presos ou mandados cumpridos pela Polícia Federal nos mais diversos cantos do país. Muitos desses episódios levam a discussões acaloradas que, quando extrapolam a linha do respeito, transformam-se em violência verbal e até física, nos casos mais extremos.

A tensão aumenta

Para o empresário e presidente do diretório municipal do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) em Ribeirão Preto, Marcos Spínola de Castro, a intensidade dos ânimos é fruto da falta de efetividade do Estado — Executivo, Legislativo e Judiciário – na hora de se mostrar justo e eficiente para a população, que assiste diariamente aos novos escândalos, que enfrentou uma grave crise econômica  e que sente as deficiências dos serviços públicos, apesar dos altos impostos. “Hoje, entendemos que essa questão está relacionada às injustiças cometidas pelo próprio Estado, o que tem gerado uma revolta exacerbada, que, consequentemente, gera o radicalismo”, analisa o empresário, que vê nessa sequência, na política, a motivação de grandes tensões, tanto de movimentos à esquerda quanto de grupos à direita.
“Está faltando um pouco de cultura política para diminuir a exacerbação que está acontecendo no país”, argumenta Spínola de Castro
Segundo Spínola de Castro, alguns partidos têm como princípio o radicalismo, estimulado por ações brutas e agressivas, não democráticas e não republicanas. “As mesmas armas são usadas pela extrema esquerda e pela direita, tornando uma parcela dos envolvidos agressiva, introspetiva e antidemocrática. Está faltando um pouco de cultura política para diminuir a exacerbação que está acontecendo no país”, ressalta o tucano, que ainda acredita que esses problemas são agravados por discussões que nascem na internet. “A função das redes sociais é destruir imagens, não construir. Não se dialoga e não se troca conteúdo ou ideias. Todos querem impor o seu ponto de vista. Política se faz no ouvir o contraditório. Quando o lado de lá só vem para destruir, fica impossível fazer política”, pontua Spínola.

Já para o advogado e presidente do diretório municipal do Partido dos Trabalhadores (PT) em Ribeirão Preto, Fernando Tremura, essas emoções exacerbadas são frutos de uma discussão política rasa. “Isso é ruim porque fere o processo democrático. No entanto, a situação chegou a tal ponto que as pessoas não querem mais discutir, apenas ofender, o que não é bom para ninguém. Essa relação tem que ser pacífica, senão, não chegaremos a lugar algum. Vivemos no mesmo país, na mesma cidade — estou me referindo aos dois lados dessa moeda. Não podemos concordar com essa animosidade”, ressalta o dirigente petista.
“Enquanto dirigentes partidários, temos de respeitar outras visões políticas, o que procuramos fazer o máximo possível”, salienta Tremura
Tremura ainda acredita que o debate político tem sido distorcido, distanciando-se do campo ideológico, o que, para ele, tem influência preponderante nos casos de violência. “Enquanto dirigentes partidários, temos de respeitar outras visões políticas, o que procuramos fazer o máximo possível. A orientação é fugir das agressões e dos debates que não estão relacionados ao campo político. Não entrar na provocação gratuita, que não leva a nenhum lugar. Procuramos debater apenas ideias”, continua o advogado. Para Tremura, em virtude dos últimos acontecimentos nacionais, o PT é um dos principais alvos da violência quando o assunto é política. “Nós, do PT, temos sofrido muito. Já jogaram uma bomba na sede do partido, cortaram uma faixa com faca, arrancaram adesivos dos carros ou somos xingados na rua. É uma violência desmedida”, relata.

A prisão do Lula

O dia 5 de abril de 2018 ficará marcado na história do Brasil. Esta foi a data em que o juiz da 13ª Vara Federal de Curitiba, Sérgio Moro, um dos ícones da Operação Lava Jato, ordenou a prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, após condenação em segunda instância no caso do apartamento tríplex, no Guarujá. Durante o julgamento, Moro considerou que o ex-presidente recebeu o imóvel da empreiteira OAS em troca de favorecimento em licitações de obras federais. Na ocasião, a expedição do mandado de prisão do ex-presidente dominou a pauta e levou muitas pessoas a protestarem, enquanto outras tantas comemoraram. 

Em um desses atos, na porta do Instituto Lula, na Zona Sul de São Paulo, o empresário Carlos Alberto Betoni se chocou contra um caminhão, após discutir com militantes petistas, entre eles, o ex-vereador de Diadema, município da região do ABC paulista, Manuel Eduardo Marinho, e seu filho Leandro. Betoni foi internado e passou por uma cirurgia para retirada de um coágulo na cabeça. A Polícia Civil de São Paulo indiciou o ex-vereador e seu filho por lesão corporal dolosa, quando há intenção de ferir. Betoni já recebeu alta, mas os dois acusados de agressão seguem foragidos. 

Para Tremura, esse é um exemplo da violência em que a intolerância política tem se traduzido. O dirigente do PT aponta, também, que os simpatizantes do ex-presidente Lula têm sido alvo de violência. Um episódio que chamou a atenção ocorreu com um ônibus que participava da Caravana Lula Presidente, que foi alvejado com tiros no Paraná. O caso ainda é investigado pela polícia estadual. “No caso do Instituto Lula, Betoni foi até a porta do Instituto e fez uma provocação. Obviamente, isso não justifica a agressão e não concordamos com ela, mas é importante salientar que ele saiu de onde estava e se achou no direito de ir xingar as pessoas ali reunidas. Em atividades convocadas por outros movimentos, não costumamos ir lá provocar ninguém, evitamos marcar eventos para o mesmo dia ou local. Isso é ruim porque fere o processo democrático, mas a situação chegou a tal ponto que as pessoas não querem mais discutir”, lamenta o petista.

Freud, Raul Seixas e Voltaire explicam

Para o historiador e cientista político Marcos Candeloro, as tensões e a intolerância no meio político são sinais de que as pessoas estão à procura de culpados para os problemas no país e, por isso, apontam determinados inimigos como responsáveis por eles. “Este é um pensamento tipicamente maniqueísta: é mais fácil para as massas se incluírem em um contexto. Ter alguém para atribuir seus problemas, como os nazistas fizeram com os judeus ou os americanos, com os comunistas, é conveniente para quem emite e recebe, mas tem alto grau de periculosidade, porque leva ao proibicionismo”, analisa o historiador.
“Ter alguém para atribuir seus problemas é conveniente para quem emite e recebe, mas tem alto grau de periculosidade”, afirma Candeloro
De acordo com Candeloro, essa postura não é nova e é tema de discussões desde o início da consolidação das democracias modernas. Segundo o historiador, Benjamin Franklin e Thomas Jefferson, “pais fundadores” dos Estados Unidos, já se preocupavam com o poder da maioria no século XVIII. “O poder da maioria é como se dois lobos e uma ovelha se reunissem para decidir o que terá para o jantar”, compara Canderolo, que acredita que, para combater esse maniqueísmo, é preciso que se compreenda o assunto e que se tenha mais liberdade. O cientista político resgata na memória uma famosa afirmação de Voltaire, um dos principais nomes da revolução francesa, pensamento em falta nos dias atuais. “Posso não concordar com o que dizes, mas defenderei até a morte o direito de dizê-lo”, diz a frase atribuída ao filósofo.

De acordo com o historiador, é preciso ter mais disposição para ouvir o que o outro tem a dizer para que não ficar preso a velhos paradigmas, o que gera espaço para a intolerância e para a violência.  “É o patamar de respeito à ideia alheia e à disponibilidade para ouvir. Nada é mais simbólico do que o pensamento de Raul Seixas, que preferia ser essa metamorfose ambulante do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo. Saber ouvir ideias diferentes e até mudar de opinião, eventualmente, é ser mais inteligente”, reforça o historiador.

De acordo com a psicóloga Roberta Rodrigues de Almeida, refletir e discutir são ações não apenas importantes, mas condições fundamentais para que haja crescimento pessoal e social. “Para que isso possa acontecer de forma saudável, é imprescindível retomar o pensamento de Freud, em sua obra ‘O mal-estar na civilização’, a respeito do narcisismo das pequenas diferenças, para nos ajudar a conversar sobre esta questão. Freud afirmou que: ‘seria injusto censurar a civilização por tentar eliminar da atividade humana a luta e a competição. Elas são indubitavelmente indispensáveis. Mas oposição não é necessariamente inimizade; simplesmente, ela é mal empregada e tornada uma ocasião para a inimizade’. O que presenciamos nos dias atuais tem muita semelhança com esta afirmação, não é mesmo?”, relaciona a psicóloga.
“As regras básicas de convivência, pautadas em agir de forma respeitosa com as pessoas a nossa volta, ficam prejudicadas”, avalia Roberta
Roberta acredita que as pessoas têm encontrado dificuldades em conciliar amizades com pensamentos distintos, como se oposição fosse sinônimo de inimizade. “O outro se torna alvo de intolerância ainda mais acentuada quando a diferença é pequena do que quando é acentuada. Deste modo, as regras básicas de convivência, pautadas em agir de forma respeitosa com as pessoas a nossa volta, ficam prejudicadas, pois se cria a ilusão ou até o delírio de que há superioridade de uma classe sob a outra ou de um partido político sobre o outro, o que obscurece a ideia dos direitos e dos deveres iguais para todos e, principalmente, prejudica o convívio social saudável”, explica a psicóloga. 

A especialista acredita que as pessoas têm dificuldade para aceitar as diferenças de opinião e de pensamento porque essa aceitação as tiraria da zona de conforto. Nessa situação, quando elas não estão preparadas para o debate de ideias, acabam extrapolando para a violência, seja física ou verbal. “Quando não há possibilidade de escutar, enxergar e respeitar o outro, a violência se torna uma consequência natural, pois o diferente é sentido como ameaça e a resposta imediata é a defesa por meio do ataque”, analisa. Para Roberta, é preciso passar por uma espécie de “sentimento de luto” para sair dessa situação, criando espaço para novas reflexões e elaborações de novos pensamentos.

Facada no abdome

Na tarde de 6 de setembro, o candidato à Presidência da República, Jair Bolsonaro (PSL), levou uma facada durante uma caminhada em Juiz de Fora, Minas Gerais. Bolsonaro era carregado por simpatizantes quando Adélio Bispo de Oliveira se aproximou e acertou um golpe no abdome do candidato. Detido na mesma hora, o autor da facada foi encaminhado à Polícia Federal, transferido para o Centro de Remanejamento do Sistema Prisional (Ceresp) de Juiz de Fora e, de lá, seguiu para o presídio federal de Campo Grande. Formado em Pedagogia, Oliveira assumiu a autoria do crime e diz ter agido por “motivações religiosas, de cunho político”. Oliveira, que foi vinculado ao PSOL entre 2007 e 2014 mas não tem filiação partidária atualmente, foi indiciado por “atentado pessoal por inconformismo político”, que pode render de 3 a 10 anos de prisão. Após o ataque, o candidato do PSL foi encaminhado à Santa Casa de Juiz de Fora, onde passou por uma cirurgia. Desde o dia 7 de setembro, Bolsonaro está internado no Hospital Albert Einstein, em São Paulo, onde segue se recuperando.

Texto: Leonardo Santos

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