Nem freud explica

Nem freud explica

Há mais de 90 anos, o psicanalista se questionava “o que quer a mulher?”, pergunta que, segundo a psicóloga Danielle Zeotti, permanece no ar, já que a mente do ser humano tende ao infinito

Há quase 90 anos, Sigmund Freud formulava a Marie Bonaparte, sua discípula, com uma boa dose de desânimo e de espanto, a questão: “O que quer uma mulher?”. De certa forma, fazia um desabafo frente à constatação de que, após 30 anos de pesquisa, pouco sabia sobre o universo feminino. 

Isso ocorreu em uma época em que a mulher desempenhava, basicamente, os papéis de mãe e de esposa. A mulher contemporânea, em termos de liberdade e de realizações, pouco tem a ver com aquele ser dócil que gritava sua insatisfação entrando nos consultórios com incômodos sintomas histéricos: ela briga, disputa o mercado, conquista seu espaço dentro e fora de casa. Como será que se sentiria Freud, hoje, em relação a essa mulher de tantas facetas e conquistas, nos mais variados âmbitos? Estaria às voltas com o mesmo questionamento? 

Para essa mulher, reflexo da década de 70, que começou a se libertar com a queima do sutiã em praça pública, para quem o céu, hoje, é o limite, a insatisfação está aplacada no que diz respeito aos seus desejos e objetivos, ou será uma eterna insatisfeita, que agora se assusta com a própria complexidade?  

Conforme a psicóloga Danielle Zeoti, a libertação e o reconhecimento estão aí, mas o que ela vê no consultório são mulheres extremamente exigentes consigo mesmas, sobrecarregadas — uma legião de culpadas. “Na década de 70, as mulheres pediram e, hoje, colocam-se na posição de serem exímias esposas, amantes, mães, profissionais e donas de casa, exigindo a perfeição em tudo. A cobrança muito alta é prima-irmã da culpa e o desafio, para as mulheres contemporâneas, é delegar funções, pegar leve consigo mesmas, satisfazerem-se com o que conquistaram”, afirma a profissional.

Danielle conta que, mais tarde, Freud chegou a uma conclusão muito importante. Platão, o primeiro filósofo, tinha uma máxima que explicava a humanidade: “O ser humano quer ser feliz”, ou seja, todos os seus comportamentos bons e maus se justificariam a partir dessa premissa.

Freud, então, contestou. “A partir do momento em que aceitamos a existência do inconsciente e acreditamos que há um lugar dentro de nós ao qual nem nós mesmos temos acesso — um baú repleto de desejos, vontades, pulsões das mais primitivas possíveis — é impossível aceitar que tudo o que o ser humano faz é para buscar a felicidade, porque, muitas vezes, o inconsciente o boicota”, explica a psicóloga. Hoje, se o pai da psicanálise fizesse a ela a mesma pergunta, Danielle responderia que não dá para explicar o que as mulheres querem pelo simples fato de que, muitas vezes, nem elas mesmas sabem.

Apesar de tudo, as mulheres seguem resolutas em sua busca de si mesmas. Está cada vez mais claro para elas que não precisam de um amor, da maternidade e de outro estereótipo ou clichê para serem felizes. “A mulher ainda não percebe que não tem que ser perfeita, que precisa diminuir a exigência em torno de si mesma e entender que não tem nada a provar a ninguém”, comenta Danielle. Claro que a cobrança social existe, mas a forma como a mulher reagirá depende exclusivamente dela: se ficar presa às amarras da sociedade e às suas próprias, a jornada se tornará difícil.

Se Freud estivesse aqui, hoje, certamente se sentiria frustrado, como quando fez a pergunta pela primeira vez. “Afinal, ele é homem”, justifica Danielle. No entanto, a psicóloga também acredita que ele estaria curioso e mais satisfeito ao perceber que as mulheres de agora falam com liberdade e naturalmente de seus anseios. “Freud iria se surpreender com a capacidade da mulher de agir, de exprimir seus sentimentos, pensamentos e emoções — isso o deixaria perplexo e fascinado ao mesmo tempo. Apesar disso, a pergunta continuaria no ar, afinal, não há uma resposta pronta. A mente do ser humano tende ao infinito”, ressalta Danielle. 


Quem sabe a arte não explica? 

Como um ser complexo, a mulher, muitas vezes, é boicotada por si mesma quando caminha rumo à própria compreensão. Se nem Freud conseguiu, quem sabe a arte e a literatura não podem, ao menos, apontar um caminho para se chegar perto da resposta tão cobiçada... Danielle Zeoti é quem dá as dicas.

 

Exemplos de mulheres

Para demonstrar a pluralidade característica da mulher contemporânea, 10 convidadas aceitaram posar para a fotógrafa Lídia Muradás na Casa de Família e revelar suas opiniões sobre algumas temáticas importantes na vida de qualquer mulher. 

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