O dia que não terminou
Início da deflagração da Operação Sevandija completou primeiro aniversário neste 1º de setembro

O dia que não terminou

Em 1º de setembro de 2016, o início da Operação Sevandija abalou Ribeirão Preto; um ano depois, a Revide relembra os principais fatos sobre a investigação

A  deflagração da Operação Sevandija, que chacoalhou Ribeirão Preto, completa o primeiro ano nesta sexta-feira, 1º de setembro. A ação aconteceu no dia seguinte à aprovação no Senado do Impeachment de Dilma Rousseff. Em Ribeirão Preto, houve manifestação na noite anterior de movimentos contrários ao afastamento definitivo da ex-presidente. A Polícia Militar conteve os manifestantes com bombas e balas de borracha. 

Quem presenciava aquele momento emblemático da política nacional não esperava que o dia seguinte fosse ainda mais representativo para Ribeirão Preto. As primeiras notícias sobre a Sevandija começaram a aparecer pela manhã, como o cumprimento de mandados judiciais que atingiram desde a Câmara Municipal até altos cargos da Prefeitura, chegando a então chefe do Executivo, Dárcy Vera.

Depois de um ano, estão presos preventivamente a ex-prefeita, Dárcy, o ex-secretário de Educação, Ângelo Invernizzi Lopes, o ex-superintendente da Coderp, Davi Mansur Cury, o ex-secretário da Casa Civil Layr Luchesi Júnior, o ex-secretário de Administração, ex-superintendente do Daerp e também da Coderp, Marco Antônio dos Santos. Continuam encarcerados, ainda, o ex-presidente da Câmara Municipal, Walter Gomes, os advogados Sandro Rovani e Maria Zuely Librandi, e a funcionária da Coderp, Maria Lucia Pandolfo —detida na Penitenciária Feminina de Sant’Ana, na Zona Norte de São Paulo. Os demais seguem presos em Tremembé.

A conclusão da primeira fase da Sevandija levou ao oferecimento, por parte da promotoria, de três denúncias à 4ª Vara Criminal de Ribeirão Preto e se referiam a três, dos quatro fatos investigados: terceirização de mão de obra a órgãos públicos por meio da Coderp; licitação e contrato entre Daerp e empresa privada para renovação da rede de abastecimento de água; e pagamento de honorários advocatícios decorrentes de acordo entre o Sindicato dos Servidores Municipais e o escritório de advocacia do qual a ex-advogada do Sindicato, Zuely, era uma das proprietárias; o quarto fato, que se refere à compra de catracas, ainda está sendo apurado.

Os julgamentos da operação têm avançado. As audiências de inquirição de testemunhas relacionadas ao processo que apura irregularidades na Coderp começaram em julho. Essa investigação também envolve nove ex-vereadores, além de personagens que frequentavam o alto escalão da administração municipal.

Entre dezenas de liminares para a concessão de habeas corpus, houve pedidos para o cancelamento do processo. Todos foram indeferidos pela Justiça, que mantém a postura de dar celeridade ao julgamento, abrindo a expectativa por parte do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), do Ministério Público de São Paulo, e da Polícia Federal, para que as primeiras sentenças saiam ainda em 2017.

As investigações apontam que foram desviados R$ 45 milhões em fraudes em licitações. Na operação, foram apreendidos ou bloqueados 68 imóveis, 66 veículos e mais de R$ 33 milhões em contas bancárias em dinheiro, além de mais 180 cabeças de gado, maquinário agrícola, obras de arte, artefatos de luxo, entre outros.Entre os presos da operação que seguem detidos está Layr Luchesi Júnior, ex-secretário da Casa Civil

A Justiça de Ribeirão Preto, por meio de decisão do juiz da 4ª Vara Criminal de Ribeirão Preto, Lúcio Alberto Eneas da Silva Ferreira, já determinou a venda antecipada dos veículos e de outros bens que podem perder seu valor, como cabeças de gado, por exemplo. Porém, as defesas recorreram contra a decisão e, agora, cabe ao Tribunal de Justiça de São Paulo confirmar ou não a medida. Caso confirme, os bens irão a leilão e o dinheiro obtido ficará à disposição da Justiça até o julgamento dos casos. Se as ações forem bem-sucedidas, esses recursos serão restituídos ao município. Em março, a Prefeitura de Ribeirão Preto se reuniu com o Gaeco apresentando medidas para que os cofres do município comecem a ser ressarcidos dos prejuízos envolvendo possíveis fraudes em licitações.

Dárcy Vera
Dárcy Vera foi presa na segunda fase da Operação Sevandija, denominada Mamãe Noel, em 2 de dezembro de 2016. A ex-prefeita está detida preventivamente em Tremembé desde maio, quando o Superior Tribunal de Justiça (STJ) cassou a liminar que a mantinha em liberdade. Em agosto, a ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal (STF) negou mais um pedido de habeas corpus solicitado pela defesa de Dárcy. A advogada da ex-prefeita, Maria Cláudia Seixas, que prefere não se manifestar sobre o caso, diz que aguarda os trâmites da Justiça que, segundo ela, estão caminhando  bem. Cláudia pediu, na última semana, para que Dárcy fosse liberada das audiências, marcadas para o fim de setembro, em Ribeirão Preto. Desde maio, Dárcy Vera está presa em Tremembé, juntamente com outros investigados

A ex-prefeita não quer voltar ao Fórum para evitar a exposição ao público e o risco à sua segurança. Dárcy já foi vaiada no Fórum,  porém, o juiz da 4ª Vara Criminal de Ribeirão Preto, Lúcio Alberto Eneas da Silva Ferreira, indeferiu o pedido protocolado, afirmando que é necessária a participação da acusada nas audiências para evitar qualquer situação que levante a possibilidade de anulação do processo e garantiu que todas as medidas de segurança já foram tomadas junto ao Fórum e à Polícia Militar para garantir a ordem e a tranquilidade nos trabalhos. “A dispensa de comparecimento da acusada poderia ensejar, aos olhos do público, uma ideia de privilégio incompatível com a Justiça, cujo símbolo, a Deusa Têmis, usa venda nos olhos, justamente para garantir o tratamento igualitário das partes”, escreveu o juiz no despacho.

Secretários, advogados e delatores
Os membros do alto escalão que permanecem presos são Marco Antonio dos Santos, Ângelo Invernizzi, Davi Cury e Layr Luchesi, que tiveram negadas liminares de habeas corpus recentemente para que pudessem ser soltos. Outros que permanecem detidos são os advogados Sandro Rovani e Maria Zuely Librandi, que teve registrado, no dia 24 de agosto, um pedido no STJ para ser libertada, em razão do longo tempo em que permanece presa.

Já o ex-presidente do Sindicato dos Servidores, Wagner Rodrigues, e o ex-diretor do Daerp, Luiz Mantilla, não têm se manifestado, já que fizeram acordo de delação premiada com a justiça. Em julho, Mantilla chegou a ser convocado para ir à Câmara Municipal para depor na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Daerp, porém, conseguiu uma liminar que o permitia a ficar em silêncio, como de fato ocorreu.

Os vereadores
O advogado de Walter Gomes, o único vereador preso, Júlio Mossin, diz que o cliente “a todo o momento se diz injustiçado” por ser o único a ter sido preso — Gomes foi alvo da terceira fase da Sevandija, a Operação Eclipse. A acusação do Gaeco é de que o ex-vereador estaria ocultando bens, o que poderia prejudicar as investigações.Dos nove vereadores afastados, Walter Gomes foi o único preso, sob suspeita de ocultação de bens
Ao todo, nove vereadores foram afastados dos cargos: Cícero Gomes, Walter Gomes, Capela Novas (o único a conseguir ser reeleito após a operação, mas que renunciou ao mandato), Samuel Zanferdini, Maurílio Romano, Evaldo Mendonça (Giló), Saulo Rodrigues, Genivaldo Gomes e José Carlos de Oliveira.

Após a deflagração da operação, a Câmara Municipal chegou a abrir uma comissão para cassar o mandato dos parlamentares, porém, um mandado de segurança de Maurílio Romano solicitava que a sessão fosse suspensa, alegando que não houve oportunidade de defesa. A Câmara entendeu que o mesmo deveria ser aplicado aos outros oito investigados. Um ano depois, a situação ainda tramita na Justiça, e o Legislativo diz que continua aguardando decisão judicial sobre o tema. 

 

As audiências
Estão marcadas para os dias 25, 28 e 29 de setembro as audiências com as testemunhas de acusação do caso dos honorários advocatícios de 28,35%, investigados na Operação Sevandija. Esse é um dos braços da operação que investiga a ex-prefeita Dárcy Vera. No processo estão inseridos, além de Dárcy, o ex-secretário e superintendente da Coderp e Daerp, Marco Antonio dos Santos, os advogados Maria Zuely Librandi, André Hentz e Sandro Rovani, e os advogados do ex-presidente do Sindicato dos Servidores Municipais, Wagner Rodrigues.

 

Lições da Operação
De acordo com o delegado da Polícia Federal, Edson Geraldo de Souza, chefe da PF em Ribeirão Preto, a Operação Sevandija pode fornecer informações importantes para a criação de mecanismos eficazes na transparência e no controle da administração municipal. 

O que vem depois da Sevandija?
Durante muito tempo nossa unidade teve uma forte atuação no combate ao tráfico de drogas. Em 2015, começamos uma diversificação, com ênfase em outros delitos, como crimes contra o sistema financeiro e corrupção, aperfeiçoando nossa unidade de inteligência. Passamos pela “Golden Boy” e, logo em seguida, veio a Sevandija. As investigações começaram em março de 2015 e se prolongaram até agosto de 2016, em conjunto com o Gaeco. A operação é um marco, ao lado de ações contra o tráfico, sem ênfase tão necessária na apreensão de drogas, mas também na distribuição e na estrutura do trafico de drogas. Em 2017, atingimos uma nova fase, com operações contra o crime. A Sevandija marca a evolução de nossa unidade de inteligência.

A proporção da operação era esperada?
Sabíamos que duas questões acabariam redundando em grande repercussão. Primeiro, o fato de se tratar de um ano eleitoral, e, também, a falta de recursos da administração municipal, que começava a aparecer.

Como prevenir que novos núcleos de corrupção se formem na condução de Ribeirão Preto?
A operação em si objetivava apenas parar os crimes que vinham sendo cometidos e, ao mesmo tempo, responsabilizar os autores do fato. É claro que esperamos que, uma vez deflagrada uma ação desta magnitude, não se volte a ver os mesmos crimes nas mesmas máquinas administrativas. No entanto, a operação em si não é uma solução profilática. É necessário que, a partir da Sevandija, os poderes Executivo e Legislativo, assim como a sociedade, entendam o funcionamento desses crimes, criem e exijam mecanismos de controle e de transparência. Como acontece na Prefeitura e na Câmara? Como são feitas as contratações? Como são realizados os pagamentos das licitações? Precisamos ter mecanismos de transparência e de controle baseados no que a operação revelou. Isso sim é uma forma de evitar futuras práticas. Não se pode creditar à operação o efeito definitivo de não praticar crimes porque o indivíduo viu outras pessoas serem punidas.

Qual foi o ponto chave da Sevandija?
O aprofundamento de parcerias feitas com o Gaeco nos permitiu chegar a três núcleos criminais, apontados pela Operação Sevandija. Por si só, a Operação é surpreendente, assim como pela quantidade de material apreendido e a velocidade da sucessão de episódios. Surpreende, também, o andamento processual, em razão da quantidade de réus envolvidos. Temos visto uma celeridade bem satisfatória. 

 

Exemplo a seguir
Para o promotor do Gaeco, Leonardo Romanelli, quando operações conjuntas, como a Sevandija, trazem resultados positivos, passam a servir, também, como motivação para a continuidade do trabalho.

A experiência em Ribeirão Preto deu ao Ministério Público e às polícias Civil e Federal mais legitimidade para realizar este tipo de investigação?  
Na nossa visão, tanto o Ministério Público quanto os órgãos policiais atuam de forma bastante ativa em casos de desvio de dinheiro público há muito tempo. Infelizmente, alguns casos graves do passado foram anulados pela Justiça, prorrogando a sensação de impunidade dos poderosos no país. Recentemente, este quadro mudou para melhor. Na região de Ribeirão Preto, destacamos que, antes da Sevandija, o GAECO participou de duas forças tarefas com a Polícia Civil do Estado de São Paulo, redundando em grandes operações que revelaram grosseiros casos de desvios de agentes públicos com graves repercussões: em 2015, a operação Q.I. desmantelou a atuação de políticos e empresários na fraude de licitações e concursos públicos em mais de 50 municípios de SP; já no início de 2016, a operação Alba Branca desvendou a atuação de cooperativas e agentes públicos que fraudavam contratos de merenda escolar — mais conhecida como Máfia da Merenda. Quando os resultados dessas investigações são palpáveis e quanto maior o envolvimento da sociedade, maior será a chance de fortalecimento dos órgãos de investigação, aumentando a possibilidade de repetir esses esforços.

A Lava Jato é um marco que inspira essas operações? Este é um momento diferente na história do Brasil?
A partir do Mensalão e, especialmente, com a Lava Jato, houve uma ruptura do paradigma até então vigente de que, quanto mais poderoso o alvo da polícia e do MP, maior a chance de anulação da Justiça. Esse novo cenário renovou a motivação de quem acredita na possibilidade de mudança na forma de atuação dos dirigentes. 

O ritmo do julgamento da Sevandija está acelerado para os padrões brasileiros?
Sem dúvida. Assistimos diariamente o esforço dos servidores e do Juiz da 4ª Vara Criminal, Dr. Lucio Alberto Enéas Ferreira, em conciliar o extraordinário volume de trabalho já existente no cartório (assim como nos demais cartórios judiciais Brasil a fora) com o anormal volume e peso das ações penais da Sevandija. A operação possui mais de 30 réus, nove presos e centenas de bens bloqueados. Um esforço e zelo elogiáveis, que nos leva a acreditar na validade do trabalho.

Compartilhar: