O dinheiro do futuro

O dinheiro do futuro

Criadas como alternativas monetárias independentes de bancos e governos, as moedas criptografadas, como os “bitcoins”, estão ganhando adeptos no mundo inteiro

Apesar das inúmeras facilidades oferecidas pelas instituições financeiras nos dias atuais, depender delas incomoda muitas pessoas. Justamente para desvincular a relação monetária dos bancos e de governos foram criadas as moedas criptografadas, integralmente reguladas pelos próprios consumidores.

A primeira e mais conhecida versão desse novo recurso, o “bitcoin”, surgiu por iniciativa de pessoas interessadas em criptografia. Os “cypherpunks” (termo cunhado pelo hacker Jude Milhon) seguem uma filosofia que defende o anonimato, a liberdade individual e a privacidade — foram eles, também, os responsáveis pelos primeiros espaços invisíveis da internet. O protocolo da nova moeda foi criado em 2008, pelo grupo comandado por um programador identificado como Satoshi Nakamoto.

O documento prevê um número fixo de moedas a serem produzidas — são apenas 21 milhões de unidades. Cada uma delas tem um código binário específico que a identifica, sendo que todos eles estão descritos na Blockchain, uma espécie de caderneta que registra as operações envolvendo a moeda. “A Blockchain funciona como um cartório. É o livro de registro das operações. Toda vez que você faz uma transação, uma consulta a essa caderneta vai certificar que aquele bitcoin existe”, explica Rafael Gariglio, investidor de uma mineradora de bitcoins, a Miner World. 

O empresário Rafael Gariglio é investidor da Mine World, mineradora de bitcoins

As mineradoras são startups responsáveis por encontrar novos códigos binários e, portanto, produzir mais moedas. Existem empresas do gênero no mundo inteiro e, quanto mais equipamentos para minerar determinado negócio tiver, maior e mais valorizado ele será. Esses equipamentos são como computadores especializados na captação de novos códigos. “Para fazer uma transação, preciso de uma mineradora para processá-la. Então, quem tem mais máquinas, capta mais operações de compra e de venda e, consequentemente, é remunerada em bitcoins”, explica Rafael. A relação se estabelece com base na quantidade fixa de bitcoins que podem ser produzidas por dia — mais uma vez, quanto mais máquinas, maior a chance de captar transações e também a remuneração.

Em outro paralelo, Rafael explica que as mineradoras funcionam para as moedas criptografadas como bolsas de valor, onde cada recurso tem uma taxa. “Suponhamos que eu esteja vendendo bitcoin: para efetuar a transação de compra e de venda, uma taxa é cobrada”, comenta o empresário. Os equipamentos usados para produzir as moedas gastam muita energia e nunca são desligados, por isso, países onde a energia elétrica é barata costumam manter mineradoras maiores. “O aparelho fica o dia inteiro ligado, processando. Uma máquina dessas tem a capacidade de produzir um bitcoin por mês e custa em torno de U$ 1.350”, conta Rafael. 

Para fazer parte de uma mineradora como a Miner World, segundo o empresário, é preciso ser convidado. “A partir daí, faz-se um aporte financeiro, revertido em bitcoins. Em vez de comprar uma máquina, ligar na sua casa e apagar o bairro, você ajuda a comprar a máquina e, ao longo do ano, a empresa vai minerar e devolver sua parte em dinheiro, conforme combinado. Com a moeda em mãos, existe a opção de ficar com ela ou liquidá-la no mercado”, explica. 

Volátil demais?

Apesar de taxas bem menores e da independência, o uso da moeda ainda gera muitas dúvidas. Segundo Cláudio Lucinda, professor associado do Departamento de Economia da Faculdade de Economia, Administração de Empresas e Contabilidade de Ribeirão Preto (FEARP-USP), o risco das moedas descentralizadas é a irreversibilidade das transações. “Já a principal vantagem desse recurso monetário é a independência completa das autoridades. Neste sentido, pode-se dizer que as moedas criptografadas são uma forma de transferir recursos entre países de forma mais barata do que as alternativas convencionais, como bancos e empresas especializadas em remessas internacionais de recursos”, ensina o professor. Por outro lado, há alguns perigos. Por distração ou por métodos ilegais, por exemplo, alguém pode vir a acessar a carteira virtual e transferir os recursos, ação que, segundo o economista, não pode ser revertida.

Ainda assim, a moeda tem se valorizado meteoricamente desde sua criação. Quase 10 anos atrás, um bitcoin equivalia ao que vale uma pizza. Hoje, uma única moeda chega a custar cerca de R$ 17.350,00. “O bitcoin, assim como outras moedas do gênero, é um exemplo extremo de moeda fiduciária. Ou seja, o valor que ela tem é o que os outros usuários da moeda estão dispostos a pagar em troca. Chamo de ‘exemplo extremo’ porque, hoje em dia, toda moeda, inclusive o Real, tem a mesma característica. Porém, os recursos tradicionais podem ser usados para honrar obrigações junto ao governo, o que dá mais estabilidade ao seu valor, em relação a alternativas como o bitcoin. Neste sentido, é de se esperar que haja maior volatilidade no preço do bitcoin nos próximos anos. Com isso, quero dizer que o preço irá oscilar bastante para cima e para baixo. O investimento em moedas criptografadas, portanto, não é para fracos de estômago, mas para aqueles que lidam bem com esses movimentos. Afinal de contas, se as pessoas acreditarem que, em um determinado momento, o recurso não pode mais comprar aquilo que podia antes, passarão a vender suas reservas, causando uma queda no preço”, explica Cláudio.

O economista Cláudio Lucinda explica que a valorização das moedas criptografadas ocorre por conta da demanda

Nos Estados Unidos, a moeda enfrentou várias tentativas de controle por parte do governo, inclusive, ser incorporada por grandes empresas e pela Bolsa de Valores de Nova Iorque. No Brasil, o Banco Central está analisando o assunto, mas ainda não há regulamentação para moedas criptografadas. Apesar de não haver nenhuma decisão até o momento, a principal instituição financeira do país é contra a regulamentação por não encontrar elos nas dimensões jurídicas e econômicas para reconhecê-las como moedas.

A finitude de moedas disponíveis também significa um aumento de sua valorização no futuro, segundo Claúdio Lucinda. “O preço do bitcoin irá, inevitavelmente, subir com o tempo, pois, com a economia mundial crescendo, um estoque fixo da moeda acaba comprando mais bens e serviços. Porém, o aumento que observamos atualmente no preço é forte demais para que possamos atribuir o valor a uma consequência apenas dessa movimentação”, pondera o economista.

O anonimato

Com a descoberta e a notoriedade de crimes virtuais usando, principalmente, o bitcoin como forma de pagamento, o anonimato de quem lida com as moedas criptografadas passou a ser debatido pela mídia. Para Rafael, o registro do usuário na Blockchain, mesmo que por meio de códigos, impede que as transações sejam totalmente anônimas. “É preciso encontrar mecanismos que permitam rastrear o bitcoin, mostrando de onde saiu e para onde foi determinada moeda, o que pode ser feito, pois cada usuário tem um IP. No entanto, se o negociador tem um celular pré-pago sem registro, por exemplo, fica mais complicado acompanhar a trajetória da moeda, mas ainda assim é possível”, esclarece o empresário. 

A facilidade oferecida pela criptografia da moeda não a torna, no entanto, mais ou menos suscetível à criminalidade do que as outras. “Não dá, por exemplo, para furtar uma carteira cheia de bitcoins. O que se pode fazer com esses recursos são crimes que não diferem muito do ato de esconder dinheiro em dólar”, completa Rafael. 

Vantagens no pagamento

Além de usuários que investem na moeda, muitas empresas estão fazendo negócios utilizando esse recurso. “Estou prestes a me cadastrar. A vantagem é que se eu recebo uma compra em bitcoins, não tenho, necessariamente, que liquidar no mesmo momento. Em um mês posso lucrar muito mais do que teria ganho com o valor da compra”, explica Rafael Gariglio, que está à frente da pizzaria Prima Classe. A agência Scheeeins, que trabalha com eventos de luxo pelo Brasil, já é adepta da moeda. “O principal benefício é oferecer conveniência para o público. Alguns dos clientes são estrangeiros, especialmente, durante o Réveillon na Bahia. Isso facilita muito a burocracia do pagamento, além de ser mais barato para o consumidor. Afinal, usando bitcoins, eliminamos todas as taxas de uma transação internacional”, explica Victor Reis, representante da agência.

Outras moedas

O bitcoin foi a primeira moeda criptografada. Com o tempo, outras foram surgindo e, com elas, novos sistemas e valores. A seguir, confira a média de valores em dólares das principais criptomoedas. 

Em Dólar (U$)
Bitcoin - 5.400
Ethereum - 305 
Litecoin - 58
Dash - 291

As máquinas responsáveis por minerar as moedas criptografadas são como computadores especializados

Texto: Tainá Colafemina

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