Paixão pela estrada

Paixão pela estrada

O desejo de liberdade e a vontade de aproveitar as belezas do continente como verdadeiros viajantes fizeram com que casais de Ribeirão Preto optassem por motorhomes

Desde que decidiram doar a casa de aproximadamente 150 m² a um dos filhos recém-casado, em 2008, o profissional liberal Ailton Balieiro, distribuidor de livros espíritas de Sertãozinho, e sua esposa Edna Balieiro vivem sem raízes viajando o Brasil a bordo do motorhome da família. A paixão pela estrada e pela experiência de conhecer novos lugares com mais liberdade fez com que o casal doasse grande parte do que hoje consideram “tralhas” para viver em uma casa móvel.

Ailton lembra que a mudança foi um pouco traumática, pois eles estavam acostumados à vida em uma casa espaçosa e precisaram aprender a dividir um espaço de aproximadamente 20 m² e a praticar, acima de tudo, o desapego. “Dividimos o espaço no guarda-roupa, distribuímos nossos utensílios domésticos na nova casa e doamos o que não coube. Então, começou aquela ‘guerra’. Na época, eu tinha um carro que precisou ser carregado e descarregado sete vezes para fazer a mudança”, conta Balieiro, que distribuiu as “tralhas” em um bairro da periferia de Sertãozinho, cidade onde tinha a casa e hoje mantém apenas um terreno como garagem para o motorhome quando o casal está na cidade.

Antes de comprarem o veículo que hoje serve perfeitamente como moradia, o casal conta que sempre foi apaixonado por viagens. Naquela época, a melhor opção para eles era o acampamento. Com o passar do tempo, compraram uma carreta-barraca, depois um trailer e, em seguida, um motorhome.

Período de adaptação
Com alguns amigos questionando se o casal havia enlouquecido, Ailton e Edna decidiram fazer um teste de três meses para adaptação à nova vida. Segundo ele, caso não desse certo, eles venderiam o veículo e voltariam a morar em uma “casa fixa”. “Quando o prazo estipulado passou, fizemos uma avaliação para analisar nossa situação e o resultado foi até interessante: a única coisa que sentimos falta foi de uma jarra de suco, pois, como havíamos doado tudo, ficamos sem. Fomos a uma loja de R$ 1,99, compramos uma nova e resolvemos nosso problema”, brinca Ailton.

Trabalho e paixão
O casal é responsável pela organização da Feira do Livro Espírita de Sertãozinho, realizada há mais de 30 anos, e, como os dois passam bastante tempo na estrada, decidiram levar as obras literárias e idealizar a Feira Itinerante do Livro Espírita. Em 2014, passaram por oito cidades do interior do Nordeste, realizando uma feira por semana. A edição deste ano começou no dia 19 de junho e a família Balieiro pretende passar por quinze cidades nordestinas. “Para esta edição da feira, nós melhoramos a estrutura. Em 2014, tivemos problemas com a falta de energia e o alto índice de chuva no Nordeste. Então, compramos umas barracas sanfonadas, que são fáceis de montar e instalei um painel solar no motorhome. Nossa intenção é realizar uma feira por semana novamente”, explica Ailton.

Realizando um sonho
Edna recorda que vivia entrando em outros motorhomes, inclusive de artistas circenses, para conhecer. “Lembro de sentar para tomar café na minha casa e ficar mentalizando um motorhome estacionado na minha garagem. Acredito muito nisso de ir me fortalecendo intimamente para escolher as prioridades e questionar os gastos com determinadas coisas. Economizando, uma hora acontece. E aconteceu”, conta Edna.

A dica de Ailton Balieiro para quem deseja viver em motorhome é, inicialmente, conhecer cada veículo e conversar com quem já leva uma vida parecida. “Muita gente pensa em se aposentar para ter uma vida como a nossa. Eu não acho que seja um plano de aposentadoria; é um estilo de vida que deve ser iniciado na juventude”, aconselha.

Grupo
O número de adeptos das “casas motorizadas” parece crescer a cada dia. Na região de Ribeirão Preto, por exemplo, há o grupo Sem Fronteiras-RP, que reúne aproximadamente quinze motorhomeiros. O casal Jenuário Ferreira Alvim e Maria Castro Alvim é um dos idealizadores do grupo e proprietário de um dos veículos que integra a caravana.

Além do Sem Fronteiras-RP, há muitos outros grupos espalhados pelo Brasil, como o Pé na Estrada (SP), que em abril reuniu mais de 100 motorhomes durante o aniversário do grupo. Tem, ainda, o migos do Rio (RJ), o Uai (MG), o Toca (ES) e o Estradeiros (PR). Há um encontro realizado em Santa Helena, que reúne cerca de 500 motorhomes.

Aventura na Terra do Fogo
Entre fevereiro e março de 2010, Jenuário e Maria, juntamente com outros três casais, percorreram 16 mil quilômetros até Ushuaia, na Patagônia Argentina, sul do país. Além das belezas latino-americanas que os viajantes brasileiros testemunharam, com a liberdade proporcionada pelo motorhome, na madrugada do dia 27 de fevereiro daquele ano, o grupo, que dormia em um posto de gasolina na cidade de Valparaíso, no Chile, foi surpreendido pelo terremoto de magnitude 8,8 graus que assolou o país. “Foi um caos! Depois que passou o tremor, fomos abastecer os veículos e logo, em seguida, começaram a chegar carros de todos os lados porque a orientação dada à população, em caso de terremoto, é de que os moradores deixem a cidade e vão para um local deserto. As pessoas ficaram cerca de três dias dormindo nos carros, acabaram os mantimentos no posto de gasolina e não havia comunicação”, recorda Alvim.

Embora a viagem tenha proporcionado um pouco mais de aventura, ele e a esposa revelam que a beleza dos lugares que visitaram, que muitas vezes ficam fora dos roteiros propostos pelas agências de viagens, ainda é a maior lembrança. Quando retornou, o grupo organizou uma nova expedição, que teve início em fevereiro de 2012, para Machu Picchu, no Peru, passando pela Argentina e pelo Chile. Muitos quilômetros depois, o casal planeja para outubro de 2015 uma viagem ao Nordeste brasileiro, pois, até então, haviam viajado mais para outras regiões do país, como o Sul. Como todo viajante tem um local favorito para visitar, com o casal ribeirãopretano não seria diferente. Para Alvim e Maria, o lugar que gostam de estar é a estrada. “Qualquer uma delas”, conclui Alvim. 

Curiosidades

- Os motorhomes são classificados como veículos recreativos e se tornaram populares nos Estados Unidos e na Inglaterra ao término da Segunda Guerra Mundial.

- A fábrica norte-americana Airstream, fundada em 1934 — a mais antiga do gênero —, foi responsável por ditar as regras da produção desses veículos.

- Segundo estimativa da Associação Brasileira de Campismo (Abracamping), há cerca de 1.800 donos de motorhomes e dois mil de trailers no país.

- Nos Estados Unidos, onde esta cultura é mais difundida, uma em cada 12 famílias proprietárias de automóveis possuem um motorhome na garagem.

Texto: Bruno Silva
Fotos: Julio Sian e arquivo pessoal

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