Ribeirão do Amanhã

Ribeirão do Amanhã

Para comemorar os 163 anos de Ribeirão Preto, a Revide projeta o município em 30 anos e debate os principais desafios que devem ser enfrentados na preparação da cidade para o futuro

Para que Ribeirão Preto saísse do pequeno vilarejo ao redor da Capela de São Sebastião das Palmeiras, em 1856, e se transformasse na capital do agronegócio de 694 mil habitantes, muitas pessoas precisaram projetar seus pensamentos para o futuro. Em 1887, a Câmara Municipal de Ribeirão Preto libertou os escravos da cidade, um ano antes da assinatura da Lei Áurea. Em 1903, um jovem inventor, chamado Alberto Santos Dumont, recebeu um auxílio do município no valor de um conto de réis para que prosseguisse as pesquisas que, três anos mais tarde, resultariam na criação do avião. Já no século XX, médicos e educadores da cidade apoiaram o movimento de interiorização da educação superior no Estado de São Paulo. Rompendo a desconfiança, em 1951, foi fundada a Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP), dando início às atividades Universidade de São Paulo (USP) na cidade. Esses são apenas alguns dos exemplos de pessoas que tiveram ideias visionárias. E atualmente, quem está pensando no futuro em Ribeirão Preto? Quais devem ser os caminhos tomados no presente que irão render bons frutos daqui a 30 anos?

Para especialistas ouvidos pela reportagem da Revide, a educação é um tema recorrente e basilar para o desenvolvimento de qualquer comunidade. Dados recentes revelam que, em âmbito nacional, Ribeirão Preto não é uma cidade com indicadores “ruins” de educação. Por outro lado, ainda está longe do ideal. De acordo com o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) do Governo Federal, nos últimos anos o município tem se mantido ou na meta ou abaixo dela. Em 2017, último ano da medição, a média das escolas públicas na cidade foi de 6,1 — a meta era de 6,2. Para os anos finais, o cenário é mais delicado. Em 2017, as escolas públicas da cidade tinham como meta a nota 5,4, mas conseguiram apenas 4,7.  

Para o doutor em Educação pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e professor titular da USP José Marcelino de Rezende Pinto, apesar de o Ideb ser um indicador importante, é preciso relativizar e entender a fundo os números. "O Ideb é impactado por fatores extracurriculares, como a situação socioeconômica da família ou a escolaridade dos pais", explica. Por isso, segundo o professor, é necessário pensar no ensino em sua totalidade dentro e fora da sala de aula. Para ele, é essencial manter uma continuidade no planejamento da Educação, o que não vem acontecendo. "Já tivemos os desmandos no governo Dárcy Vera, principalmente na Educação. Agora temos também uma falta de continuidade no governo de Duarte Nogueira (PSDB), com o terceiro secretário da Educação", comenta José Marcelino.  

Além disso, Ribeirão Preto é um dos únicos três municípios do Estado que não possuem um Plano Municipal de Educação (PME) aprovado. O documento mais recente, que começou a ser elaborado em 2015, recebeu parecer contrário da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Vereadores, em maio deste ano. Os parlamentares alegaram que o Executivo não deu tempo suficiente para a análise do projeto por toda a sociedade, além de ser “vago” ao não estipular metas concretas a serem alcançadas. A discussão para a regulamentação de um PME, contudo, prolonga-se desde 2008. José Marcelino avalia que, para pensar no futuro, primeiramente é necessário ter um PME que extrapole as necessidades políticas dos gestores. Ademais, ele aponta para outros fatores que devem ser motivo de atenção nos próximos anos: aumento das salas de informática nas escolas, redução do número de alunos por sala de aula, vinculação de mais impostos aos repasses da educação e a valorização do professor, tanto na remuneração quanto na participação ativa nos conselhos municipais.  Por meio de nota, a Secretaria da Educação informou que irá retomar o texto-base que foi discutido em 2015 e atualizará junto aos diversos setores que compõem a educação do município, construindo um documento consensual. Depois, o texto será submetido ao Legislativo para discussão e aprovação.

Para se consolidar como uma das cidades mais importantes do Estado e do País, muitos ribeirãopretanos precisaram pensar no futuroSaúde e segurança 

Apesar de ser uma referência em pesquisa na área da Saúde, Ribeirão Preto ainda tem muito o que progredir no atendimento à população, principalmente, a mais carente. Dados obtidos no serviço de Informação e Gestão da Atenção Básica (e-Gestor), do Ministério da Saúde, apontam que em março de 2019, a cobertura do programa Estratégia Saúde da Família (ESF) era de 22%, com a Atenção Básica chegando a 51% da população. Segundo o Governo Federal, a ESF busca promover a qualidade de vida da população e intervir nos fatores que colocam a saúde em risco. Com a intenção de prover uma atenção integral, equânime e contínua, a ESF é uma porta de entrada do Sistema Único de Saúde (SUS). Apesar de ter progredido — em 2009, a cobertura da ESF era de 13% —, Ribeirão Preto ainda está muito abaixo dos índices nacional e estadual. A cobertura no Estado de São Paulo é de 39% na ESF e 60% na Atenção Básica. Já no âmbito nacional, o número sobe para 63% na ESF e 74% na Atenção Básica. Segundo a Secretaria Municipal da Saúde, estão sendo implantadas equipes de Saúde da Família de acordo com as possibilidades orçamentárias do município e com o Plano Municipal de Saúde.
"O brasileiro é bi tributado, nós já pagamos pela saúde”, comenta o cirurgião José Sebastião dos Santos sobre o crescimento dos planos de saúde

Na visão do cirurgião e professor da FMRP-USP José Sebastião dos Santos, a cidade já possui uma equipe robusta na área da Saúde, o que deveria ser priorizado pela administração pública é a melhora na gestão. “Precisamos de gestores comprometidos. Gestores com bom conhecimento e compromisso com a população. Não devem assumir o cargo para atenderem interesses próprios ou de corporações”, avalia o cirurgião. Desse modo, o especialista pondera que o município precisa pensar em um modelo racional de acordo com as necessidades da população. A Atenção Básica supre o atendimento “racional”, uma vez que auxilia para melhorar os indicadores da Saúde antes do indivíduo ser hospitalizado. “A Atenção Básica observa fatores externos como fatores econômicos, de infraestrutura, ambiental, o nível de escolaridade e até a cultura”, explica. 


Por isso, para o cirurgião, o crescimento de 28% no número de planos de saúde em Ribeirão Preto entre 2009 e 2018 aponta para uma ineficiência do setor público em atender a demanda da população. "O brasileiro é bi tributado, nós já pagamos pela saúde. Tem gente que fala que tem de ter menos Estado em tudo. Não é bem assim, em setores de políticas sociais e saúde é necessária a figura do Estado para regular". Por fim, Santos que ocupou a cadeira de secretário da Saúde no município entre 2005 e 2006, afirma que outro motivo que faz com que a cidade não consiga vislumbrar um futuro melhor é a falta de investimento nos profissionais. “O capital humano é um dos principais fatores na Saúde”, assegura. Com a experiência adquirida no cargo, José Sebastião assegura que muitos profissionais que atuam no atendimento à população ribeirãopretana estão com os conhecimentos defasados. 
Para o advogado e especialista em segurança, Ricardo Alves de Macedo, o melhor caminho para reduzir a criminalidade a longo prazo é a melhora da Educação
Semelhante à Saúde, apesar de os ribeirãopretanos viverem em uma das regiões menos violentas do país, os indicadores da violência ainda não são modelos a serem seguidos. O sentimento de insegurança não diminuiu em 2019 — pelo contrário. Os casos de roubo sofreram aumento de 12% no primeiro trimestre de 2019: de janeiro a março foram registrados 914 casos. Em 2018, foram 825. Já os furtos aumentaram 1%. De 2.473, em 2018, passaram para 2.498 em 2019. Além disso, o ano passado terminou como sendo mais violento que os anos anteriores: registrou alta de 17,9% de homicídios dolosos, segundo dados da Secretaria de Segurança do Estado de São Paulo (SSP). Para o advogado e especialista em segurança Ricardo Alves de Macedo, o melhor caminho para reduzir a criminalidade — a longo prazo —, é a melhora da Educação. “Não dá para conceber mais uma sociedade que se contenta em somente saber escrever o nome e sequer consegue interpretar bem um texto”, explica. Para o advogado, uma boa educação parte do exemplo dos pais à boa qualidade das escolas. 

Ricardo avalia que para pensar em uma cidade mais segura para o futuro, é necessário, de imediato, valorizar os policiais. “Melhor aparelhamento, treinamentos constantes, isenções tributárias a seus integrantes, bem como o pagamento de salários dignos aos nossos policias”, diz. O advogado acrescenta que é preciso aperfeiçoar o aparato judicial. “Isso para que a morosidade não se faça presente, bem como aos Ministérios Públicos, como maneira de possuírem o número adequado de integrantes em suas carreiras”, afirma. 

Não obstante, no momento não há uma discussão ampla no município. O Conselho Municipal de Segurança Pública não se reúne desde abril de 2017. A defasagem é tamanha que na página do Conselho, no site da Prefeitura, o cargo de presidente aparece como sendo ocupado pelo ex-vereador Samuel Zanferdini, investigado pela Polícia Federal na Operação Sevandija. Questionada sobre a situação do Conselho, a Prefeitura informou que ele foi dissolvido por irregularidades na diretoria e está em fase de reformulação.



 


Em 2050, a população de Ribeirão Preto será de 723 mil habitantes. O número só não é maior, porque, a partir de 2040, a população começará a encolher, em razão do envelhecimento



Trânsito

Pensar a cidade para os próximos anos é pensar em um lugar cada vez mais populoso e integrado aos diversos municípios da Região Metropolitana de Ribeirão Preto (RMRP). Segundo estimativa do da Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados (Seade), em 2050, a população de Ribeirão Preto será de 723 mil habitantes. O número só não é maior, porque, a partir de 2040, a quantidade de habitantes encolherá, em razão do envelhecimento. Estima-se que daqui a 30 anos, um terço da população de Ribeirão Preto terá mais de 60 anos. Paralelamente, quem for governar Ribeirão Preto em 2050 também deverá se atentar para o crescimento do número de automóveis. Nos últimos 20 anos, a frota de veículos na cidade cresceu 148%, de acordo com dados do Departamento Estadual de Trânsito de São Paulo (Detran.SP), passando de 215 mil automóveis em 1997 para 523 mil em dezembro de 2017. 
Para o especialista em trânsito Luiz Gustavo Corrêa, o futuro da mobilidade urbana está no transporte público e sustentável
Para Luiz Gustavo Corrêa, especialista em planejamento e gestão de trânsito, é muito difícil “recuperar” as escolhas equivocadas feitas no passado em relação à mobilidade urbana, as quais priorizavam o automóvel em detrimento de meios de transporte coletivos e sustentáveis. Por isso, o especialista pondera que é preciso fornecer novas formas de transporte de qualidade para a população. Luiz orienta que, para os próximos anos, o município deve ampliar o uso das ciclovias. "Quando falamos de ciclovia, não pensamos nos ciclistas, mas, sim, para dar alternativa às pessoas que não utilizam a bicicleta como forma de transporte a optar por outro meio que não seja o carro", comenta. Por fim, argumenta que é necessário repensar a política de transporte público na cidade. "Enquanto o transporte coletivo não for de boa qualidade, as pessoas não vão utilizá-lo. Ninguém quer mudar para uma coisa que não é boa", critica. Para o especialista em trânsito, o governo deve priorizar investimentos no transporte público, ampliar o número de linhas e priorizar a implantação de corredores exclusivos para ônibus, além de intensificar a fiscalização e o controle de trânsito. 


Em busca de igualdade 

Ribeirão Preto enfrenta diversas formas de desigualdade social que devem ser levadas em consideração em um planejamento a longo prazo. Atualmente, cerca de 34 mil pessoas possuem uma renda menor que R$ 179 por mês, o equivalente a R$ 6 por dia. Dessa população, 4,8 mil são crianças de até seis anos. Ademais, violência é outro fator que caminha lado a lado com a desigualdade. De acordo com dados da Patrulha Maria da Penha, a cada dois dias uma mulher sofre violência doméstica em Ribeirão Preto. Em uma pesquisa realizada pela Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto (EERP) da USP, em 2017, foi detectado que a maioria casos de violência contra jovens homossexuais parte da própria família. A falta de mecanismos legais e estruturas de proteção dessas pessoas afeta a falta de amparo e a subnotificação dos casos. É o que afirma o publicitário e presidente da ONG Asgattas, Washington Ricardo. Atuando há 10 anos em prol das Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transexuais (LGBT), Washington avalia que o debate sobre o preconceito pouco tem avançado no âmbito municipal.

“A questão da discussão de gênero no PME não avança, principalmente por uma forte bancada conservadora da Câmara. A Educação é, sem dúvida, o principal mecanismo para se pensar a desconstrução do preconceito e posteriormente da violência”, explica. O ativista lamenta que, no cenário atual, é difícil medir como estarão as políticas públicas voltadas ao combate às desigualdades nos próximos 30 anos. Contudo, não descarta que as pequenas ações realizadas por ONGs e entidades irão resultar em bons resultados no futuro, mas, para que elas sejam efetivas, deve haver a chancela do poder público. “O Estado não pode se ausentar da responsabilidade que tem de garantir segurança e dignidade para todos”, conclui.



Texto: Paulo Apolinário Fotos: Ibraim leão e Luan Porto 

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