Volta ao mundo de bike

Volta ao mundo de bike

Nada além das rodas, correntes e pedais, que não um kit de camping, uma máquina fotográfica e o desejo de conhecer o mundo

Nada além das rodas, correntes e pedais, que não um kit de camping, uma máquina fotográfica e o desejo de conhecer o mundo. Pelo caminho, o casal André e Karla Silva Cerri, vai deixando o rastro dos pneus de suas bicicletas. O casal não tem pressa, por isso, escolheu a “magrela” como veículo para conhecer boa parte do mundo numa jornada programada para durar quatro anos, passando por países da Europa, Ásia, Oceania e América do Norte. “Nosso principal objetivo é conhecer o máximo de países, pessoas, culturas, comidas, temperos e histórias que pudermos”, explica o fotógrafo André Cerri.

Ainda no Brasil
Antes de cair na estrada, o casal mantinha uma vida comum para os padrões atuais: apartamento, carro e emprego. Depois de decidirem sair pelo mundo pedalando, André e Karla trataram de juntar dinheiro, comprar bicicletas e equipamentos necessários para a viagem. Alugaram o apartamento para novos inquilinos, venderam o carro e boa parte do equipamento fotográfico de André. “Trabalhamos duro por três anos. A Karla, por exemplo, teve três empregos ao mesmo tempo. Com venda dos bens e o aluguel do apartamento, temos uma renda mensal que dá para cobrir nossos gastos,  em torno de 40 euros por dia”, contam.

O país escolhido como “marco zero” da viagem foi a Holanda e, com a maioria do equipamento comprado, os dois desembarcaram em Amsterdã. “Por nunca termos sido ciclistas, acostumar com o pedal por lá foi uma escolha lógica. É um país plano com mais de 20.000 km de ciclovias e dezenas de campings. Um paraíso”, afirma André.

Inspiração
Após visitarem uma exposição do fotógrafo francês Henri Cartier Bresson, no SESC Santana, em São Paulo, André Cerri, por força do destino, encontrou nas prateleiras da loja do SESC o livro de estrada “Caminhos”, do arquiteto mineiro Argus Caruso Saturnino.

No livro, Caruso expõe as imagens da viagem de três anos e meio que fez de bicicleta, percorrendo mais de 35 mil quilômetros e passando por 28 países. “Naquela época, já tínhamos começado a pesquisar sobre o ticket aéreo de volta ao mundo. Mas inspirados no Caruso, decidimos viajar de bike, pois é mais barato, mais flexível, faz bem à saúde e ao meio ambiente, além de proporcionar um contato mais próximo com as pessoas”, argumenta o fotógrafo.

O casal está fora do conforto do lar desde março de 2012 e já passaram por Holanda, Bélgica, França, Inglaterra, Espanha, País Basco, Portugal, Marrocos, Itália, Grécia, Albânia, Croácia, Eslovênia, Sérvia, Bulgária, Turquia, Irã, Turcomenistão e nesta semana estão no Uzbequistão. De onde partirão para o Quirguistão e em seguida à China. Tudo isso dentro de um mês.

“Escolhemos conhecer o nosso mundo assim, e aqui estamos, falando com estranhos, dormindo em granjas, portos, salões de eventos, vestiários de campos de futebol, provando novos sabores, alguns bons outros não, visitando velhos amigos e fazendo muitos outros novos”, listam.

Durante o primeiro ano de estrada, o fotógrafo afirma ter conhecido a solidariedade humana, muitas vezes esquecida, quando as pessoas abriram as portas de suas casas, em várias oportunidades, oferecendo abrigo, alimento ou simplesmente uma xícara de café. “Eles choram quando partimos. Sei que deixamos um pouco de nós e levamos muito conosco. É uma enorme recompensa. Levamos ânimo para subir montanhas, enfrentar vento, chuva e calor sufocante novamente. Tudo isso para deixar que o inesperado nos surpreenda novamente. Seguimos em frente, pois não há como pedalar para trás”, ressalta André.

O casal passou pela Bélgica, em seguida pela França e chegou ao Caminho de Santiago da Compostela pelo norte, percorrendo a costa. No caminho, os aventureiros conheceram Pere e Naiara, um casal de Barcelona que se interessou pela história dos brasileiros e fez o convite para passarem Natal e Réveillon em sua companhia. Coincidentemente, o plano era sair da França, cruzar o Marrocos e chegar à Barcelona. Quatro meses e 4.000 km depois, Carla e André chegaram ao destino para passar as festas com os novos amigos. “Fomos recebidos pelos pais da Naiara, em Reus, uma cidadezinha charmosa ao sul de Barcelona. Ficamos mais alguns dias com o casal e seguimos viagem”, recorda Karla.

Dificuldades
As adversidades também estão na lista das experiências vividas pelos aventureiros neste primeiro ano de estrada. André ficou doente na passagem pelo Marrocos e o casal precisou viajar até Tafraoute, uma vila ao sul do país, única opção com mais recursos médicos, caso o fotógrafo precisasse. Faltavam 30 km para a vila, mas ventos de aproximadamente 50km/h impediam a viagem. Por sorte, o casal conseguiu carona com o motorista de uma van. “No caminho, vimos que seria realmente impossível realizar aquela pedalada”, recorda André.

Karla também passou por momentos críticos em alguns pontos da viagem. “Minha maior dificuldade foi quando tive uma indisposição em um trajeto com 1.800 metros de altitude. Chegamos a  um vilarejo do Marrocos, no meio do nada, sem nenhuma estrutura. Descansamos num quarto de hotel horrível. Não tinha para onde ir, precisava melhorar para sair dali o mais rápido possível e ainda pedalar mais dois dias para chegar a uma cidade maior e com melhor estrutura”, conta. Na opinião da nutricionista, foi a pior noite da viagem e a pior sensação até então.

As experiências vividas por ambos mudaram suas impressões sobre o mundo e sobre as pessoas. Hoje, não querem mais ser chamados de turistas. “Preferimos o termo viajantes, pois há uma enorme diferença entre ambos”, afirma André. O fotógrafo, que deixou o expediente bancário há cinco anos para fotografar, não pretende voltar à rotina. “A única coisa que eu quero ao retornar é abraçar todos que ficaram quando partimos. Pretendo continuar assim, viajando, não com as bicicletas, mas sem dúvida levando-as conosco para onde formos. Pensamos, talvez, em educar nossos filhos pelo menos por dois anos na estrada, conhecendo e brincando com crianças de outras culturas”, comenta.

Karla, que aprendeu a não criar muitas expectativas e a se permitir ser surpreendida pelo novo, afirma não pensar muito no futuro, até porque ainda falta um bom tempo para terminar a viagem. Acredita, agora, que a vida pode ser muito mais simples. “Rotina de trabalho, só se for com filhos e meu próprio negócio, algo pequeno, colocando em prática algumas receitas que tenho aprendido. Hoje, alegro-me muito mais com uma chuva que refresca um dia ensolarado, com o sol que esquenta o vento gelado e com a descida, que descansa os músculos já estafados”, conclui.
Para acompanhar o trajeto desses dois desbravadores acesse: www.facebook.com/BikesAndSpices.

Registro de viagem
- A jornada não terminará com o retorno do casal ao Brasil. André e Karla pretendem publicar os registros feitos durante o caminho. Inicialmente, serão dois livros fotográficos, um com as fotos feitas com o telefone e outro de cenas registradas com a câmera fotográfica e, possivelmente, alguns textos. Além dos livros, os aventureiros planejam também a produção de um documentário.

- Karla, que é nutricionista, pretende produzir um livro de fotos e receitas. “Eu sempre cozinho, seja no camping ou qualquer lugar que tenha uma cozinha. Quando somos convidados a ficar na casa de alguém e o anfitrião prepara uma comida típica, pego a receita e fotografo” explica a nutricionista.

Texto: Bruno Silva
Foto: André Cerri e Karla Silva Cerri

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