Seiva do planeta

Seiva do planeta

a comemoração do dia mundial da água, em 22 de março, propõe uma nova avaliação sobre o Aquífero Guarani, responsável pelo abastecimento de Ribeirão Preto. o maior desafio é eliminar o desperdício

Se a torneira mais próxima de você está a menos de 10 metros, considere-se uma pessoa de sorte. De acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU), estima-se que um bilhão de pessoas no mundo, ou uma em cada sete pessoas, carece de acesso a um abastecimento de água suficiente, que é definido como uma fonte que possa fornecer 20 litros por pessoa por dia a uma distância não superior a um quilômetro. Essas fontes incluem ligações domésticas, pontos públicos, fossos, poços e nascentes protegidos e coleta de águas pluviais. Pensando nisso, a ONU, em 1992, determinou a data 22 de março como o Dia Mundial da Água. Na ocasião, são realizadas ações e atividades que estimulam a reflexão sobre a importância da água para a vida no planeta.

A escassez do recurso é global, contudo, a preservação deve começar nas pequenas atitudes em casa, no bairro e no município. Antes de pensar em como resolver problemas em outros continentes, é preciso lembrar que a segunda maior reserva de água subterrânea do mundo passa por Ribeirão Preto. Apesar da proximidade, há quem desconheça ou faça pouco caso deste tesouro natural. O Aquífero Guarani possui 1,2 milhões de km², ficando atrás somente do Aquífero Alter do Chão, também conhecido como Sistema Aquífero Grande Amazônia (SAGA), localizado sob os estados do Pará, do Amapá e do Amazonas.  Apesar do tamanho —uma área quase duas mil vezes maior do que a área de Ribeirão Preto —, se o ritmo de consumo e ocupação urbana permanecer como está hoje, essa imensidão de água potável poderá desaparecer.

Em diversas audiências públicas, reportagens, textos e artigos científicos já foi discutida a importância de Ribeirão Preto para a preservação deste patrimônio. Grande parte da Zona Leste do munícipio faz parte da área de recarga do Aquífero — sobretudo, a Lagoa do Saibro, localizada no Parque dos Lagos.  As áreas de recarga são encontradas, principalmente, em locais onde o manancial está mais próximo da superfície, como é o caso da Lagoa. “O Aquífero naquela região tem entre 70 e 80 metros de profundidade. No restante da cidade, a média é de 150 metros e, em algumas regiões do Estado, mais a oeste, pode chegar a mil metros de distância da superfície”, explica Carlos Eduardo Alecanstre, diretor regional do Departamento de Águas e Energia Elétrica (Daee).

Segundo Alencastre, a ocupação do entorno da Lagoa deve ter atenção redobrada em relação ao restante da cidade, sendo feita de forma “racional e cuidadosa”

Plano Diretor


Um dos principais empecilhos na preservação do Aquífero é a conclusão do Plano Diretor. O instrumento é utilizado para orientar a atuação do poder público e da iniciativa privada na construção dos espaços urbano e rural. A norma delimita áreas de preservação, zonas de ruído, áreas de reserva, entre outras. Após muita discussão e queda de braço entre a Prefeitura e a Câmara, a revisão do Plano Diretor foi entregue aos vereadores em outubro de 2017. Nas mãos do legislativo, a intenção era de que o projeto fosse votado ainda naquele ano, mas acabou sendo adiado para 2018. A análise dos vereadores recai sobre as 12 leis complementares que a Prefeitura tem a intenção de que sejam votadas em um ano, além de outras três leis, previstas para 2019.

Entre as diretrizes apresentadas no projeto de revisão do Plano Diretor, destacam-se aquelas que pretendem intensificar as medidas de proteção do Aquífero Guarani, como a obrigatoriedade dos novos empreendimentos do município reservarem ao menos 35% do terreno adquirido para áreas verdes, parques ou praças, facilitando a recarga do reservatório. Além disso, esses empreendimentos deverão tratar a água das chuvas, para que a qualidade devolvida à natureza seja tão boa quanto à da captação natural. “É um projeto ultramoderno realizado por equipe qualificada que, com certeza, servirá de referência para garantir a qualidade do manancial para cidades com características iguais as de Ribeirão Preto”, comentou o prefeito Duarte Nogueira.

Carlos Eduardo Alencastre atenta para a atual situação imobiliária. “Os empreendimentos aprovados naquela região são obrigados a deixar uma reserva verde de 30% da área, mais 5% institucionais, que podem ser usados pelo Poder Público na construção de outras obras para a população. Chegou a ser cogitada a obrigatoriedade de que fossem deixados 50% de área verde, mas essa proposta não saiu do papel”, comenta. O diretor do Daee finaliza ponderando sobre uma forma racional de urbanização. “Dessa forma, devemos ser prudentes na análise. Não é tão fácil quanto parece chegar ao Aquífero, mas, ainda assim, a urbanização da área deve ser feita de maneira racional e cuidadosa. Vale ressaltar que é uma área frágil, que não deve ser ocupada como os demais locais da cidade”, conclui Alencastre.

Revitalização

Após quase duas décadas de espera, um importante passo para a manutenção do Aquífero foi dado; a assinatura do decreto que autoriza a criação da Estação Ecológica Guarani, localizada no extremo leste da cidade, próximo ao município de Serrana. O documento foi assinado no dia 20 de março, e o  plano de manejo da reserva, de 43 hectares, deve ser entregue à população no prazo de cinco anos, por meio da Secretaria Municipal do Meio Ambiente. “A Estação Ecológica Guarani representa importante ganho ambiental pela preservação do aquífero. Significa o respeito à manutenção de nossa única, ao menos atualmente, fonte de abastecimento de água”, disse o prefeito Duarte Nogueira. O local será a terceira grande reserva de Ribeirão, junto com a do Morro do São Bento e a Mata Santa Tereza.
Segundo o secretário do Meio Ambiente, Otávio Okano, é preciso deixar claro que a Estação Ecológica, apesar do nome, não faz parte do Parque Ecológico, que irá contemplar a Lagoa do Saibro. “É preciso deixar claro isso. O Parque Ecológico não tem nada a ver com a Lagoa do Saibro. Ele ficará no limite urbano de Serrana, próximo ao Rio Tamanduá”, ressalta o secretário.

Segundo detalhamento do projeto do Parque Ecológico, disponível no Portal da Transparência do Ministério do Turismo, “a Intervenção prevê a implantação de iluminação e o cercamento de parte do parque, melhorando a infraestrutura e a segurança do local. A iluminação do Parque possibilitará a ampliação do horário de visitação, já que, por causa do clima quente da cidade, o período de maior frequência é o final da tarde. A proposta está em conformidade com o Programa de Infraestrutura Turística, pois visa ao desenvolvimento do turismo por meio de adequação da infraestrutura. A proposta está vinculada a emenda parlamentar nº 30520014, do deputado Baleia Rossi.

As negociações retornaram à pauta do executivo em agosto de 2017. O prefeito Duarte Nogueira (PSDB) firmou compromisso com representantes do Mutirão da Lagoa do Saibro junto à Caixa Econômica Federal para a liberação de R$ 250 mil do Ministério do Turismo para a revitalização da Lagoa e a preservação do Aquífero Guarani. O projeto é chamado de “Parque Ecológico Guarani”. “Os recursos estão garantidos e a Prefeitura não vai perder este dinheiro”, afirmou o prefeito, durante encontro que aconteceu em julho de 2017, às margens da lagoa.   Em 31 de outubro do ano passado, o valor foi aprovado e divulgado no Diário Oficial do Município. Assinado pelo prefeito, o secretário da Casa Civil, Nicanor Lopes, e o secretário da Fazenda, Manoel de Jesus Gonçalves, o decreto entrou em vigor a partir da sua publicação. 

As primeiras negociações para a liberação do valor foram feitas pela ex-prefeita, Dárcy Vera, em 2016. Após sua cassação, o projeto passou pelas mãos da prefeita interina e atual vereadora, Gláucia Berenice, para só então chegar ao atual prefeito. Ainda em 2017, em outubro, a Prefeitura divulgou no Diário Oficial a liberação de um crédito especial para receber o recurso. Segundo o presidente do Observatório Social de Ribeirão Preto (OSRP), Márcio Minoru, o procedimento é comum neste tipo de situação, como os R$ 250 mil não faziam parte do orçamento previsto para o ano, é preciso incluí-lo nas contas do município.  Questionada, a Prefeitura alegou que ainda aguarda o aval da Caixa Econômica Federal, intermediadora da transferência. “O projeto e os dados complementares estão sob análise da Caixa. Tão logo aprovem, a prefeitura iniciara o processo de licitação, cujo edital indicará as condições e cronograma das obras”, afirmou o Executivo.

Para Márcio Minoru, a demora na liberação da verba para a revitalização da Lagoa não fere a leiCidadania

Ambientalistas defendem que a preservação da veia aberta do Aquífero deveria ser tratada como prioridade e que a estagnação de alguns projetos de proteção à área compromete a eficácia de ações.  Uma série de entraves envolvendo diversas esferas municipais tem dificultado a preservação do local. Um problema que pode ser combatido desde já e que não depende de muita burocracia é o exercício da cidadania. Não jogar lixo e preservar os arredores da Lagoa são atitudes de extrema importância para toda a população ribeirãopretana. 

Uma pesquisa da Universidade de São Paulo (USP) apontou que o descarte inadequado de lixo e entulho compromete Aquífero. Amostras analisadas detectaram a presença de poluentes chamados éteres difenílicos polibromados (PBDEs).  Segundo a Cetesb, tais compostos são adicionados a produtos eletrônicos, tecidos e espumas para evitar a propagação de chamas, porém, são nocivos aos seres humanos, pois podem alterar o funcionamento da tireoide, o desenvolvimento neurológico e ainda causar problemas no fígado. 

Semana da Água

Foi lançada na manhã de 21 de março a programação para a Semana da Água de Ribeirão Preto. Participaram da solenidade o prefeito Duarte Nogueira, o secretário do Meio Ambiente, Otávio Okano, o superintendente do Departamento de Água e Esgotos de Ribeirão Preto (Daerp), Afonso Reis Duarte, e Tapyr Sandroni Jorge, vice-presidente da Associação de Engenharia, Arquitetura e Agronomia de Ribeirão Preto (AEAARP). A solenidade aconteceu no Bosque Municipal Fábio Barreto.



Declaração universal dos direitos da água 

Após declarar o 22 de março como o Dia Mundial da Água, a ONU criou uma declaração que reforça a importância da água e da sua preservação para o planeta. Em linhas gerais, a Declaração institui que:

Art. 1º - A água faz parte do patrimônio do planeta. 
Art. 2º - A água é a seiva do nosso planeta. 
Art. 3º - Os recursos naturais de transformação da água em água potável são lentos, frágeis e muito limitados. 
Art. 4º - O equilíbrio e o futuro do nosso planeta dependem da preservação da água e de seus ciclos. 
Art. 5º - A água não é somente uma herança dos nossos predecessores; ela é, sobretudo, um empréstimo aos nossos sucessores.
Art. 6º - A água não é uma doação gratuita da natureza; ela tem um valor econômico: precisa-se saber que ela é, algumas vezes, rara e dispendiosa e que pode muito bem escassear em qualquer região do mundo.
Art. 7º - A água não deve ser desperdiçada, nem poluída, 
nem envenenada. 
Art. 8º - A utilização da água implica no respeito à lei. Sua proteção constitui uma obrigação jurídica para todo homem ou grupo social que a utiliza. 
Art. 9º - A gestão da água impõe um equilíbrio entre os imperativos de sua proteção e as necessidades de ordem econômica, sanitária 
e social.
Art. 10º - O planejamento da gestão da água deve levar em conta a solidariedade e o consenso em razão de sua distribuição desigual 
sobre a Terra.

Infográfico






















Texto: Paulo Apolinário

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