Dose de esperança
Equipe do Hospital das Clínicas considera a testagem um momento histórico e de muito otimismo

Dose de esperança

Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto deu início aos testes da CoronaVac, vacina que pode prevenir a Covid-19. Ao todo, 500 voluntários farão parte do experimento

Texto: Paulo Apolinário


Há 22 anos, Simone Garcia se dedica à profissão de enfermeira e, durante quase metade desse tempo, atuou na aplicação de vacinas. Segundo ela, nenhuma outra imunização foi tão importante quanto a que ela aplicou na manhã da quinta-feira, 30 de julho. Saiu das mãos de Simone a primeira aplicação da CoronaVac em Ribeirão Preto. A vacina que poderá prevenir a Covid-19, causada pelo novo coronavírus. “É uma marca para a minha carreira. Pelo momento que estamos vivendo, a população está dependendo dessa aprovação e a torcida é grande para que dê tudo certo”, comemorou a enfermeira. 

Os testes são realizados pelo Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (HC-FMRP) em parceria com o Instituto Butantan e outras 11 instituições em todo o país. Ao todo, 9 mil voluntários farão parte do experimento no Brasil. Os escolhidos para o projeto foram os profissionais da saúde que atuam na linha de frente do combate à pandemia e, por isso, são mais suscetíveis a contraírem a doença. Segundo o coordenador da pesquisa em Ribeirão Preto, o professor Eduardo Barbosa Coelho, os voluntários precisaram passar por testes para detectar se já foram infectados pelo novo coronavírus. Somente indivíduos que não tiveram contato com a Covid-19 são aceitos. Após isso, o voluntário assina um termo de consentimento e recebe o medicamento. Antes de ir embora, ele ainda deve ficar uma hora sob observação para os médicos terem certeza de que o voluntário não apresentou nenhuma reação adversa ao medicamento. O voluntário também recebe um diário e um termômetro, para aferir a temperatura diariamente e reportar aos pesquisadores. 

A vacina foi desenvolvida pela empresa chinesa SinoVac Biotec Group, em parceria com o Instituto Butantan, e já foi testada em cerca de mil voluntários em fases anteriores. “Essas fases são importantes para termos uma ideia da segurança do produto que, até agora, não demonstrou nenhum problema”, esclarece o coordenador. 


Caso a vacina seja aprovada, Instituto Butantan espera produzir 120 milhões de doses até março de 2021


O experimento foi projetado para durar até um ano, todavia, Eduardo explica que o estudo pode ser interrompido antes disso. Essa antecipação acontecerá em dois momentos distintos. O primeiro é quando forem detectados 150 casos confirmados de Covid-19, dentro da amostra de 9 mil voluntários. Caso isso ocorra, os pesquisadores irão pausar o experimento e analisar a qual grupo os indivíduos infectados pertenciam. Um segundo momento em que essa pausa analítica ocorrerá será um mês após a vacinação do último voluntário. Segundo o Instituto Butantan, os centros de testagem têm até setembro para vacinarem todos os voluntários. Apesar da possibilidade de que o estudo avance por 2021, o médico responsável pelo experimento em Ribeirão Preto se diz otimista. "Todos nós que estamos na área de saúde estamos dando o nosso melhor. Essa é a grande vantagem de estarmos em uma cidade que tem uma faculdade de medicina e uma instituição como a USP. Certamente, se a vacina funcionar, temos um mecanismo de diminuir a propagação do vírus", declara. Eduardo também argumenta que a notícia de que a vacina funciona poderá elevar o otimismo da economia. "Uma notícia dessas impacta em tudo. Certamente o mercado econômico vai reagir de uma forma positiva", pontua o médico. 

O coordenador dos testes em Ribeirão Preto, o médico Eduardo Coelho, acredita que notícia da vacina afetará positivamente todos os segmentos da sociedadeDos 500 voluntários inscritos em Ribeirão Preto, 250 receberão o medicamento e outros 250 receberão um placebo, ou seja, uma substância que não apresenta nenhum tipo de interação com o organismo. A princípio, os voluntários não serão informados se receberam a vacina ou o placebo. Após a aplicação, eles serão acompanhados de perto pela equipe do HC, com retornos a cada semana para realizarem testes de Covid-19 e avaliarem se apresentam alguma reação adversa ao remédio. Esse acompanhamento deverá durar cerca de três meses. Caso seja comprovado que o medicamento funciona, imediatamente os voluntários que receberam o placebo serão convocados para tomarem a dose “verdadeira” da vacina. 

Entre os voluntários que tomaram as primeiras dez doses, no dia 31 de julho, o sentimento era de esperança e gratidão por fazer parte de um experimento que pode entrar para a história. A reportagem teve acesso aos depoimentos dos voluntários, mas, em razão do sigilo de dados do projeto, não é permitida a divulgação dos nomes dos profissionais. Uma técnica de enfermagem que recebeu a vacina acredita que esse gesto é uma forma de ajudar o próximo. “Para mim, esse momento significa poder ajudar o próximo. É uma luz no fim do túnel", comenta. Já uma médica que também se dispôs como voluntária, diz que ficou receosa no início, mas que topou participar do experimento que pode colocar um fim à crise. "É uma esperança para o mundo sair dessa crise, de uma doença grave que tem levado milhões de pessoas e que ainda não tem nenhuma cura", afirma a médica.

DISTRIBUIÇÃO 

Caso a vacina seja aprovada, a Sinovac e o Butantan vão firmar acordo de transferência de tecnologia para produção em escala e fornecimento gratuito pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Os passos seguintes serão o registro do imunizante pela Anvisa Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e distribuição em todo o Brasil. 

O médico do HC, Eduardo Coelho, explica que os grupos de risco deverão receber as primeiras doses. Segundo nota do Butantan, o imunizante desenvolvido pela Sinovac é um dos mais promissores do mundo, porque utiliza tecnologia já conhecida e amplamente aplicada em outras vacinas. "O Instituto Butantan avalia que sua incorporação ao sistema de saúde deva ocorrer mais facilmente. O laboratório asiático já realizou testes em cerca de mil voluntários na China, nas fases 1 e 2. Antes, o modelo experimental aplicado em macacos apresentou resultados expressivos em termos de resposta imune contra o coronavírus", explica o Instituto.

Dimas Covas, presidente do Butantan, afirma que Instituto possui experiência com a tecnologia utilizada na SinoVacEm entrevista coletiva no Palácio dos Bandeirantes, após o início dos testes em Ribeirão Preto, o presidente do Instituto Butantan, Dimas Tadeu Covas, que também é presidente da Fundação Hemocentro de Ribeirão Preto, declarou que o Instituto tem a capacidade de produzir a vacina a partir de outubro. A previsão é de que sejam fabricados 60 milhões de doses até o final do ano e mais 60 milhões até o primeiro trimestre de 2021. Covas reforçou que a rapidez na produção se deve, entre outros fatores, ao fato de o Instituto dominar a tecnologia utilizada na Sinovac. "O Butantan tem duas vacinas com a mesma tecnologia. Nós dominamos toda a cadeia de produção, sabemos quem são os fornecedores de insumos e quais equipamentos devemos utilizar", comentou. 

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