Entre a Sevandija e a Lava Jato

Entre a Sevandija e a Lava Jato

Enquanto o prefeito Duarte Nogueira se tornava réu na Lava Jato, com base nas delações da Odebrecht, em Ribeirão Preto, a Câmara de Vereadores cassou o mandato da ex-prefeita Dárcy Vera

Com 76 dias de atraso, os vereadores de Ribeirão Preto “cassaram” o mandato da ex-prefeita Dárcy Vera. Se essa decisão for considerada válida pela Justiça Eleitoral, Dárcy poderá ficar inelegível por oito anos. A votação derradeira ocorreu na sexta-feira, 17 de março, em sessão extraordinária da Câmara dos Vereadores, realizada na Seccional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), em razão de Dárcy estar impedida de entrar em prédios públicos. Essa restrição nem teve efeito, uma vez que a ex-prefeita e a sua defesa ignoraram a sessão e não compareceram. Depois de chamar seis vezes o advogado de Dárcy Vera, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) indicou um representante de defesa para que a votação pudesse ser feita.  Foram mais de sete horas de sessão, Ex-prefeita Dárcy Vera ignorou processo da Câmaracom inúmeras paralisações no decorrer da leitura do relatório produzido pela Comissão Especial Processante (CEP), que encerraram a administração da ex-prefeita, mesmo que Dárcy Vera não tenha dado a mínima atenção ao processo. 

A CEP apresentou três acusações: por aliciamento parlamentar, quebra de decoro e por não proteger o patrimônio. Em todas as acusações, a condenação ocorreu por unanimidade dos 27 vereadores presentes. "A Comissão expôs as vísceras do processo podre que ocorria. Mostramos que a compra de favores levou a cidade à ruína. Parlamentares assumiram papéis de delinquentes travestidos de autoridades. Estamos dizendo a Ribeirão Preto que somos um poder. Combatemos a velha política que escraviza a sociedade brasileira às velhas práticas", afirmou o relator da Comissão Especial Processante, Marcos Papa (Rede), ao término da votação. O vereador também lamentou a ausência de um advogado de defesa, e considerou isso uma falta de respeito com o legislativo, situação que considera ter sido uma postura frequente durante os oito anos em que Dárcy Vera administrou Ribeirão Preto. 

Os próprios vereadores sabem que essa votação teve um “caráter mais pedagógico” do que punitivo, já que, obviamente, o mandato não existia mais. Tanto, que este argumento foi o mais forte levantado pela defesa, uma vez que não sendo mais possível a perda do mandato, a cassação dos direitos políticos só poderia ser decretada pelo Judiciário. “A interferência do legislativo feriria a independência dos poderes e permitiria perseguições políticas indevidas”. Além disso, a defesa alegou que a Comissão Processante se limitou a descrever e comentar as operações Sevandija e Mamãe Noel, da Polícia Federal e do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), faltando a avaliação de provas documentais e de testemunhas, o que acarretaria em um cerceamento de defesa, como foi protocolado na defesa prévia enviada a comissão. 

Após a votação, o presidente da CEP, Fabiano Guimarães (DEM), afirmou que o fato deve servir como um processo de educação para os jovens sobre a responsabilidade dos políticos. Já a vereadora Gláucia Berenice (PSDB), que assumiu a Prefeitura, interinamente, para concluir o mandato de Dárcy, acredita que a cassação tem o valor pedagógico, mas lamentou que nenhuma medida tivesse sido tomada anteriormente. “Talvez, se o poder Judiciário fosse um pouco mais ágil, não estivéssemos nesta situação”, lamentou a vereadora, que ocupa uma cadeira na Câmara desde 2009, justamente quando Dárcy iniciou o primeiro mandato. Gláucia recorda que todas as tentativas de fiscalizar o executivo eram obstruídas, até que “a Operação Sevandija conseguiu enterrar o governo”.

Agora, a Justiça Eleitoral precisa reconhecer a votação e cassar os direitos políticos de Dárcy. O autor do pedido de cassação de Dárcy, o cientista político Igor Lourençato, acredita que a votação foi um símbolo para que o município possa resgatar os valores. “Eu sou um cidadão comum, e isso mostra que todos os cidadãos devem bater na porta da Câmara para fazer valer os seus direitos e, ao encontrar algo de errado, entrar com medidas judiciais e administrativas, como essa”, comentou ao término da sessão.

Nogueira na lista do Janot 

Na mesma semana em que a ex-prefeita de Ribeirão Preto perdeu os direitos políticos, o atual prefeito, Duarte Nogueira reitera que teve as contas aprovadas pela Justiça EleitoralNogueira (PSDB) passou a ser alvo de inquérito proposto pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot. Nogueira será investigado sobre doações de campanha  feitas pela Odebrecht, alvo da Operação Lava Jato, da Polícia Federal e do Ministério Público Federal. O nome do prefeito de Ribeirão Preto foi citado por executivos da construtora que fizeram delação premiada. 

O pedido chegou às mãos do ministro, Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), na última terça-feira, 21, que decidirá se abre ou não o processo contra 83 políticos acusados de terem recebido esses pagamentos. Entre os políticos que tiveram a abertura de inquérito pedido pela procuradoria estão os ministros Elizeu Padilha (PMDB), Bruno Araújo (PSDB), Moreira Franco (PMDB), Aloysio Nunes (PSDB) e Gilberto Kassab (PSD). Também estão na lista o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM), o presidente do Senado, Eunício Oliveira (PMDB), e os ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, ambos do PT.

Além dos 83 pedidos de abertura de inquéritos, há 211 solicitações para desmembramento das investigações para a primeira instância da Justiça, sete arquivamentos e 19 pedidos cautelares de providências. As delações da Odebrecht foram homologadas em janeiro pela presidente do STF, Cármen Lúcia, após a morte do relator, Teori Zavascki, em acidente aéreo. Foram colhidos pela Procuradoria-Geral da República 950 depoimentos de 77 delatores ligados à empreiteira.

Nogueira foi citado no fim de 2016, pelo ex-diretor da Odebrecht Cláudio Melo Filho. De acordo com Melo, a empreiteira repassou R$ 650 mil em 2010 e em 2014 para campanhas do então deputado federal, apelidado de “corredor” nas planilhas da Odebrecht. Os pagamentos teriam sido de R$ 350 mil em 2010, e mais R$ 300 mil em 2014.

De acordo com a delação do executivo, os pagamentos foram feitos em troca de uma suposta atuação do então deputado, em 2008, quando a construtora solicitou que ele defendesse o processo licitatório das usinas do Rio Madeira, em discussões na comissão de Minas e Energia da Câmara dos Deputados.  Nogueira teria participado de uma reunião com o presidente da Odebrecht Energia, Henrique Valladares, em seu gabinete em Brasília, junto com o ex- deputado Bruno Araújo (PSDB) que também está na lista de Janot. 

Na ocasião, os interesses da Odebrecht foram derrotados na comissão. Mesmo assim, em 2010, Cláudio Melo Filho afirma ter recebido uma solicitação de apoio financeiro por parte de Nogueira. Na ocasião dos vazamentos das delações, o prefeito lembrou que não fazia parte da Comissão de Minas e Energia, no ano de 2008, e que por isso a denúncia seria infundada. Quanto à inclusão de seu nome na lista enviada ao Supremo Tribunal Federal para abertura das investigações, o prefeito trata o assunto com naturalidade, pois teve as contas de campanha aprovadas pela Justiça Eleitoral em todas as eleições que disputou.  “A apuração é importante para separar os culpados dos apenas suspeitos. Como homem público, nunca me furtei a prestar contas de minhas ações e sempre estarei à disposição para prestar esclarecimentos”, afirmou o prefeito em nota. 

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