Nova Câmara, antigos problemas
No primeiro ano da “nova Câmara”, os casos policiais continuaram e outros pedidos de investigação foram abertos

Nova Câmara, antigos problemas

O primeiro ano da nova Legislatura em Ribeirão Preto teve promessas de mudanças na forma de fazer política no município, porém, alguns vereadores se tornaram alvo de denúncias

A Operação Sevandija ocorreu quase que simultaneamente com as eleições municipais de 2016. Assim, a ação acabou influenciando no resultado do pleito. Prova disso é que dos nove vereadores investigados na operação apenas um conseguiu votos suficientes para se eleger: Capela Novas, que foi impedido pela Justiça de assumir a função. Ficaram de fora nomes tradicionais do Legislativo ribeirãopretano, como Cícero Gomes, que ocupava uma vaga na Câmara desde os anos 1970, e Walter Gomes, então presidente da mesa diretora e também há mais vinte anos na casa. Neste momento, Walter está preso preventivamente em Tremembé.

Novos nomes foram eleitos — 15 assumiram uma cadeira pela primeira vez — e o discurso adotado foi de uma “nova Câmara”, tentando reconstruir a imagem do Legislativo frente à população de Ribeirão Preto. Todavia, alguns dos novos vereadores se envolveram em polêmicas, com cassação de mandato em primeira instância, afastamento de parlamentar pela Justiça e acusação do Ministério Público de São Paulo (MPSP) por ligações com investigados em operações policiais.

Em junho, o vereador Lincoln Fernandes (PDT) teve o mandato cassado pela 1ª Vara Cível de Ribeirão Preto por considerar que houve abuso de campanha eleitoral nos meios de comunicação. Em segunda instância, o recurso do vereador começou a ser julgado no dia 22 de janeiro, mas a sessão foi suspensa por um pedido de vista feito por um dos sete desembargadores. Em agosto, Waldyr Villela (PSD), foi afastado da Câmara pela Justiça após operação do MPSP e da Polícia Civil, apontando que o vereador exercia a medicina de maneira ilegal, inclusive em uma clínica irregular, por ser dentista.  Já os casos mais recentes são dos vereadores Adauto Marmita e Isaac Antunes, ambos do PR. O MPSP pediu que a Câmara e a Justiça Eleitoral — no caso de Antunes — investiguem irregularidades: o primeiro por, aparentemente, ter organizado uma festa em que os presentes entraram em confronto com a polícia e o segundo por suposto envolvimento com investigados na Operação Têmis.

Mais mudanças
O cientista político José Elias Domingos acredita que essa situação seja motivada por outros fatores além da atuação individual de cada vereador. Ele aponta que a conjuntura política tem que ser analisada a partir dos grupos que influenciam o Legislativo, não somente da ação parlamentar isolada. José Elias considera a Sevandija um marco na história política de Ribeirão Preto e acredita que isso trouxe para a população a “esperança” de que é possível mudar a política na cidade. “A partir da Sevandija, tivemos uma renovação brusca na Câmara Municipal, não somente pelo afastamento de vereadores antigos da casa, mas, também, porque as pessoas estavam dispostas a mudar esse quadro nas urnas”, afirma o cientista político.

Mesmo com esse comportamento da população, José Elias explica que as mudanças no modo de se fazer política têm de ser mais profundas. “Percebemos que os partidos que tiveram vereadores afastados continuam com muita força dentro da Câmara Municipal. É como se fosse trocada uma laranja por outra. Isso não implica numa mudança, por mais que apareçam caras novas. Quando começou essa Legislatura, as pessoas esperavam uma renovação política no sentido de um confronto maior com o Executivo porque, anteriormente, havia total subserviência da Câmara no que tange a fiscalização da Prefeitura”, argumenta o cientista político.

O advogado Igor Lorençato Rodrigues, que fez o pedido para abertura de Comissão Processante na Câmara Municipal para a cassação da ex-prefeita de Ribeirão Preto, Dárcy Vera, segue a mesma linha de raciocínio. Para ele, as candidaturas ainda sofrem uma intervenção muito forte de interesses privados. Lorençato diz que isso atrapalha o sistema político, pois essa interferência impede que a Câmara Municipal vire a página e reconquiste a confiança da população. “A ideia de um sistema político mais transparente e moralmente correto, que se fortalece quando a Justiça parece atingir a todos, independente de sua situação política ou econômica, pode facilmente ser enfraquecida e desacreditada se não houver uma mudança concreta e sedimentada contra a corrupção. Como diria o autor americano John Steinbeck, ‘quando uma luz se apaga, é muito mais escuro do que se ela jamais houvesse brilhado’”, salienta o advogado, que defende também mudanças mais profundas.

A resposta da Câmara

Os vereadores Rodrigo Simões (PDT) e Igor Oliveira (MDB), respectivamente ex e atual presidente da Câmara Municipal, argumentam que a situação no Legislativo já passou por mudanças. Simões, ao término do mandato frente à presidência da casa, afirmou que muitas transformações aconteceram em 2017, baseadas em transparência. Ele também disse que “as bandeiras de respeito ao dinheiro público e transparência” foram os alicerces levantados nos primeiros doze meses da nova Legislatura.

O vereador Igor Oliveira, que assumiu o comando da Câmara em 2018, afirma que prosseguirá com as medidas tomadas no último ano para tentar devolver a credibilidade dos políticos perante a população. “Creio que temos que trabalhar forte como, aliás, já temos feito. Apenas dessa forma continuaremos resgatando a credibilidade popular”, reforça Igor.

Quanto aos pedidos do MPSP para que a Câmara abra uma comissão processante para analisar os casos dos vereadores Isaac Antunes e Adauto Honorato, o Marmita, ambos do PR, o presidente revela que os casos estão sendo analisados pelo departamento jurídico do Legislativo e que investigarão todas as denúncias. “O legislativo não se furtou, em momento algum, a abrir procedimentos de apuração sobre qualquer caso. Considero as denúncias como parte do princípio democrático que possuem cidadãos e instituições. Compete a nós apurarmos e darmos uma resposta verdadeira e honesta à sociedade. Vamos sempre dar transparência a todos os assuntos que ingressarem no Legislativo para que toda a população de Ribeirão Preto fique sabendo o que acontece na Câmara”, declara o vereador.

Os casos

Waldyr Villela - Foi afastado em agosto de 2017, após denúncia do exercício ilegal da medicina, e também, por peculato, por uso do veículo da Câmara e de servidores. Após análise dessa situação pelo Conselho de Ética da Câmara, o processo foi arquivado por apontar que a denúncia apresentada era “genérica” e “vazia”. Em agosto, antes de ser afastado da Câmara pela Justiça, Villela chegou a se pronunciar na casa contra as acusações. Na ocasião, o parlamentar afirmou que “lutava pelos menos favorecidos”. O advogado de Villela no caso, Régis Galino, aponta que a acusação sobre o uso do carro da Câmara e de servidores fora do gabinete foi revertida, pois foi demonstrado que estavam sendo utilizados em serviços de atendimento à população. Já sobre a situação da ilegalidade do exercício da medicina, a situação ainda segue tramitando na Justiça, enquanto é aguardada uma manifestação do Ministério Público.

Isaac Antunes - Responsável pela Operação Têmis, o promotor Aroldo Costa Filho fez um pedido à Justiça Eleitoral para que o vereador Isaac Antunes fosse investigado, em decorrência da Operação Têmis, deflagrada pelo Ministério Público de São Paulo e pela Polícia Civil, em janeiro. O promotor aponta que recebeu denúncia no período eleitoral constando que o parlamentar usava a estrutura do escritório de advocacia investigado para se promover. Isaac nega qualquer relação com os investigados na operação e reforça que está acontecendo um grande equívoco. De acordo com o vereador, estão confundindo um movimento do qual participou, que pedia justamente uma renovação na política, com a associação que seria utilizada no esquema investigado. Issac ainda reforça que não possuía ligação com o escritório de advocacia e nem com a associação investigada.

Lincoln Fernandes - No dia 22 de janeiro, o Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo (TRE-SP) começou o julgamento do recurso solicitado por Lincoln Fernandes, que, por essa ação, pode manter o mandato após decisão da 1ª Vara Cível de Ribeirão Preto. Entretanto, o juiz Marcelo Gordo pediu vista da análise do recurso, que também foi pedido pelo candidato derrotado à Prefeitura de Ribeirão Preto Ricardo Silva, do mesmo partido. O relator do processo, Manuel Marcelino, considerou a ação contra os políticos improcedente. Lincoln comenta ter recebido a notícia com tranquilidade e alívio, e aguarda a retomada da apreciação. Mais seis desembargadores votarão quando a sessão for reiniciada.

Adauto Honorato (Marmita) - No fim de 2017, moradores do Parque Ribeirão entraram em confronto com a Polícia Militar após o encerramento de uma festa, que, de acordo com a polícia, não tinha a autorização da Prefeitura de Ribeirão Preto para o fechamento das ruas. O caso virou alvo do MPSP, que pediu a abertura de investigação por parte da Polícia Civil e também encaminhou ofício para que a Câmara Municipal analise a situação, pois o vereador Adauto Honorato, o Marmita, seria um dos organizadores do evento. O vereador nega a participação. A assessoria do parlamentar diz que fez dois ofícios para que as ruas do bairro pudessem ser fechadas para a realização do evento, a pedido dos moradores, o que foi negado. Ele rechaça qualquer envolvimento e diz que foi até o local conversar com os policiais, a pedido dos moradores.

Texto: Leonardo Santos
Fotos: Allan S. Silveira e Aline Pereira – Câmara Ribeirão Preto

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