Os primeiros 100 dias

Os primeiros 100 dias

O dia 10 de abril será o centésimo dia do governo de Duarte Nogueira, cujo início do mandato foi marcado por tentativa de reorganização da administração municipal e reclamações por falta de diálogo

Relacionamento do presidente da Câmara, Rodrigo Simões, coma Prefeitura, tem oscilado entre negociações e conflitosA primeira centena de dias de Duarte Nogueira (PSDB) à frente da Prefeitura de Ribeirão Preto pode ser descrita como a recuperação de uma praia que acabou de ser devastada por ondas gigantes. É um processo de reconstrução, mas com cuidado para que novas tormentas não voltem a ocorrer e levar tudo embora. Em menos de 100 dias de governo, duas greves já estouraram no funcionalismo público, a administração reclama que não tem dinheiro, e vereadores e Sindicato dos Servidores Municipais criticam a falta de diálogo.

A marca de 100 dias será alcançada no dia 10 de abril, e significam apenas 6,8% dos 1.461 dias de duração do mandato de Nogueira. Mesmo assim, o período ainda contou com visita presidencial e viagens para Brasília para posse de ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), além de encontros com ministros solicitando mais apoio para as áreas da Saúde e também pedidos para acelerar a ampliação do Aeroporto Leite Lopes. 

Stocco acredita que governo já conseguiu alguns acertosA centena será registrada em meio a um ambiente bem delicado para a administração municipal: a segunda greve dos servidores municipais, que cobram reajustes salariais de 13% e acusam o governo de faltar com diálogo. Além disso, os servidores reclamam dos pedidos de liminares pela Prefeitura, na Justiça, para tentar acabar com a greve. A administração alega que a paralisação afeta serviços essenciais, como de Saúde, Educação e limpeza urbana, além do Daerp. “É uma vergonha pôr na Justiça e não se sentar com os servidores para apresentar uma proposta. Tem que abrir os cofres da Prefeitura e demitir os comissionados. A lei diz que o governo tem que tomar uma medida, e que comece pelos comissionados”, afirmou o presidente do Sindicato, Laerte Carlos Augusto, no dia 4 de abril. O dirigente ainda declarou que só com a valorização dos servidores o município vai conseguir oferecer à população um serviço público de qualidade.

A greve pelos reajustes dos salários já é a segunda enfrentada pelo governo Duarte Nogueira. A primeira, em janeiro, foi motivada pelo atraso dos pagamentos dos salários dos funcionários. Os vencimentos, que deveriam ser quitados no fim de dezembro, foram postergados para o quinto dia útil de janeiro, mas, por causa da alegada falta de recursos, por parte do município, foram atrasados para até a metade daquele mês.

Divergências com a Câmara

Além das greves enfrentadas, outro desafio da atual administração é a relação com a Câmara Municipal. Com a base governista menor do que a oposição (13 ante 14 vereadores), a casa é presidida por Rodrigo Simões (PDT) que, nas últimas eleições municipais, fez parte da composição do candidato derrotado Ricardo Silva, filiado ao mesmo partido. Desde o início, Simões tem pregado uma parceria entre o Executivo e o Legislativo. “Este é um momento de trabalhar por Ribeirão Preto juntos”, salienta o vereador. Apesar disso, o próprio presidente da Câmara não deixou de embarcar em polêmicas como quando se envolveu em um embate com o vice-prefeito e secretário de Assistência Social, Carlos Cezar Barbosa, após suspeitas de que uma pessoa com deficiência intelectual, que vive na Central de Triagem e Encaminhamento ao Migrante/Itinerante e Morador de Rua (Cetrem), teria sido agredida no local. 

Segundo Alencastre, técnica e realidade devem caminhar juntas na busca por soluções para a cidadeA Câmara cobrou explicações da Prefeitura, Barbosa respondeu e afirmou que a Câmara foi omissa em não fiscalizar o local anteriormente, e que estaria tentando se aproveitar politicamente da situação. Na ocasião, a presidência da Casa chegou afirmar que houve falta de respeito do vice-prefeito com o Legislativo.

Isso, sem contar que as sessões ordinárias da Casa começaram quentes na atual legislatura, com uma série de vetos praticados em legislações aprovadas na Câmara, por parte do prefeito, e outras tantas derrubadas destes mesmos vetos por parte dos vereadores. Até a lei que regulamenta a Área Azul, retirada de pauta na primeira vez em que iria ser votada, por erros técnicos apontados pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), só foi aprovada após a inclusão de 20 emendas propostas pelos vereadores, em um projeto que já era apontado como grande pelos próprios vereadores apoiadores do governo na Casa.

Assim, a Câmara Municipal revogou decretos do prefeito, como o que aumentaria a Contribuição de Iluminação Pública (CIP) em 6,5%, e o que reajustaria a tarifa de água e esgoto em 15,53%. O pacote de decretos foi emitido para a apreciação da Câmara como uma tentativa para conter gastos e equilibrar as finanças da Prefeitura. 

Simões continua afirmando que a Câmara está disposta a cumprir o seu papel e estar ao lado da Prefeitura nas decisões importantes para o futuro do município. Quanto às divergências, o presidente acredita que tenham ocorrido em razão da falta de diálogo no momento, mas garante que a Câmara estará ao lado da administração municipal nas decisões importantes e que não abrirá mão de papel fiscalizador. O vereador cobra que sejam enviados o quanto antes para a Casa o Plano Diretor, o Plano de Educação, uma nova demarcação do perímetro urbano e ainda a lei que regulamentará loteamentos fechados. 

Ali Mere ressalta que a desorganização encontrada pela administração atual dificultou a busca por soluções para a SaúdeDuarte Nogueira não acredita que houve falta de diálogo com vereadores e servidores. De acordo com o prefeito, houve, sim, uma obstáculo de se atingir o índice de reajuste salarial pedido pelo funcionalismo público, dificuldade que ocorreu, segundo o administrador, em razão do momento financeiro do município. Porém, o prefeito afirma que recebeu o Sindicado dos Servidores Municipais e conversou com os funcionários públicos por meio da Comissão de Política Salarial. “O diálogo continua aberto”, complementa.

Quanto aos vereadores, Nogueira rechaça qualquer dificuldade de conversa, pois se reuniu com todos na Prefeitura e que tem discutido os projetos enviados à Câmara. “Agora, por exemplo, estamos conversando com os vereadores a respeito da revisão do Plano Diretor. Pelo cronograma que estabelecemos, os vereadores conhecerão o projeto antes de iniciarmos as audiências públicas. Queremos contar com os vereadores na discussão dos principais assuntos da cidade. Eles sempre terão todas as informações necessárias”, afirma o prefeito.

Arrecadação e economia

Ainda em janeiro, Duarte Nogueira lamentou que a arrecadação municipal estava abaixo do esperado para o início do ano. O prefeito deparou-se com o caixa da Prefeitura vazio, com pouco menos de R$ 4 milhões. De acordo com o Portal da Transparência do município, nos dois primeiros meses do ano, a arrecadação em Ribeirão Preto chegou a R$ 431 milhões.

Isso obrigou a Prefeitura a procurar financiamentos em Brasília, junto ao Governo Federal, como no início de fevereiro, quando o prefeito se encontrou com o ministro da Saúde, Ricardo Barros, ou nos financiamentos solicitados junto à Agência de Fomento Paulista (Desenvolve.SP) para instalação de iluminação pública no Distrito Industrial, no valor de R$ 1,4 milhão, além de outros R$ 4 milhões para obras de recapeamento pelo município.

Neste cenário, a administração afirma que está trabalhando para cortar gastos e que a expectativa é de que em 2017 sejam economizados até R$ 180 milhões dos cofres públicos — embora a meta seja de R$ 300 milhões, justamente para cobrir o déficit na receita do município, calculado em R$ 350 milhões pela Secretaria da Fazenda.

Nogueira explica que, desde que iniciou o governo, um dos principais objetivos seria, justamente, reduzir os gastos da administração pública e aumentar os investimentos. Segundo o prefeito, no primeiro bimestre deste ano, o gasto com funcionários em cargos de comissão (97 nomeados) foi 50% menor, na comparação com o mesmo período de 2016, quando havia mais de 200 funcionários nessa posição. Além disso, o chefe do executivo afirma que o Comitê do Gasto da Administração Municipal apontou uma economia de mais de 17% em relação à gestão passada, no mesmo período.

Atritos necessários 

Embora esses problemas tenham sido recorrentes, representantes de entidades civis de Ribeirão Preto acreditam que são obstáculos necessários para colocar a casa em ordem, já que o cenário encontrado foi de destruição. 

O presidente da subseção da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) em Ribeirão Preto, Domingos Stocco, acredita que o governo conseguiu alguns acertos, principalmente, relacionados à reorganização das finanças do município, embora ele acredite que tenha faltado diálogo. “Acredito que o Governo conseguiu alguns acertos e tem a preocupação de colocar as finanças em dia, mas precisa de serenidade para entender que errou com a falta de diálogo, em alguns momentos, e não pode perder o foco de que a prioridade de um governante é servir a população”, comentou Stocco, que compartilha da opinião do advogado Juarez Mello, do Observatório das Eleições da Associação dos Advogados de Ribeirão Preto (AARP).

Mello vê com preocupação a relação conturbada entre o Executivo e o Legislativo no início do mandato, mas considera que nos 100 primeiros dias de Duarte Nogueira, a nova gestão foi capaz de dissipar “o caos no qual a cidade mergulhou a partir da deflagração da Operação Sevandija”. O advogado ressalta que houve retomada da rotina da gestão municipal e a adoção de medidas que reduzem os problemas enfrentados pela população, como os buracos no asfalto, “símbolos visíveis da fragilidade estrutural do município”. O advogado conclui que é uma metáfora com o que a Prefeitura tem feito. “A administração enfrenta os problemas no atacado, enquanto busca planejar soluções que atendam às grandes questões em longo prazo”, avalia.

Nos primeiros 100 dias de governo, Nogueira aponta que o caminho é reorganizar a administração municipalJá o engenheiro Carlos Alencastre, presidente da Associação de Engenharia, Arquitetura e Agronomia de Ribeirão Preto (AEAARP), analisa os trabalhos que a Prefeitura tem executado para solucionar o problema dos buracos nas ruas, mas diz que o governo municipal tem feito os remendos de acordo com as possiblidades. “Claro que não é o suficiente. Todos os cidadãos esperam mais. Unindo a técnica e a realidade, entretanto, as ações até agora estão dentro das possibilidades. O ideal seria recapear todas as vias, uma obra inviável financeiramente e completamente fora da realidade do município neste momento”, comentou Alencastre.

O planejamento para o futuro é um dos motivos pelos quais o médico Yussif Ali Mere, presidente da Federação dos Hospitais, Clínicas e Laboratórios de São Paulo e do SindRibeirão, acredita que ocorram os desgastes com os servidores e com outros setores, por exemplo. No entanto, considera normal, em razão da situação complicada em que a máquina do município foi encontrada. “O grande problema é que a Prefeitura estava desorganizada, incluindo setores como a Secretaria da Saúde. Isso atrapalha. Esses 100 dias foram de um governo de reconstrução de uma Prefeitura completamente desorganizada, sem os procedimentos administrativos em ordem, já que a administração anterior governava como se não houvesse algo depois de 2016”, comentou Yussif. 

O médico avalia que as dificuldades do município em contratar médicos, como declarou o secretário municipal de Saúde Sandro Scarpelini, nas últimas semanas, é em decorrência desta falta de organização. “Em vez de se ter uma escala organizada sobre quem trabalhava em determinados momentos, criou-se essa cultura de pagamentos de horas extras. Quando esses excedentes são cortados para colocar as contas em dia, há desgaste. No entanto, é preciso planejar a cidade para os próximos anos, não para a próxima eleição”, analisa o médico.

Já visando às próximas ações, Duarte Nogueira anunciou que, até agosto, o município deve encaminhar para a Câmara Municipal a revisão do Plano Diretor, que está parado desde 2015. Carlos Alencastre acredita que a revisão deva contemplar com urgência todas as leis complementares exigidas, como uso, ocupação e parcelamento do solo, mobilidade, código de obras, meio ambiente e mobiliário urbano. “Os primeiros 100 dias desse governo foram de reconhecimento da situação, de negociação e de busca por alternativas para fazer a cidade avançar. É necessário planejar, verificar do que a cidade realmente necessita e, principalmente, apontar para o futuro”, concluiu Alencastre. 

A visão do lado de dentro

Para o prefeito Duarte Nogueira, os primeiros 100 dias de governo têm sito motivo de comemoração, já que, de acordo com ele, o município conseguiu avançar em diversas áreas, como os investimentos já feitos na infraestrutura do município, educação e saúde. São 17 quilômetros de ruas e avenidas recapeadas, graças a R$ 3,1 milhões investidos, com a promessa de que outro R$ 1,1 milhão será gasto nos próximos dias, o que significará tapar mais de 15 mil buracos. 

Na área da Saúde, segundo o prefeito, foram aplicadas 110 mil vacinas da febre amarela e reduzidos 99% dos casos de dengue, com nenhum registro novos de zika vírus, chikungunya e febre amarela em 2017. Duarte Nogueira recorda que o município conseguiu recuperar os investimentos em duas Unidades de Pronto Atendimento (UPAs), que já não estavam mais nos projetos do governo federal.

Para o prefeito, iniciar as aulas sem atropelos é outro motivo que deve ser comemorado. Mesmo sem licitações para a compra de materiais, as necessidades dos alunos foram atendidas graças a doações. Nas creches, foram criadas 311 novas vagas. Já na habitação, o destaque do prefeito vai para um projeto que prevê sete mil moradias, com meta de chegar a 15 mil unidades até o término do governo.


Texto: Leonardo Santos
Fotos: Pedro Gomes, Júlio Sian, Ibraim Leão, Rubens Okamoto, Aline Pereira e LF Piton

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